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Delito de Opinião

Mais inseguros e menos livres

Pedro Correia, 14.11.15

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Este é o maior problema da Europa actual: a liberdade seriamente condicionada pelos seus mais encarniçados inimigos. Paris, outrora Cidade-Luz, é hoje cidade ensanguentada pelo fanatismo mais extremista.

Somos todos, a partir de agora, um pouco menos livres. E trocaremos cada vez mais parcelas de liberdade em troca de segurança. Dilema ilusório. Porque nos alicerces da nossa civilização - que o terrorismo islâmico combate sem tréguas - liberdade e segurança são conceitos indissociáveis. Um não faz sentido sem o outro.

Hoje estamos todos mais inseguros e menos livres. É um dia de júbilo para os cultores da barbárie, que não estão algures em parte incerta.

Estão aqui, no meio de nós.

Texto reeditado

É na política que somos todos

Tiago Mota Saraiva, 14.11.15

Hoje choca-nos. Sentimo-nos próximo. Reconhecemos as ruas de Paris e aquelas expressões de pânico parecem-nos familiares. Procuramos contactar quem conhecemos em Paris. Apetece-nos prestar solidariedade. Uma solidariedade que de pouco vale às vítimas - os mortos, sobreviventes e todos os que lhes estão próximos. 
É no campo da política que podemos agir. É aí que somos todos.
Perceba-se, de uma vez por todas, que mais policiamento e controlo não é garante que não volte acontecer. Abordar o problema desta forma apenas nos garante que acontecerão novos massacres cada vez com mais perdas do lado dos que passeiam na rua.
Este também é o tempo de mandar calar todos os que levantam dúvidas sobre os motivos da crise dos refugiados. É disto que fogem.
Repito, o que podemos fazer é agir politicamente. Contribuir para a paz e não espalhar a guerra. Hoje é um bom dia para avaliar as consequências da guerra ao terror, da existência da NATO e do papel que tem tido na escalada desta guerra.

We will always have Paris.

Luís Menezes Leitão, 14.11.15

Se há cidade que simboliza a civilização europeia e o seu espírito de liberdade, essa cidade é  precisamente Paris, a Cidade-Luz. Há muito que é uma cidade que está no coração de todos os europeus e por ela muitos combateram, até com sacrifício da própria vida.

Nas guerras religiosas francesas, Henrique IV, enquanto chefe protestante, conquistou quase todo o território francês, mas foi-lhe recusada a entrada em Paris, que permanecia como bastião do catolicismo. Para ter Paris, não hesitou em converter-se à religião católica, tendo então pronunciado a célebre frase: "Paris vale bem uma missa" (Paris vaut bien une messe).

Na II Guerra Mundial, a principal humilhação que os alemães causaram aos franceses foi precisamente a conquista de Paris, não hesitando em desfilar junto ao Arco do Triunfo,  ultrage supremo desse símbolo da glória francesa. Quando o exército alemão começou a ser derrotado, Hitler quis destruir Paris, mas o governador alemão, Dietrich von Choltitz não lhe obedeceu, também fascinado pela beleza de cidade. A famosa pergunta de Hitler: "Paris já está a arder?" (Ist Paris verbrannt?) não teve a resposta que ele desejaria.

 

Há muito que acho que o Estado Islâmico está a desafiar todos os fundamentos da civilização europeia, numa barbárie sem precedentes, de que a destruição de Palmira é um triste símbolo. Quando se verifica, porém, um ataque no coração do continente europeu, mesmo na sua mais bela cidade, a resposta só pode ser uma: a guerra. E a mesma é inevitável, já que nenhuma contemporização se admite num caso destes. Como disse Churchill, a propósito da contemporização do governo de Chamberlain com Hitler: "Podiam ter escolhido entre a guerra e a vergonha. Escolheram a vergonha e terão a guerra".

 

Neste momento, os mortos e feridos de Paris exigem que se termine de uma vez por todas com esta situação na Síria, que já causou um número excessivo de mortos e refugiados, e, quer se queira, quer não, para isso são precisos exércitos no terreno. Mas é a civilização europeia que neste momento corre perigo, podendo ter o mesmo destino da civilização romana, caída às mãos de um grupo de bárbaros. E, por muito dura que uma guerra seja, pelo menos que no âmbito dela continue a ser possível a um casal de apaixonados dizer: "We will always have Paris".

Midnight in Paris ou a revisitação do existencialismo

Laura Ramos, 23.10.11

 

Onde começa o artifício e termina a realidade? É irrelevante.

Nem mais, Pedro. O que importa é que o imaginário é também uma forma de realidade que nos condiciona e nos faz como somos, tanto ou mais do que o  prosaico dia a dia. O que o filme de Woody Allen tem de genuíno é mostrar Paris como ela é, exactamente: a calçada que pisamos, com os pés bem assentes na terra; e a permanente passagem à estratosfera, através da viagem mental, dos laços culturais (literários, artísticos e lúdicos, sobretudo lúdicos) que nos impelem até à ilusão da proximidade física com os nossos anjos ou os nossos agradáveis demónios, conforme preferirem.

