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Delito de Opinião

Os inimigos da liberdade

Pedro Correia, 05.05.11

         

 

O que há de comum entre Robert Mugabe, Hu Jintao, Mahmoud Ahmadinejad, Raúl Castro e Kim Jong-il? São todos inimigos da liberdade de imprensa. A lista completa, agora divulgada pelos Repórteres Sem Fronteiras, inclui também organizações criminosas, como a Mafia e a ETA. Vale a pena consultá-la aqui. Uma lista com 38 nomes - menos dois do que em 2010 devido à queda dos ditadores do Egipto e da Tunísia, duas das melhores notícias do ano.

Com lugar cativo na lista figura um ditador que ainda não caiu - o sírio Bachar al-Assad, responsável por 632 mortes e pelo menos três mil detenções desde que começaram os protestos populares contra o regime de Damasco, a 15 de Março. E também o ditador líbio, Muammar Kadhafi, que persiste em bombardear Misrata, cidade-mártir, surdo aos apelos à demissão feitos até por antigos aliados como o primeiro-ministro turco Recep Erdogan, agora estupefacto por ver que o tirano líbio condena o seu próprio povo a "sangue, lágrimas e opressão".

Todas as previsões estão a falhar

Pedro Correia, 02.05.11

 

A velocidade vertiginosa a que os acontecimentos se processam, nestes tempos caracterizados por uma contínua aceleração da história, tornou todas as previsões falíveis na política internacional. E nem as publicações mais prestigiadas do planeta escapam a tal risco. Regresso, por estes dias, à edição de fim de ano da Economist, dedicada ao mundo em 2011. Como antevia esta revista o ano em curso no Egipto? Da seguinte forma que, volvidos poucos meses, já nos parece estranhamente desajustada: “A eleição presidencial programada para finais de 2011 é uma competição entre a continuidade (o Presidente Hosni Mubarak, no poder há muito tempo, já envelhecido), a dinastia (o seu filho, Gamal, que pode candidatar-se no seu lugar) e a improbabilidade (vitória de um candidato da oposição, nomeadamente o ex-director da Agência da Energia Atómica, Mohamed El-Baradei).”
Estas linhas foram escritas em Dezembro. Já em Fevereiro, não podiam estar mais desactualizadas: Mubarak foi derrubado, do seu filho e presuntivo herdeiro nunca mais ninguém ouviu falar e El-Baradei é precisamente um dos candidatos com mais hipóteses de vencer a próxima eleição presidencial.
E repare-se no que escreveu a Economist sobre a Líbia: “Muammar Kadhafi detém o poder há 40 anos e completará certamente os 41. Suprimindo opositores e minando rivais, removeu todas as ameaças significativas ao seu poder; o único sucessor digno de crédito é o seu filho, Saif al-Islam, mas a sucessão não se dará em 2011."
Tantas certezas prontamente desmentidas pelos factos: a “sucessão” de Kadhafi está já a ser uma das grandes histórias deste ano, como hoje bem sabemos, embora o ditador líbio tenha “certamente” completado 41 anos no poder – em Setembro de 2010, ao contrário do que garante a Economist, trocando as datas. Não são só os portugueses que erram ao fazer contas nem a imprensa portuguesa tem o exclusivo da desatenção a certos pormenores.
No capítulo das previsões erradas, esta edição da Economist arrisca-se a sair vencedora. Vale a pena guardá-la também por isto.

Desonestidade intelectual

Pedro Correia, 05.04.11

 

A desqualificação de quem pensa de maneira diferente é a melhor forma de matar à nascença qualquer debate de ideias. Isso mesmo foi feito por António Vilarigues, que me acusa de “desonestidade intelectual” a propósito do apoio que o PCP tem dado a Muammar Kadhafi na guerra civil em curso na Líbia. Porque – diz ele – não aponto exemplos do que refiro nestes dois textos.

Não aponto exemplos? Um leitor isento concluirá naturalmente que qualquer desses textos tinha citações suficientes para sustentar o que escrevi. Mas posso sempre voltar ao tema. E, embora o faça sem qualquer gosto, não cedo à tentação fácil de brindar quem me critica com o apodo de “desonestidade intelectual”.

