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Delito de Opinião

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Ana Margarida Craveiro, 20.05.12

Pouco tenho lido de jornais e afins. O meu Google Reader também costuma ser brindado com um "mark all as read", que um dia dos meus parece que tem uma hora para fazer tudo e ainda uns trocos. Uma coisa é certa: pedidos de desculpa implicam uma assunção de culpas. E, a ser verdade o que estava na última página do Expresso, parece-me claramente insuficiente. Explosões todos temos, mas há quem não as possa ter, em virtude do cargo que ocupa. Tão simples quanto isto.

Perfeito.

Luís M. Jorge, 20.05.12
Foi uma boa semana para a república. Miguel Relvas ameaçou revelar detalhes da vida pessoal de uma jornalista, que obteve talvez por "press clipping", e as reacções iradas dos defensores da liberdade não se fizeram esperar.

Mário Crespo inaugurou outra campanha temerária contra a "asfixia democrática". Alguns blogues da direita, liderando pelo exemplo, organizaram manifestações à porta da Assembleia a que compareceram dezenas de cidadãos indignados. Rodrigo Moita de Deus vestiu-se de palhaço e fez marketing de guerrilha na Sant'Ana à Lapa.

Deputados do PSD distanciaram-se dos ataques à liberdade de imprensa, "por não admitirem no partido o opróbrio que manchou o Governo de José Sócrates". Pedro Passos Coelho, compungido, afirmou que em matéria de valores fundamentais "não há esquerda nem direita, e que a todos se exige o mesmo respeito pela democracia". José Relvas acusou o toque e demitiu-se esta manhã. Ao "Público", a quem pediu desculpa, confessou que fará umas "curtas férias, para visitar amigos em Angola e no Brasil".

A nossa opinião pública, e os seus líderes, estão mais uma vez de parabéns.

Dois pesos, duas medidas

Pedro Correia, 30.12.11

 

Concebo que um jornal tenha uma agenda política. Concebo que um jornal transforme as palavras em arma de arremesso ideológica. Concebo até que um jornal abdique esporadicamente do rigor da escrita em função de simpatias declaradas ou aversões indisfarçáveis. Mas entendo muito mal que o faça de forma tão ostensiva que possa levar alguns leitores a confundir esse preconceito com pura incompetência. Confesso: foi nesta hipótese que cheguei a pensar ao ler hoje as páginas 28 e 30 do Público, ambas pertencentes à secção Mundo, ambas redigidas sob critérios jornalísticos antagónicos.

Título da página 26: «Kim Jong-un, o 'Grande Sucessor', já é o líder supremo da Coreia do Norte». Destaque de entrada da peça: «No último dia de luto nacional por Kim Jong-il, o 'número dois' da hierarquia veio discursar perante milhares de pessoas para dizer que o país vai 'transformar o pesar em força'». Reparem nos vocábulos utilizados, todos com conotação positiva ou neutra: «líder»; «supremo»; «grande», «hierarquia»; «sucessor». A notícia refere-se à Coreia do Norte, a mais feroz tirania do planeta, onde segundo informações veiculadas por organismos internacionais credíveis pelo menos um quinto da população passa fome e cerca de 200 mil pessoas estão internadas em "campos de reeducação", privadas dos direitos fundamentais. A liberdade de expressão é inexistente neste país submetido desde a década de 40 ao totalitarismo comunista. De liberdade de imprensa nem vale a pena falar.

Ditadura? Claro que sim. Mas o termo é cuidadosamente evitado nesta página. Fica reservado para outra notícia, a que surge duas páginas adiante: «Mais 15 anos de prisão para o último ditador argentino». É uma peça curta, de apenas quatro parágrafos. Mas onde surgem três vezes as palavras «ditadura» ou «ditador». Nem faltam nela referências concretas a «crimes contra a humanidade», «tortura», «detenções» e «assassinatos» cometidos entre 1976 e 1983 na Argentina. Palavras que, por assinalável contraste, estão omitidas nos 12 parágrafos sobre a Coreia do Norte. Dois pesos, duas medidas: quem leia o longo texto sobre o "Grande Sucessor" fica apenas a saber que a Coreia do Norte "atravessa uma grave crise alimentar", eufemismo para evitar a palavra fome.

