Livros de cabeceira (23)
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Sítio de cabecear, assim de nunca trabalho. E quanto menos ando a ler mais os livros aqui apostos, alguns trazidos por mero fastio e depois aboletando-se, outros para rever só umas poucas páginas e depois esquecidos, também ideias a médio prazo tornadas quase projectos de vida, mais aqueles vários que percorro em simultâneo, e uma ou outra escassa novidade, nisto tornando-a verdadeira mesa de cabaceira. Os malambes d'agora:
"Memórias de um caçador de elefantes" (com 32 fotogravuras) de João Teixeira de Vasconcelos (Porto, Maranus, 1924) com prefácio de Raúl Brandão, com longa dedicatória manuscrita do autor para o meu avô materno, seu amigo, a história de um caçador de elefantes pós-1914 em Angola (vou no planalto de Mazenquele), vista sob o prisma da época, o da grandiosidade épica da caça. A seguir, à espera de entrar, o recente de Ungulani Ba Ka Khosa, "Entre as Memórias Silenciadas" do qual me chegam veementes elogios. Atrás o "Odisseia", dito de Homero, tradução de Frederico Lourenço, que releio com olhos de ler (a acabar até ao final do ano); o "Rosa do Mundo. 2001 Poemas Para o Futuro", a oferta final do excelente Hermínio Monteiro, que aqui vive pois gosto das cosmogonias nele coleccionadas; o "O Escritor-Fantasma" de Zoran Zivkovic, uma delícia, e também porque o primeiro livro que a minha filha me ofertou, narrando um escritor viciado na troca e-mails, uma fantástica intuição dela nos seus 10 anos, filha de blogomaníaco, e que aproveito agora para arrumar. Também "A Biblia Sagrada contendo o Velho e o Novo Testamento", autoria colectiva (por vezes dita divina), "traduzido em portuguez pelo padre João Ferreira D'Almeida" (Lisboa, 1877), exemplar de um meu bisavô patrilateral, 1252 páginas em pequena letra que me prometi ler até aos 50 anos, que não posso continuar a conhecer apenas o Genesis. No topo traseiro o "O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote da Mancha", de Miguel De Cervantes, tradução de Daniel Augusto Gonçalves, uma saborosíssima releitura (que acompanha a minha tentativa de escrita de um artigo sobre antropologia e Portugal a que chamo "Sendo Sancho Pança"). Sob ele está outro residente de longo termo, também vagorosa releitura, "As Quybirycas" de Iohannes Gabaratus (aliás António Quadros), um poeta gigante que o engraçadismo português faz por esquecer (deixo "ligação" para alertar à urgência da sua leitura). No canto direito, em acções mais curtas, estão "O Que Diz Molero" de Dinis Machado, para reler que só o li quando miúdo, então acabado de publicar (edição Círculo de Leitores) e que me deixou uma belíssima memória; "A Ilustre Casa de Ramires" de Eça de Queirós, que chegou ontem para uma tetraleitura que com toda a certeza não terminarei, pois também não interessa, bastará fruir o encanto; "O Falador" de Vargas Llosa já terminado e recomeçado, um não excelente livro mas dedicado à antropologia, daí o recomeço a ver se dele faço algo. E no cimo "Gente Pobre" de Dostoéivski, uma tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra. Casal o qual, nas suas múltiplas versões, reside constantemente nesta cabaceira.
O "Na Minha Morte", de Faulkner, quase concluído, estava aberto em cima da cama, esquecido ficou na fotografia de grupo. Paciência, não se tivesse atrasado.
Tenho dois pontos prévios a referir antes de vos falar acerca destes meus livros de cabeceira: é que nem são “livros”, nem são “de cabeceira”.
Começando pela questão da cabeceira: acho que não leio na cama desde, pelo menos, o nascimento da minha primeira filha. Esse hábito teve o seu auge na adolescência, altura em, sempre que podia, ficava manhãs inteiras deitada a ler. Actualmente na minha mesa de cabeceira raramente há livros. Esta foto foi portanto "encenada".