Woody Allen conseguiu isso muito bem, porque transmitiu metaforicamente o que realmente acontece.

Quando nos sentamos em Montmartre e penetramos no fundo dos cafés, estamos com Modigliani ou Soutine. Quando passeamos no Boul' Mich', encontramos ainda, e comovemo-nos, com a poeira do Mai 68 a sujar-nos a ponta dos jeans, ou o murmúrio incendiado da resistência estudantil dos anos 40, insurgida contra a ocupação alemã.

Quando vamos aos Puces, lembramos a Sagan, que também nos leva  ao cenário oposto, o Maxim’s, para revermos Proust em carne e osso.

Se nos sentamos no La Paix, é para respirar o mesmo ar que Tchaïkovski, Zola ou Maupassant. E no Boulevard des Capucines, refastelados nas cadeiras de verga diante de um normalíssimo café-crème,  reencontramos Victor Hugo e os irmãos Lumière.

Paris vive carregada da história de todas as idades e de uma cultura que a minha geração ainda entende na perfeição.

O filme Midnight in Paris captou isso com uma substância que só talvez quem viveu esse sortilégio consegue perceber. Nós, os parisienses de empréstimo na tenra idade, reconhecemos tudo como se descobríssemos uma alma gémea. Partilhamos os mesmos demónios em cada trecho da cidade, num atalho para nós próprios, numa armadilha do tempo, num elo transitivo para o que nos é familiar. Por isso, Woody, o teu mix não é uma fantasia, mas sim uma realidade acutilante.

Na verdade, eu já o tinha dito: o meu lugar ideal é o Quartier Latin, sentada, ao som de Brel, à conversa com Joyce que rabisca o Finnegans Wake e promete convencer Modigliani a pintar-me. Uma impossível sincronia.

Depois de ambos termos percebido isto (a irrelevância da diacronia e a fusibilidade das gerações) como é que não nos cruzámos por ali?

Por mero acaso. Ou talvez porque tu vivesses no Plaza, nos Champs Elysées, e eu algures no Marais, quando o 7.ème era o sítio sonhado por Malraux. E  talvez porque tu comesses no Chez Regine, enquanto eu debicava camemberts acompanhados de bordeaux no inesquecível La Bière, em plena Rue Saint Paul.

Mesmo assim, como poderias tu não concordar comigo?

Leste-me os pensamentos, para não dizer que mos roubaste.

Um americano em Paris

Luís Menezes Leitão, 22.09.11

 

O novo filme de Woody Allen, Midnight in Paris, é absolutamente brilhante. Ao contrário dos outros realizadores americanos, Woody Allen é um apaixonado pela cultura europeia, pelo que não admira que tenha decidido começar a filmar em cidades europeias. O seu filme é todo ele uma homenagem a Paris, uma das mais extraordinárias cidades do mundo, a meu ver só suplantada precisamente pela sua Nova Iorque. Mas temos a surpresa de encontrar no filme uma citação constante dos grandes vultos da cultura americana, que como ele também passaram por Paris. Mas a grande demonstração do filme é que a magnífica cidade de Paris suplanta todas as obras. Como uma personagem diz no filme, não há obra humana, seja sinfonia, romance ou pintura, que consiga suplantar uma grande cidade.

Lado B

Laura Ramos, 03.07.11

Por culpa do post do Pedro Correia lembrei-me deste poema, espantosamente dito por certo diseur acidental, cá muito meu.

Hemingway tinha razão: Paris, os verdes anos,  o arrojo de conhecer e de quebrar, nunca torcer. A comoção da liberdade, o calor do idealismo,  a coragem do excesso (essa aptidão imprescindível para agarrar a vida pelos cornos, com as duas mãos, até cada um lhe chamar sua). E, claro, pois... a alegria da festa, para sempre.

Com Apolinnaire no prato (outro culpado). Sem contradição e desde então para sempre, também.

 

 

 

Sous le pont Mirabeau coule la Seine
Et nos amours
Faut-il qu’il m’en souvienne
La joie venait toujours après la peine

Vienne la nuit sonne l’heure
Les jours s’en vont je demeure

Les mains dans les mains restons face à face
Tandis que sous
Le pont de nos bras passe
Des éternels regards l’onde si lasse

Vienne la nuit sonne l’heure
Les jours s’en vont je demeure

L’amour s’en va comme cette eau courante
L’amour s’en va
Comme la vie est lente
Et comme l’Espérance est violente

Vienne la nuit sonne l’heure
Les jours s’en vont je demeure

Passent les jours et passent les semaines
Ni temps passé
Ni les amours reviennent
Sous le pont Mirabeau coule la Seine

Vienne la nuit sonne l’heure
Les jours s’en vont je demeure