Um ditador devia ser sempre apelidado de ditador. Mas se for um ditador de esquerda é legítimo que receba um indulto jornalístico? Deixo a pergunta à consideração de quem quiser pronunciar-se. A resposta, para mim, é óbvia.

A liberdade de imprensa, o Expresso e Fernando Nobre

Rui Rocha, 16.01.11

Tal como certos heróis de banda desenhada, o jornalismo português gosta de se apresentar com uma capa e uma espada. A capa faz-se de imparcialidade e de neutralidade. A espada é a da verdade. Ora, isto não passa de uma encenação e de um embuste. Creio não dar novidade a ninguém, muito menos aos jornalistas, quando afirmo que não existe uma informação neutra. A comunicação faz-se menos pelo valor literal da mensagem do que pela intencionalidade do emissor, pelas variáveis do contexto e pela predisposição do receptor. Não há aspirante a jornalista que não aprenda isto nos bancos da Universidade e que não o constate no primeiro dia de trabalho numa redacção. Por isso, a afirmação recorrente da imparcialidade e da neutralidade não corresponde a um estádio de maturidade do jornalismo, antes revela as suas fragilidades, limitações, impreparações e  dependências. O jornalismo português não é suave. É menos que isso. É um jornalismo que não saiu do armário. Que não se assume. Em Portugal, a liberdade de imprensa parece ser entendida como um direito que existe na medida em que possa oferecer em troca uma aparência de imparcialidade. Ora, isso não é uma liberdade. É um negócio em que os parâmetros limitam à partida o direito de expressão. A liberdade de imprensa é bem outra coisa. Consiste na possibilidade de se tomar posição sobre um tema ainda que esta parta de uma visão do mundo assumida, de um contexto ideológico de base. Todavia, a liberdade de imprensa assim entendia implica uma responsabilidade. A de que esse pré-conceito seja explícito. Que os destinatários da informação possam saber qual o pressuposto de partida em que esta foi produzida. Este ponto leva-nos a uma velha questão. A de saber se a imprensa deve declarar qual a proposta política que apoia num período eleitoral. Como se intui do que já vai dito, inclino-me para uma resposta afirmativa. Mais ainda num mundo em que existe uma óbvia ansiedade pela informação, como refere Wurman. E em que, como afirma Shirky, passámos da escassez de informação para um mundo dominado pela sua abundância. Perante a finitude dos recursos para tratar informação, são necessários referenciais que nos permitam catalogá-la e processá-la. Parece-me ser responsabilidade de quem coloca informação ao dispor da comunidade partilhar com transparência os referenciais em que se coloca. Creio que a democracia também é isto. Todas estas considerações se compreenderão melhor a partir de um caso concreto. Tomo para exemplo a reclamação de Fernando Nobre relativamente ao (não) tratamento que lhe foi dado pelo Expresso. Nobre reclama que na última edição o Jornal não lhe fez qualquer referência. Numa primeira análise, espanta que o mesmo jornal que coloca na edição online a referência ao assalto da casa de Manuel Alegre, não tenha um centímetro quadrado da edição em papel dedicado à campanha de Nobre. Todavia, o que me parece verdadeiramente criticável é que o Expresso não clarifique perante os seus leitores uma opção editorial que parece agora evidente. Ainda posso perceber que se discuta se um meio de comunicação deve ou não apoiar um candidato. O que é incompreensível é que quando apoia, ou na situação inversa, quando o considera irrelevante, não o diga... expressamente. É, antes de mais uma questão de maturidade democrática e de respeito pela liberdade de imprensa e pelos leitores.

Violar e não violar

Pedro Correia, 19.07.10

Sofia Loureiro dos Santos (SLS) anda preocupada com a divulgação pública de e-mails privados, protestando contra a "falta de respeito pelas comunicações electrónicas". É curioso: não vi tanta preocupação nela quando um dos seus colegas no blogue Simplex, em Setembro do ano passado, reproduziu aquilo que é, aos olhos de toda a gente, um e-mail privado. Por mim, não tenho dúvidas: o DN cumpriu o seu dever jornalístico ao divulgá-lo anteriormente, assim como o Correio da Manhã procedeu de forma acertada, meses depois, ao transcrever e-mails privados noutra notícia de relevante interesse público. Fica mal é protestar quando isso perturba o Governo enquanto se tolera quando é o Presidente da República a ser afectado.