Por outro lado, padecendo eu de um certo distúrbio obsessivo-compulsivo (não diagnosticado e, creio eu, de pouca monta) raramente leio mais que um livro em simultâneo.
No entanto, actualmente, por motivos profissionais, estou a ler esta obra de 1968, de Henri Lefebvre dedicada às questões da cidade e do urbano que só o ano passado foi publicada em Portugal. Já tinha lido excertos noutras circunstâncias mas nunca todo o texto que é um clássico para quem trabalha na área.
Nesta fotografia está também o pequeno livro que me tem acompanhado nos últimos dias. As suas folhas amareladas não recomendam sequer a sua permanência junto ao local onde se dorme. Comprei-o (numa daquelas vendas de livros nas estações de metro) por três razões. A primeira prende-se com a minha memória. O único livro que li deste autor (não sei qual, confesso), era eu adolescente, foi na mesma altura em que li "As Vinhas da Ira" do seu contemporâneo Steinbeck. Mal vi este "Um rapaz da georgia" apeteceu-me recordar aquela escrita e aquelas personagens tão marcadas pela dura vida no sul dos EUA, na primeira metade do séc. XX.
A segunda razão tem a ver com o objecto em si: um pequeno livro, uma edição de 1954, com muitas ilustrações de Birger Lundquist, que trabalhou sobretudo em jornais; desenhos de traços finos que acompanham as cenas facilitando muito a entrada nos ambientes descritos.
A terceira razão de que queria falar tem a ver com o facto de a tradução e o prefácio serem da autoria de Jorge de Sena.
Deixo-vos uns excertos desse prefácio: "... a ternura comovida e o riso poderoso das cenas ridículas, que são o estofo das suas páginas, deixam um travo amargo e um aumentado amor da liberdade, da justiça, da dignidade humana, noções cuja autenticidade as suas personagens mesquinhas e empobrecidas só caricaturalmente atingem... Neste caso de Georgia boy, publicado em 1943, o apelo toma a forma de uma voz de criança perdida na noite e implorando a toda a humanidade (de que o leitor rindo-se dele, da família dele e dos que o rodeiam, faz parte integrante) que o deixe ser livre e conscientemente um homem. Ainda quando não concordemos com a afinação da voz, ou ela nos não pareça portentosa, é uma voz humanizada.
E se não é para assim nos ouvirmos uns aos outros que por aqui andamos, não se percebe muito bem porque seremos tantos e teremos voz."
Nunca escrevi tanto como agora, e nunca escrevi tão pouco. O mesmo se aplica à leitura. Cada vez mais, chegar à cama é para dormir, e a pilha de livros até me envergonha, pelo tempo que demora a desaparecer. Sempre tive livros à minha volta, em fases diferentes da leitura, e muito diferentes entre si. Esta mesa de cabeceira reflecte bem isso: uma autobiografia de Bernard Ingham (Kill the Messenger...Again), com a importância da mensagem de um Governo, o Thinking, Fast and Slow do Daniel Kahneman, encontro procuro explicações para mim própria, o Férias de Agosto, de Cesare Pavese (tenho vergonha de dizer a página em que vou, há meses) e finalmente um policial nórdico, a roçar o terror, Lembro-me de Ti, da Yrsa Sigurdardóttir, a ver se consigo estar acordada mais uma meia horita.
Não gosto de muita confusão à volta dos meus livros: há um candeeiro, de luz abundante (chega-me a miopia que tenho), o meu Tivoli, a obrigatória embalagem de Aerius e um biberão vazio, de alguém que gosta de camas quentinhas nas primeiras horas da manhã. E assim me apercebo de como a minha vida cabe bem num post sobre livros de cabeceira.
Divido a mesa de cabeceira em três, como se de uma roda dos alimentos se tratasse.
Num canto um livro mais relacionado com política, e a sua ciência, uma das áreas que mais me prendem.
