Fábulas com gente dentro
Há dias tinha-vos referido que iria aqui trazer mais dois livros recentes que me chegaram às mãos. Hoje falar-vos-ei do segundo.
É de novo sobre os meandros do poder político numa França que ontem teve a primeira volta da suas inesperadas eleições legislativas, convocadas em consequência do terramoto político das eleições europeias de há um mês.
Ainda ninguém sabe o que se irá passar, que ilações irá o Presidente retirar dos resultados de ontem, e daqueles que forem conhecidos dentro de mais alguns dias em função das segundas-voltas. Nem o que daqui para a frente se irá passar naquela "monarquia republicana", tendo em vista as próximas eleições presidenciais, o crescimento da extrema-direita lepenista e os números já conhecidos, de onde ressalta a notável taxa de afluência às urnas, superior a 66 %, e que desde 1997 não atingia valores tão elevados, no que não poderá deixar de ser lido como um sinal da preocupação e do interesse com que os franceses olham para o futuro.
Trata-se de um ensaio, ou novela ensaística, como admite o autor, de 1959 até 2023, sobre o relacionamento entre presidentes da República e primeiros-ministros em França. Uma espécie da história da coabitação dos casais executivos desde o nascimento da V República. Da relação entre De Gaulle e Michel Debré ao convívio entre Macron e Élisabeth Borne.
O autor, Patrice Duhamel, inspirou-se em Jean de La Fontaine e numa das suas fábulas, em razão de um diálogo entre Macron e Fabrice Lucchini por ocasião do quarto centenário do autor das histórias, para passá-las em revista e escolher uma fábula correspondente à relação pessoal e política entre os membros de cada um desses casais.
Oito presidentes, vinte e quatro primeiros-ministros que o autor conheceu e com quem conviveu nas mais diversas circunstâncias, em momentos mais oficiais, outros mais privados, e nos quais encontrou motivos para recordar as suas memórias e relatar episódios dignos de significado e dimensão política. De desencontros, inimizades, desconfianças, desilusões; de relações que se anteviam à partida cordiais e sem levantar grandes ondas, entretanto degeneradas em conflitos pessoais, mas igualmente de comédias, de relações de agilidade, de doçura, por vezes mesmo de amizade e empatia, e de laços sólidos e complementares, que a vida, e a política em particular, não se faz só de dramas.
No total são catorze capítulos numa escrita clara, elegante, pontuada pelo humor, recheada de episódios insólitos vividos por alguém que foi jornalista especializado em assuntos políticos, editor-chefe, director geral da Radio France e depois da France Télevisions, e que sozinho ou em co-autoria escreveu algumas das mais curiosas páginas sobre o que se passa no Eliseu e na vida política do seu país.
O livro de Duhamel, "Le Chat et Le Renard - Presidents er Premier ministres: deux ou trois choses que je sais d'eux..." foi editado pelas Éditions de l'Observatoire, tem cerca de 300 páginas e esta segunda edição datada de Fevereiro de 2024 custou-me 23 euros, numa livraria do Centro Comercial do Quartier des Jacobins, em Le Mans.