Desabafa agora SLS contra a "vergonhosa actuação" de um certo bloguista, omitindo que ainda há poucos meses ela própria acamaradava com a pessoa em causa no blogue que já mencionei e nunca deixou transparecer preocupação sobre as características da referida personagem, já então públicas e notórias. Estranho sinceramente esta duplicidade de critérios, até porque em nenhum outro lado como no referido blogue foi o referido autor de posts tão "acarinhado, protegido e usado" (palavras dela).

Por outro lado, SLS insurge-se contra o semanário Sol por não tornar públicas as gravações de uma conversa registada entre o editor do desporto do jornal e o seleccionador nacional de futebol, chamando-lhe por isso "supostas gravações". E vai mesmo - substituindo-se à ERC e aos tribunais - ao ponto de considerar isso um "atentado ao direito, à dignidade individual e à mais elementar ética jornalística". Um parágrafo antes de protestar contra violações do "mais elementar direito à privacidade".

Em que ficamos? Por mim, considero que seria um atentado ao direito à privacidade e à ética jornalística se um profissional da informação reproduzisse em linha a gravação de um diálogo mantido com a fonte. Lamento desiludi-la, já que me interpela directamente, mas essa é uma norma imperativa da deontologia jornalística. Mesmo quando a fonte opta por reagir com um inaceitável chorrilho de insultos à notícia produzida com base nessa conversa, como foi o caso. (A talhe de foice: a notícia que tanto a preocupa já foi, aliás como era de prever, confirmada pela direcção do jornal na edição de sexta-feira.) Caso diferente, naturalmente, é quando essas declarações resultam de uma entrevista formal e não da relação de confiança do jornalista com a sua fonte. Como sucedeu com a ministra do Trabalho, Helena André, que acaba de criar uma nova trapalhada no Governo ao procurar desmentir o que dissera categoricamente numa entrevista ao DN, invadindo uma área da competência exclusiva do ministro das Finanças.

As trapalhadas governativas continuam a deixar-me perplexo. E as indignações selectivas também.

Escutas boas e escutas más

Pedro Correia, 14.05.10

"Se há coisa que me bule com o sistema é a impunidade com que os senhores jornalistas do mundo inteiro publicitam, sem o mínimo de decência, conversas que são apanhadas quando alguém está a falar não fazendo a menor ideia que está a ser gravado", escreveu Shyznogud na Jugular, acrescentando, num crescendo de indignação: "É espantoso que estas merdas sejam postas a circular sem haver aquilo que se justificava, ou seja reacções indignadas que talvez pudessem servir para fazer lembrar aos jornalistas que eles não podem tudo." Isto a propósito do incidente de campanha que surgiu como prenúncio da pesada derrota do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown. Apreciei este desassombro crítico, aliás na linha do que já havia sido escrito aqui, aqui e aqui. Mas apreciaria ainda mais se a Shyznogud estendesse a sua indignação a esta notícia, com base nesta, que mereceu o entusiasmado destaque de uma sua colega de blogue.

Há argumentos de consequência, adaptados a situações à la carte, e os argumentos de essência, aplicáveis a qualquer situação. Estes últimos, salvo melhor opinião, valem bastante mais.

Cautela com as "providências"

Pedro Correia, 13.02.10

 

Imagine-se que o presidente do clube de futebol X, sabendo antecipadamente que o jornal W iria publicar, dias depois, uma notícia que o ligaria a determinado esquema de corrupção na arbitragem, solicitava uma providência cautelar contra esse periódico, diligentemente despachada por um juiz. A notícia não viria a público.

Imagine-se que o autarca Y, sabendo de antemão que o semanário K publicaria na edição seguinte uma peça que o ligaria a uma determinada empresa de construção à qual teria prestado favores no exercício das suas funções, solicitava uma providência cautelar contra o referido jornal, prontamente despachada por um juiz. A notícia não seria publicada.