Actualmente, e por muito tempo, estou a ler Ideologia e Razão de Estado, de Jaime Nogueira Pinto, leitura obrigatória que tanta falta faz à maioria da nossa classe política.
Noutro canto dou lugar à fantasia, à vivência de outras histórias e mundos. Debruço-me então sobre Lídia Jorge e o seu Combateremos a Sombra, onde vou psicanalisando o psicanalista Osvaldo Campos.
Porém nem só de livros vive o espírito.
Tendo o mau hábito de ter televisão no quarto, os DVDs também marcam lugar.
The Stanley Kubrick Collection, já a ser percorrida pela segunda vez, é o embalar definitivo, e o aglutinador das pragas que rogo de manhã, percebendo que mais uma vez não dormi o que devia...
Há quem tenha nenhuma; eu tenho duas que também não o são.
No subúrbio lisboeta a última prateleira da estante que fica acima da cama contém livros de trabalho, algumas colectâneas de ficção, crónicas e poesia. Em termos historiográficos, o segundo volume da História da Vida Privada em Portugal, coordenado pelo Nuno G. Monteiro e dirigido por José Mattoso; é a época que mais desconheço, a Idade Moderna, aquela que mais subestimei durante e depois da licenciatura - agora, como dizem os primos brasileiros, vou correndo atrás do prejuízo. Um pouco mais abaixo está o volume do Luís Salgado de Matos sobre A Separação da Igreja e do Estado em Portugal, outro acerca da Questão Religiosa no Parlamento (1935-1974), da Paula Borges - República e Estado Novo, os tempos que mais me interessam.
Há depois uma rima de pequenos Essenciais da INCM mesmo abaixo daquela gambiarra ultrabarata e suficientemente eficaz do ikea, de Averróis a Adolfo Casais Monteiro; gosto muito da simplicidade nada desprendida da correcção científica que demonstram quase todos os opúsculos desta colecção. Constam ainda um Mazagran, de J. Rentes de Carvalho, e as Fábulas de Jean La Fontaine (uma das poucas obras que releio). Depois vêm os chamados novíssimos, Daniel Faria e Pedro Mexia: a Obra Completa de um, a Vida Oculta de outro.
Adormecer a ler é das melhores sensações do mundo. Aquela altura em que leio e releio a mesma linha, teimo com o sono e as pálpebras, já não vejo nada mas quero ver. Gosto muito, desde criança.
Sempre andei com livros atrás e em pilha, mesmo que os deixe a meio ou a preguiça ciclicamente me impeça de ler ao ritmo e na quantidade que idealizo em esboços imaginários de "daqui para a frente vou ser assim". Nunca sou.
Sempre tive pilhas ao lado da cama, ou em cima como é o caso por estes dias. Reduzi-a recentemente ou teria de lhe arranjar uma almofada também, já que partilhamos a mesma cama.
Explicando: há sempre um livro de mesinha de café para folhear pontualmente, no caso o dos Sopranos (alterno com uma fotobiografia de JFK e todas as crianças Kennedy em Martha's Vineyard numa altura em que as tragédias eram menos (sempre as houve na família, já sabemos).
Há sempre uma ou outra revista, a Time Out vê-se bem e não pesa. Fica a representar bem essa camada da minha cabeceira.
O "Por Entre As Guerras", de Mário de Carvalho é daqueles livros (tal como o de Leonardo Da Vinci) que já li mas gosto de reler de vez em quando, com a vantagem de cada capítulo ser um relato de um conflito diferente e poder saltitar por entre as guerras. Gosto muito deste testemunho bélico na primeira pessoa, muito respeito por este impressionante cv de quinze cenários de guerra para captar imagens.
Por último, mas no topo, sempre o livro que leio actualmente. No caso "Abraço" de José Luis Peixoto. Ainda no início, salientarei apenas que gosto sempre de ler um autor que domina a nossa língua, e José Luis Peixoto além disso é de uma sensibilidade extraordinária nos seus livros.