 

Tenho neste momento à minha frente o Avante! de 10 de Março. Na página 3, sob o título “É tempo de impedir a guerra”, o jornal dedica um texto à Líbia, ignorando logo no título que já então se desenrolava uma guerra no país. “Guerra” – para o Avante!, tal como para Kadhafi – só sucederia no dia em que ali ocorresse uma intervenção estrangeira. Mas naquela altura, até devido à presença de numerosos correspondentes de guerra na Líbia, o mundo não podia ignorar que se registava um duro conflito totalmente desproporcionado: de um lado os resistentes mal equipados e sem recurso à aviação; do outro, a ditadura líbia, armada até aos dentes. Nada que comovesse o Avante!: o jornal oficial dos comunistas devalorizava por completo o massacre de civis às ordens do coronel líbio, qualificando-o como "desinformação imperialista". Isto numa fase em que – acreditava o Avante!, nesta prosa assinada por Ângelo Alves, membro da Comissão Política do PCP – “a postura da China e da Rússia no Conselho de Segurança das Nações Unidas” seria “contrária a uma agressão à Líbia”. Kadhafi pensava o mesmo, mas ele e os amigos de Lisboa enganaram-se: Moscovo e Pequim recusaram vetar a Resolução 1973 do Conselho de Segurança, viabilizando assim a missão da ONU destinada a proteger o povo líbio.

Na página 21 da mesma edição, e sob o título “Comissário demarca-se de posição sobre a Líbia”, o jornal vinha de novo em socorro do ditador congratulando-se por haver um comissário europeu – o maltês John Dallli – a “demarcar-se da posição oficial da União Europeia sobre a Líbia, recusando-se a exigir a demissão de Muammar Kadhafi”.

 

Mas a cereja em cima do bolo chega na página 23, numa peça de página inteira – não assinada – sob o título “Líbia cercada pelo imperialismo”. Uma peça que começa assim: “No domingo, milhares de apoiantes do Governo liderado por Muammar Kadhafi saíram às ruas da capital, Trípoli, para celebrarem a reconquista de algumas posições aos rebeldes. A manifestação, que teve o seu ponto alto na praça Verde, surgiu depois da televisão estatal informar que as forças leais ao Presidente haviam reconquistado importantes cidades como Misrata, Sauiya, Bem Jawad, Rad Lanuf ou Al-Zawyia.” Esta peça, extraordinariamente, procurava lançar o descrédito sobre as acusações dirigidas ao déspota líbio, referindo-se às “supostas violações dos direitos humanos cometidas pelas tropas leais a Kadhafi durante a alegada repressão de pretensas manifestações de massas”.

Alegadas? Pretensas? Supostas? O grau de cumplicidade com um ditador “amigo” devia ter limites, ditados pela óbvia evidência dos factos. Isto não sucede no Avante! nem no PCP. Mas que outra coisa seria de esperar de um partido que apoiou o infame pacto assinado entre a Alemanha de Hitler e a URSS de Estaline, a construção do muro de Berlim e as invasões imperialistas de países soberanos como a Hungria e a Checoslováquia pelos blindados “internacionalistas” da União Soviética?

António Vilarigues, militante de longa data do PCP, devia pensar duas vezes antes de chamar intelectualmente desonesto a quem quer que seja.

Prémio "A Intervenção de Teixeira dos Santos foi Desastrosa"...

Rui Rocha, 20.03.11

... atribuído a Seif al-Islam, filho de Kadhafi, que afirmou que os ataques contra a Líbia são resultado de «um grande mal-entendido» sobre o congelamento de pensões a situação política do país. O troféu será entregue  ao vencedor por António Costa em próxima edição do Programa Quadratura do Círculo Impostura do Século.

Franco, herói de Kadhafi

Pedro Correia, 20.03.11

 

Sem réstia de pudor, Muammar Kadhafi comparou-se a Francisco Franco. Sem sombra de vergonha, comparou Bengazi de 2011 a Madrid de 1939. Não é preciso mais nada para definir o homem que asfixia a Líbia há 42 anos: para perpetuar o seu poder, não hesita em esmagar uma cidade que constitui o maior bastião rebelde invocando o modelo franquista. Felizmente o direito de ingerência sobrepõe-se hoje ao conceito de soberania nacional, como Portugal reivindicou - e muito bem - em 1999 para defender o povo irmão de Timor-Leste contra as atrocidades cometidas pela tirania indonésia. Felizmente o Conselho de Segurança da ONU, a Liga Árabe e a União Africana não permitem que Kadhafi faça agora em Bengazi o que o caudillo fez em Madrid no termo da guerra civil espanhola.