Imagine-se que o banqueiro A, sabendo que uma revista especializada em jornalismo de investigação traria a lume uma cacha que o relacionaria com a eventual gestão danosa e dolosa da instituição a que presidia, solicitava uma providência cautelar contra essa publicação, expeditamente despachada por um juiz. A notícia morreria à nascença.

E como a lei é supostamente igual para todos, imagine-se que a moda pegava e dez milhões de Chicos dos Anzóis e Chicas das Couves demandavam os tribunais para obterem providências cautelares que impedissem todas as publicações de imprimir os respectivos nomes.

Imagine-se um país onde as "providências cautelares", substituindo-se ao defunto "exame prévio", determinassem o que seria ou não publicado na imprensa. E digam-me se gostariam de viver num país assim.

Obviamente

Pedro Correia, 12.02.10

Responsáveis dos órgãos de informação pronunciam-se deste modo sobre a providência cautelar ao semanário Sol:

 

"É uma tentativa inaceitável de intimidação de um órgão de comunicação social. É um absurdo alguém tentar proibir a publicação da sequência de um trabalho jornalístico que foi conhecido na semana passada e que não foi desmentido desde então."

Bárbara Reis, directora do Público

 

"Vejo isto com muita preocupação pelo que pode significar em termos de restrições à liberdade de imprensa. (...) A providência cautelar é uma restrição à liberdade de imprensa, muito preocupante, sobretudo tendo em pano de fundo estas matérias de inegável interesse público."

Pedro Camacho, director da Visão

 

"Olho com muita apreensão, com receio pela interpretação extensiva de uma providência cautelar. E, para mais, por ser sobre factos que não parecem ser da vida íntima ou privada, configura uma situação de censura prévia."

Henrique Monteiro, director do Expresso

 

"Tenho de olhar para o caso como uma forma de tentar impedir que os portugueses tenham direito a ter a sua própria apreciação sobre a matéria em causa. Que, para mim, exige uma rápida comissão de inquérito parlamentar. Ao ponto a que isto chegou, temos de saber rapidamente se havia ou não um plano para controlar os média."

João Marcelino, director do Diário de Notícias

 

"Se a providência cautelar abrangesse questões privadas, íntimas, não haveria problema, mas esta não, esta coarcta a liberdade de expressão em matéria de inegável interesse público. É um acto condenável, que coarcta a liberdade de expressão - um direito dos jornalistas e do cidadão, com um valor inquestionável."

Alcides Vieira, director de Informação da SIC

 

"É uma provocação, que acabará por ter o fim oposto ao que deseja: vai amplificar as escutas. O Sol encontrará forma de, pela insurreição ou pela habilidade formal, publicar o seu conteúdo. E se esse conteúdo, que desconheço, servir um interesse público superior, o Sol faz bem."

Pedro Santos Guerreiro, director do Jornal de Negócios

 

"Pela primeira vez no actual quadro constitucional, um poder executivo está a conseguir amarrar as competências dos poderes legislativo e judicial."

Octávio Ribeiro, director do Correio da Manhã

 

"Este é mais um tiro no pé da justiça."

Paulo Baldaia, direrctor da TSF

 

Depoimentos divulgados hoje pelo Diário de Notícias e pelo Jornal de Negócios

Double standard

Pedro Correia, 12.02.10

Em Setembro, Joaquim Vieira era elogiado por ter denunciado com desassombro, enquanto Provedor do Leitor do Público, que a "claustrofobia democrática era uma realidade na redacção" daquele jornal. Quando estava em causa Cavaco Silva.

Em Fevereiro, Joaquim Vieira já é duramente criticado ("disparate", se li bem) e apontado a dedo por defender, com o mesmo desassombro, a "desobediência civil" dos jornalistas quando se trata de um assunto de relevante interesse público, que impõe o dever deontológico de imprimir a notícia. Agora está em causa José Sócrates.