Talvez o artefacto mais curioso da minha ínfima mesa de cabeceira não seja algum livro, mas sim o relógio - um banalíssimo despertador digital, de dígitos encarnados, quase tão antigo como eu. É certo: na nossa época, e felizmente, vinte e oito anos não combinam muito bem com o adjectivo "antigo" no que às pessoas diz respeito; já o mesmo não se poderá dizer sobre aparelhos electrónicos. E nota-se. Está gasto, o aparelho: os botões funcionam mal há anos, o indicador de que o despertador está ligado já nem aparece no mostrador. Mas continua a funcionar, enfim, como um relógio (bem sei, o trocadilho é fácil, e pior, óbvio); e se o indicador falha, já o despertador continua a soar estridente como sempre. Terá sido uma das minhas tias-avós a residir no estrangeiro que deu o relógio lá para casa - e, sem outro lugar para ocupar, acabou por se instalar no meu quarto, e por vir para Lisboa comigo há uma década. Após tantos anos, já se tornou um hábito ver aqueles dígitos rubros antes de adormecer, ou ao acordar.
Mas adiante, que o tema do artigo não é relojoaria, mas sim livros. Sempre tive o hábito, mais ou menos regular, de ler na cama. Nem que seja um único capitulo de um livro, ou apenas duas páginas de uma banda desenhada; regra geral, porém, acaba por ser bem mais do que isso, e não é incomum distrair-me na leitura até começar a ver claridade pelas portadas da janela. Por isso, há sempre livros na minha mesa de cabeceira. Serenity: Those Left Behind é uma banda desenhada do universo ficcional criado por Joss Whedon para a extraordinária e malograda série televisiva Firefly; encontrei-a há uns anos numa loja de banda desenhada de Lisboa e não resisti: as aventuras da tripulação da nave "Serenity" são demasiado boas para deixar passar, venham em que formato vierem. Logo de seguida, um pequeno livrinho de poesia, um dos poucos da minha biblioteca. Não sou leitor habitual de poesia, admito, mas regresso sempre a Edgar Allan Poe; e esta Complete Poetry há muito que deixou de apanhar pó na estante para conquistar lugar cativo na mesa de cabeceira. Segue-se ficção científica, como não podia deixar de ser: World of Exile and Illusion, colectânea dos três primeiros romances publicados por Ursula K. Le Guin entre 1966 e 1967 (Rocannon's World, Planet of Exile e City of Illusions). Será uma das minhas próximas leituras. E, no topo, o livro que me tem ocupado nos últimos dias: River of Gods, do britânico Ian McDonald, uma história fascinante e multifacetada de ficção científica passada na Índia. Dele já li Brasyl, uma excelente história tripartida num Brasil passado, presente e futuro (que aproveito para recomendar) e, mais recentemente, Desolation Road, o seu romance de estreia ainda nos anos 80, uma história ousada que transporta um realismo mágico sul-americano e uma certa nostalgia bradburyana (passe o neologismo) para um Marte futurista. Ian McDonald irá estar em Portugal em breve, como convidado especial do Fórum Fantástico; nada como actualizar as leituras antes de ter a oportunidade de estar à conversa com o autor.
“At the end of a school day you leave with a head filled with adolescent noises, their worries, their dreams. They follow you to dinner, to the movies, to the bathroom, to the bed.”
Frank McCourt, Teacher Man.
O malogrado Frank McCourt da minha querida Ilha Esmeralda não poderia ter descrito melhor este mester de se ser professor. No fim do dia são os momentos falhados, as frustrações de se saber que talvez se pudesse ter feito melhor, as expressões do olhar. Ontem trouxe uma dessas para casa, agarrada a mim, os olhos aflitos da rejeição, as lágrimas quase a saltar. E estarão comigo. Seguem-me. Perseguem-me. E depois há os momentos bons, plenos, conseguidos e que dão sentido à profissão, um sorriso, um caminho bem trilhado, uma aula bem-sucedida e o sorriso que fica quando abandono a escola, atravesso a estrada e julgo que assim a deixei lá, os deixei lá, enganando-me a mim própria.