Por cá, só o PCP prefere solidarizar-se com o ditador em vez de se mostrar solidário com o povo líbio. Os comunistas portugueses dizem-se internacionalistas, mas o único "internacionalismo" que aplaudiam era o das invasões soviéticas, obviamente à margem do direito internacional. Polónia, 1939. Finlândia, 1940. Letónia, 1940. Lituânia, 1940. Estónia, 1940. Hungria, 1956. Checoslováquia, 1968. Afeganistão, 1979. Em nenhum destes casos os povos invadidos contaram com os comunicados solidários do PCP exprimindo protesto pela «intervenção directa nos assuntos internos de um Estado soberano». Um privilégio reservado ao Franco do Magrebe, o que constitui um verdadeiro insulto a todos os comunistas que combateram o franquismo pagando com isso, tantas vezes, o preço da liberdade e da própria vida. 

Solidários com o 'camarada' Kadhafi

Pedro Correia, 18.03.11

 

No Avante!, a receita do costume, que remonta aos tempos da Guerra Fria: há os ditadores bons, que são os "nossos", e os ditadores maus, que são todos os outros. Na perspectiva do órgão oficial do PCP, o milionário Muammar Kadhafi, no poder há 42 anos, é o ditador "bom". Ou antes: é o "pretenso" ditador, injustamente acusado de "supostas violações" e da "alegada repressão" de direitos humanos. O Conselho de Segurança das Nações Unidas, garante supremo da legalidade internacional, impôs esta noite, com o respaldo da Liga Árabe, uma zona de exclusão aérea destinada a impedir o ditador de massacrar o seu próprio povo. Russos e chineses, em sintonia com a administração Obama e as chancelarias de Paris e Londres, viabilizaram esta resolução em Nova Iorque. Não importa: o Avante! continua a mobilizar-se em defesa de Kadhafi. Com esta extraordinária argumentação: no Magrebe e no Médio Oriente decorre um grande levantamento popular contra as ditaduras, excepto no caso da Líbia, onde a situação é inversa. Aqui, pelo contrário, existe um "cerco imperialista" a que Kadhafi - qual Che Guevara do Magrebe - resiste com heroísmo e a solidariedade do PCP.

Esta vocação do órgão oficial dos comunistas portugueses em defender alguns dos piores canalhas da cena política internacional deslustra todas as proclamações antiditatoriais que o partido liderado por Jerónimo de Sousa possa fazer noutros quadrantes. O que acharão deste descarado apoio à ditadura líbia nas colunas do Avante! alguns comunistas com presença regular nos ecrãs televisivos, nas colunas de jornais e na blogosfera, como Octávio Teixeira, António Filipe, Rui Sá, Vítor Dias, Carlos Carvalhas, António Vilarigues, Honório Novo e Ruben de Carvalho?

A duplicidade moral do PCP

Pedro Correia, 11.03.11

Devia haver limites para o cinismo político e a duplicidade moral na forma como os partidos portugueses analisam os acontecimentos internacionais. Mas na perspectiva do PCP, pelos vistos, não há. Na Soeiro Pereira Gomes continua a prevalecer a regra maquiavélica: há que pôr de lado qualquer escrúpulo de consciência no apoio aberto aos tiranos de estimação. Sabendo do que a casa gasta, mesmo assim foi com espanto que li na edição do Avante desta semana a defesa despudorada da ditadura líbia em duas páginas dedicadas ao noticiário internacional. Enumerando as revoltas que se registam no mundo árabe, o jornal oficial dos comunistas portugueses assinala as «movimentações de massas» que «alastram» por todo o Magrebe e Médio Oriente, «de Marrocos a Omã, contra os regimes políticos vigentes e por melhores condições de vida». Mencionam-se estes países: Argélia, Bahrein, Marrocos, Iémen, Omã, Koweit, Arábia Saudita, Iraque e Egipto.