Joaquim Vieira passa de herói a vilão, em menos de cinco meses, com o atestado de uma das vozes mais lúcidas entre as que se habituaram a defender o Governo na blogosfera. Nada que espante muito. O próprio Sócrates, em Novembro de 2004, proclamou na Assembleia da República que o então primeiro-ministro Santana Lopes devia explicações ao País a propósito da saída de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI. "O primeiro-ministro deve uma explicação ao País e um pedido de desculpas ao País. Este episódio é indigno de um Governo democrático. É uma nódoa que o vai perseguir , declarou à época o secretário-geral dos socialistas. Que deve hoje muitas palavras de explicação ao País.

Alguém aí falou em double standard? Pois. É mesmo isso.

Sem precedentes

Pedro Correia, 11.02.10

"O que se está a passar não tem precedentes que caibam na minha memória. Não me lembro de situações deste género. Quero dirigir uma palavra de solidariedade aos meus colegas do 'Sol': é preciso ter coragem e capacidade de resistência nestas situações. (...) Pode haver um condicionamento muito grave da liberdade de imprensa em Portugal. E já começamos a suspeitar do aparelho judicial. Não é de de estranhar, nesta tentativa de silenciar uma matéria de óbvio interesse público, que o juiz do Tribunal Cível tenha despachado com uma rapidez tão grande quando a justiça em Portugal leva normalmente eternidades para resolver qualquer coisa?"

Vicente Jorge Silva, esta noite, na SIC Notícias

As coisas são o que são

Pedro Correia, 08.02.10

O PSD, que gosta muito de espadeirar contra a “asfixia democrática”, serve-se agora de Mário Crespo – um jornalista que já foi muito criticado pelos sociais-democratas quando transformava o seu espaço informativo na SIC Notícias numa parada de ministros – para bradar contra a liberdade de informação em perigo.

Lamento, mas o PSD não tem autoridade moral para fazer deste caso uma bandeira. Pelo simples motivo de que fechou sempre os olhos e os ouvidos a todos os atropelos à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa na Região Autónoma da Madeira nos últimos 32 anos, correspondentes ao longo mandato de Alberto João Jardim.
Querem uma parcela do território nacional onde existe “asfixia democrática”? É na Madeira, onde muitos mários crespos têm sido calados. Sem que isso perturbasse o sono dos correligionários de Jardim no continente. As coisas são o que são.

Políticos a mandar nos jornalistas

Pedro Correia, 18.12.09

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, certamente por falta de assunto na sua área de competência, decidiu perorar sobre as questões disciplinares dos jornalistas. Está no seu direito: eu próprio me sinto tentado por vezes a discorrer sobre as questões disciplinares dos juízes e só não o faço, felizmente, por algum elementar bom senso que me vai restando.

Mas o conselheiro Noronha do Nascimento não se limitou a enunciar umas teses vagas sobre o assunto: bem ao seu estilo, sempre que encontra um microfone à frente, decidiu dar largas aos seus notórios dotes comunicacionais comparando desfavoravelmente a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, "composta basicamente por profissionais do sector", apesar de ser presidida por um magistrado, com o diligente Conselho Superior da Magistratura, em que apenas metade dos membros são juízes. Na sua perspectiva, há que tutelar os profissionais da informação com um "órgão com poderes disciplinares efectivos, composto paritariamente por representantes das próprias classes profissionais e da estrutura política do Estado, de modo a obviar à sua partidarização ou ao seu corporativismo".

Espantosas palavras da quarta figura da hierarquia nacional: de uma penada, o exercício da actividade jornalística passaria a submeter-se ao escrutínio de representantes "da estrutura política do Estado" - isto é, do Governo e da Assembleia da República, que teriam poderes disciplinares directos sobre cada jornalista, tendendo naturalmente a recompensar aqueles que se mostrassem mais atentos, veneradores e obrigados.

É esta a concepção que o presidente do Supremo Tribunal de Justiça tem da liberdade de imprensa. Felizmente o conselheiro Noronha do Nascimento ainda não é legislador: por enquanto só lhe compete aplicar a lei. Formulo votos para que continue a fazê-lo da melhor maneira, não obstante o tempo que os jornais, as rádios e as televisões "corporativistas" lhe vão roubando.