A minha mesa-de-cabeceira é ecléctica. Nunca tem apenas um livro e reflecte sempre o que sou: professora, mulher, leitora curiosa que paira por vários sítios, escolhe um poiso temporário e parte para outras paragens. Tenho entre mãos os manuais de Alemão, um livro de sugestões didácticas e, por fim, um empréstimo de uma colega, A Purga , sobre a história de duas mulheres que se cruzam na Estónia depois da queda do Muro de Berlim, um dos meus momentos preferidos da História. Para a semana mudarão. Manter-se-á A Purga, vou sensivelmente a meio, e outros substituirão os manuais. Sou muitas e nunca sou a mesma.
Três paixões: clássicos russos, biografias e história alternativa. Dostoievski é provavelmente o maior escritor de todos os tempos. "Os Irmãos Karamazov" e "Crime e Castigo" são livros que releio com frequência. Nunca encontrei melhor descrição do abismo que habita a natureza humana. Lutero é uma figura decisiva da história europeia, mas do qual na verdade pouco se sabe. Esta biografia descreve-o como um fanático com pretensões políticas e sugere que, sem figuras alternativas (como Calvino), o protestantismo não teria certamente resgatado a Europa do seu sono dogmático. Harry Turtledove é um mestre da ficção científica e este livro não escapa à regra: e se o Sul tivesse acesso a milhares de Ak-47 e derrotasse o Norte em 1864? Decorrendo em torno da notável figura de Robert E. Lee (de longe o maior general da Guerra Civil, um grande cavalheiro que se juntou ao Sul por amor à sua Virgínia natal), imagina uma América dividida e a continuação do grande debate sobre a escravatura no Novo Mundo.
Nada disto tem qualquer relação entre si? Há 32 anos - quase 33 - que vivo imerso em contradições e não vejo jeito nenhum de a coisa melhorar.
Não tenho mesa de cabeceira, o que estraga um pouco o sentido da ideia, mas gosto de ler na cama. Na fotografia acima falta o telemóvel (foi usado para a fotografia) onde costumo também fazer algumas leituras (jornais e alguns e-books), mas está o essencial do monte ao lado da cama. Está também o candeeiro e a ficha onde o candeeiro e o carregador do telemóvel vão buscar a energia. Vamos aos livros:
Está obviamente o livro de que falei há pouco tempo e que vou lendo, bem como Europe's Tragedy, de Peter H. Wilson, que também referi. Tenho também A Máquina de Fazer Espanhóis, de Valter Hugo Mãe, que decidi contrariar usando maiúsculas. Por acaso tenho lá um livro para o trabalho: Porous Ceramic and Metallic Microreactors, de Halil Can Aran. Trata-se da tese de doutoramento de um antigo colega e que estou a ler para ir refrescando conhecimentos de outras áreas. Espaço ainda para o futebol com The Blizzard, uma fanzine (que recomendo a qualquer pessoa que pense que Luís Freitas Lobo sabe escrever bem) com contribuições de alguns dos melhores escritores sobre futebol em língua inglesa (e não só) e cujas versões em e-book podem ser obtidas aqui com a contribuição que se entender. Confesso que nunca paguei menos de 5 libras. Tenho por fim a edição de Julho da National Geographic com um artigo dedicado à formação do sistema solar. A NG tem-se tornado um pouco sensacionalista nos últimos anos (especialmente o canal de televisão) mas ainda vai valendo a pena.