E a Líbia? Pois aqui é ao contrário. Títulos desta mesma edição do Avante: «Não à agressão imperialista na Líbia»; «Líbia cercada pelo imperialismo»; «Ingerência comprovada»; «Comissário demarca-se de posição sobre Líbia». O semanário do PCP vibra com as revoltas árabes em toda a parte menos no país do coronel Kadhafi, à revelia de quase toda a comunidade internacional. Garante que a oposição ao ditador líbio é instrumentalizada pela CIA, indigna-se por ver «as afirmações de Kadhafi continuamente deturpadas» nos órgãos de informação ocidentais e alerta na primeira página: «A NATO procedeu a exercícios militares no Mediterrâneo».

Atente-se nesta linguagem colaboracionista com o déspota de Trípoli: «A ONU decidiu também expulsar a Líbia do Conselho dos Direitos Humanos da Organização, medida baseada nas supostas violações dos direitos humanos cometidas pelas tropas leais a Kadhafi durante a alegada repressão de pretensas manifestações de massas, cuja existência não foi possível provar com clareza.» (Sublinhados meus).

 

Ponho de parte esta prosa repugnante, que por algum resquício de pudor surge sem assinatura no jornal do PCP, e abro a edição internacional do Independent. A manchete, assinada por Kim Sengupta, enviado especial do jornal britânico a Ras Lanuf, submetida a raides da aviação de Kadhafi, diz quase tudo: «Why won't the world help us?'». E releio a análise de Lluis Bassets publicada quarta-feira no El País, significativamente intitulada «Contra Kadhafi, guerra justa». Destaco isto:

«A Gadafi está intentando derrocarle su pueblo. Con las manos desnudas. Sin más armas que las que pueden apresar al ejército y hasta ahora sin ayuda internacional alguna. Al contrario, hay suficientes datos para sospechar que el déspota tiene todavía canales de auxilio financiero e incluso político en las capitales occidentales. Hay ya numerosas víctimas civiles, fruto de la represión de las manifestaciones primero y ahora de la guerra civil desigual que ha desencadenado. Una intervención internacional, del tipo que fuere, no sería en ningún caso una guerra preventiva, sino un caso evidente de la obligación de proteger consagrada por Naciones Unidas.»

Poderia recomendar este texto excepcional ao jornal dos comunistas portugueses, assumidamente pró-líbio. Mas não vale a pena: vigora ali a mentalidade da Guerra Fria e a veneração ilimitada aos ditadores de esquerda. Cometa Kadhafi as atrocidades que cometer, será sempre ali enaltecido. Que outra coisa seria de esperar de um partido e de um jornal capazes de elogiar o carcereiro da Coreia do Norte, Kim Jong-il?

"Erros" e "crimes" vistos pelo PCP

Pedro Correia, 06.03.11

 

O "erro" de Kadhafi, na perspectiva do PCP, não foi ter tiranizado um povo inteiro durante mais de 40 anos, suprimindo partidos políticos, liberdade de imprensa e liberdade sindical. O "erro" de Kadhafi, para os comunistas portugueses, não foi ter mandado prender, torturar e até assassinar quem se atreveu a contestá-lo, como sucedeu ao escritor Daif Gazal. O "erro" de Kadhafi, vem agora dizer o dirigente comunista Ângelo Alves, nas páginas do oficiosíssimo Avante!, ocorreu apenas nos anos mais recentes, quando decidiu «abraçar a "guerra ao terrorismo"». Isto num artigo em que a palavra "ditador" surge cuidadosamente colocada entre aspas, não vá algum militante lembrar-se ainda dos tempos em que o PCP enaltecia Kadhafi como uma espécie de Che Guevara do Magrebe. Um artigo em que não surge uma só palavra em defesa dos líbios que têm tombado no combate contra o coronel que os oprime desde 1969 - era Richard Nixon presidente dos Estados Unidos e Marcello Caetano substituíra poucos meses antes Salazar em Portugal. O "crime", garante este membro da Comissão Política do PCP, está ali prestes a ser cometido pelos Estados Unidos e pela NATO, que "parecem querer lançar-se numa nova aventura militar". Eis a teoria da pescada aplicada à geopolítica: antes de o ser já "parece" que o era.