Sei ler mas não sei fotografar. Nem de máquina sou possuidora, daí que fui pedir emprestada. Para quê? Não sabes tirar fotografias. Lá expliquei da mesa-de-cabeceira e do blogue. Só te dás com gente estranha. Eu sei mas e a máquina, posso levá-la? Que sim e aqui está o resultado. Esclareço primeiro: eu que leio em todo o lado, o local onde menos leio é na cama. Deito-me madrugada alta e é mesmo para dormir, que já sei como me acordam as olheiras. O mais habitual é ler no canto do sofá e esse é infotografável pela desordem bibliófila que o ocupa. Mas tenho dias, melhor, tenho noites em que digo de mim para mim, majestática como convém nos solilóquios que se prezam: vou retirar-me. Agarro então num outro livro, que não o que esteja a ler, por uma qualquer razão que me salte ao caminho no momento. E esses volumes ocasionais empilham-se por lá, nas mesas, no chão, não era para fotografar o chão, pois não? Faço-lhes uma leitura entrecortada de algumas páginas benevolentes, demoro-os temporadas inteiras, esqueço-os, retorno-lhes. Começando a legenda: atrás, junto à parede e com um marcador timorense, está D. João III de Ana Isabel Buescu. O reinado de D. João III, sobretudo os últimos anos, de 55 a 57, ocupa muito espaço nas minhas leituras. Por cima, está Contemplação carinhosa da angústia, uma compilação de ensaios da Agustina, prefaciados por Pedro Mexia. É-se da Agustina como de uma religião, no chão estão outros, lidos e relidos. Em primeiro plano à direita está, por baixo, a Rayuela do Cortázar, que é como quem diz a tradução de Alberto Simões para a Cavalo de Ferro, O jogo do mundo. Nunca tinha lido Cortázar traduzido, fi-lo este Verão. Por cima, está um livro fininho, Amadeo de Mário Cláudio. Sobre Amadeo de Souza-Cardoso, uma beleza de texto. No topo, Rolando Teixo, o primeiro romance de Pedro Bidarra, que recomendo. À esquerda, por baixo há um caderno, também há uma caneta mas não se vê, vão ter de acreditar em mim que não sei tirar fotografias. Por cima do caderno, L’ imparfait du Présent – Pièces bréves, ensaios de Alain Finkielkraut para a colecção branca da Gallimard. A haste metálica que sai de dentro dos Tales of Mistery and Imagination pertence a uns óculos que estão praticamente partidos mas que ainda servem para ler. Levei o Poe para a mesa-de-cabeceira na semana passada mas já não sei precisar porquê. Ao lado há uma base onde pouso a chávena de chá que levo para comigo nas noites em que me retiro e, por detrás, há uma garrafa com água. Podia continuar na outra mesa-de-cabeceira mas achei que exagerava se a fotografasse também. Sou comedida, não quero exagerar.
Corto [Maltese]: “... tem de ser na primeira sexta-feira da lua. Compras uma fita azul de comprimento médio em nome da rapariga que amas... Dás um nó dizendo versículo 5 da surata 30, dita Dos Venezianos ou, se preferires, Dos Bizantinos... Mas não o apertes antes de recitares todo o versículo... Depois, amarras a fita no teu braço esquerdo, e, com esse braço, acaricias a rapariga que amas e... tudo correrá bem.” Cush [da tribo dos Beni Amer]: “E se ela não quiser que eu a acaricie?” Corto: “Então, arranja outra...” (O golpe de misericórdia, in As Etiópicas). Precisava de Corto Maltese depois de terminar "Meio Sol Amarelo" (Chimamanda Adichie) e antes de pegar na piada infinita de David Foster. Não levem a mal: Corto é culto. Voltamos sempre a ele.
Eis a minha mesa de cabeceira. O livro que estou a ler é "A Questão Finkler" de Howard Jacobson. No que respeita a livros de ficção, os próximos a ler já estão à espreita: "A Conspiração Contra a América" de Philip Roth e "Belos e Malditos" de F. Scott Fitzgerald. A par da ficção, gosto de ler livros práticos de Gestão, como o que me inspira de momento: "As Lições de Gestão dos Clássicos" de Thomas J. Figueira, Rachel Hall Sternberg e T. Corey Brennam. Há sempre entre as minhas leituras uma mais espiritual, que vou lendo quando preciso de me conectar com a alma: "Real Magic" de Dr. Wayne W. Dyer. Por fim, um livro do mestrado que me tem roubado a maior parte do tempo que gostaria de dedicar às outras leituras: "O Prisioneiro, o Amante e as Sereias" de Paulo Trigo Pereira. Nos cestos que suportam os livros tenho vários filmes deliciosos, que são o segundo grande hobby a que me dedico.
Na mesa de cabeceira (em duas pilhas), entre os que vou lendo e relendo e os que esperam a vez de serem lidos: O Conto da Ilha Desconhecida, José Saramago; Cem Poemas de Sophia, Sophia de Mello Breyner Andresen; Servidões, Herberto Helder; Dois em Um, Alice Ruiz S; Diário, Virginia Woolf; El Manuscrito Carmesí, Antonio Gala; Pedro, Lembrando Inês, Nuno Júdice; Poemas para Leonor, Maria Teresa Horta; Tradutor de Chuvas, Mia Couto; Raiz de Orvalho e Outros Poemas, Mia Couto; A Gaiola dos Periquitos, Luísa Venturini.
Na cadeira, alguns dos que ganharam estatuto de residentes: O livro do Desassossego, Fernando Pessoa; Poesia Completa, Manoel de Barros (obrigada pelo magnífico presente, querida Laura!); A Salvação de Wang-Fô e Outros Contos Orientais, Marguerite Yourcenar; Obra Poética, Jorge Luis Borges. E ainda A Obra ao Negro, também de Yourcenar, que comecei agora a ler.
"Livros de cabeceira" tenho vários, mas raramente os levo para a cama. São obras fetiche, algumas primas, outras nem por isso, a que volto para sentir de novo as vibrações da primeira leitura, ou recordar certas passagens à procura de estímulo criativo ou intelectual. Tenho entre esses títulos poesia, muitos livros de contos, ideais para debicar, Lobo Antunes, o camaleónico Livro do Desassossego, que nunca proporciona duas leituras iguais, paixões antigas como Eça, Scott Fitzgerald, Jorge Amado, Camus e Greene. Menos antigas como John Updike, Saul Bellow, Duras, Yourcenar e Vargas Llosa, recentes, como Roberto Bolaño, Philip Roth e Don Delillo.
Como raramente leio mais do que um livro ao mesmo tempo, na mesa de cabeceira tenho neste momento Na América, de Susan Sontag, de que deixo aqui algumas citações:
"Não te parece mesmo americano que a América tenha a sua América, um destino ideal para onde todos sonham ir?",
"O americano é alguém que a todo o momento deixa tudo atrás de si",
"Talvez seja essa a definição de optimista: alguém que nega o poder do passado (...) A debilidade de qualquer ligação ao passado é talvez a característica que mais nos impressiona nos americanos. Fá-los parecer superficiais, ocos, mas confere-lhes uma grande força e autoconfiança. Não se sentem diminuídos por nada".
Trata-se de um romance (galardoado em 2000 com o National Book Award) mas é quando a ensaísta se insinua na ficção que Na América ganha mais fôlego.
Com todas as vantagens que lhe saliento, uma mesa-de-cabeceira virtual tem inegavelmente muito menos que se lhe diga do que uma mesa física. Quase tenho vergonha de a colocar aqui. Mas, enfim, são os trade-offs, a que qualquer um com formação em Economia está habituado. Destes quatro volumes, o Asterix é um dos três ou quatro da série que re-re-reli recentemente. Sempre agradável, embora continue a preferir Tintin. O Great Gatsby e Dreams of Joy foram deixados a meio, nem sei bem por quê, mas serão certamente recuperados, até porque qualquer um dos dois vale a pena. O primeiro por motivos óbvios, o segundo por ser irresistível para quem andou pelo Oriente. La cultura - Todo lo que hay que saber, de Dietrich Schwanitz, polémico professor universitário alemão, é o livro que agora estou a ler. Tem, aliás, uma história engraçada nas minhas mãos, visto que o tentei ler pela primeira vez quando tinha 15 anos, com muita boa vontade mas pouco sucesso. Estamos agora a ajustar contas e, para já, recomendo.