Reparem na subtil diferença entre "erro" e "crime". Nesta perspectiva, uma ditadura pode ser um erro mas o seu derrube será seguramente um crime. O que diria Marx destes seus discípulos entrincheirados na rua Soeiro Pereira Gomes?

Está lá? Muammar? Sou eu, o Hugo!

João Carvalho, 03.03.11

O olhar arguto não engana: Hugo Chávez apresentou ontem uma proposta de mediação de paz para a Líbia e continua em contacto telefónico com Muammar Kadhafi, no mesmo dia em que este usou a sua aviação militar contra os revoltosos na cidade de Brega.

Enquanto Kadhafi demonstra pela força o apreço que tem pelo "seu" povo, talvez fosse melhor Chávez não gastar os parcos neurónios em falinhas mansas com o tirano líbio e ir assistir ao desenrolar dos acontecimentos in loco para ver se apanha a ideia. Que tal mandá-lo abaixo de Brega?

O dóberman do Ocidente no Magrebe

Pedro Correia, 02.03.11

 

Enquanto escrevo, ouço o ainda ditador da Líbia discursar em directo a propósito do 34º aniversário do seu proclamado regime de "poder popular". Menciona dezenas de vezes a palavra "povo" - o mais pervertido termo vindo da boca de qualquer tirano logo a seguir a "liberdade". Escuto-o na BBC falando para umas dezenas de pessoas arrebanhadas para o efeito, algumas das quais o interrompem de quando em quando, em gestos devidamente coreografados, com gritos de "líder eterno" e demais palavras de ordem que já ouvimos serem proclamadas por todas as multidões, grandes ou pequenas, em louvor de todos os ditadores em todos os quadrantes. Muammar Kadhafi, aparentando ser magnânimo, afirma que desde 1977 não tem nenhum cargo institucional da Líbia, onde todo o poder reside no "povo" e não pode, portanto, renunciar a posto algum.

Escuto isto enquanto vou reflectindo sobre a estranha alquimia do poder político que enebria e cega tantos dos seus detentores, incapazes de renunciarem a ele quando todas as evidências deveriam levá-los a proceder na direcção contrária. Penso no admirável exemplo de Winston Churchill, derrotado nas urnas pelo eleitorado britânico em Julho de 1945, dois meses após ter levado o Reino Unido à vitória na mais inclemente de todas as guerras. Conhecido o desaire eleitoral, limitou-se a comentar: "Fui sumariamente despedido pelo eleitorado britânico da futura condução da coisa pública." E abandonou Downing Street para escrever os seus livros e pintar as suas aguarelas.

Penso no que Ignacio Camacho, talvez o melhor dos colunistas da imprensa espanhola, escreveu há dias no ABC sobre o mesmo indivíduo que há largos minutos vai perorando no ecrã que mantenho ligado: «El tipo que puso la bomba que mató a 260 personas en un avión que volaba sobre Lockerbie cumplió tan solo diez años mal contados de cárcel: Gran Bretaña lo devolvió el ano pasado a su país, Libia, por compasivas "razones hamanitarias". El hombre que ordenó el atentado, el coronel Muammar El Gadafi, no sólo no cumplió pena alguna sino que recibió durante anos atenciones preferentes de de los grandes líderes europeos, que lo agasaharon con reiteración, le pasaron la mano por la espalda y se rieron mucho con él agradecidos porque les vendía petróleo, les compraba armamento y contenia a los integristas islámicos plantado com su jaima como un dóberman en el patio de atrás del Magreb.»

«Neste país quem manda é o povo», insiste o "dóberman do pátio das traseiras do Magrebe" a quem a ONU chegou a confiar a presidência da sua Comissão de Direitos Humanos. O mesmo que em 2005 mandou matar o escritor Daif Gazal, que figurava na primeira linha dos que reclamavam liberdade. Antes de morrer, este opositor foi barbaramente torturado: cortaram-lhe os dedos para que não pudesse voltar a escrever.

Durante anos, o Ocidente perdoou todos os crimes ao carrasco de Daif Gazal. Há ainda hoje quem o defenda, alegando que o seu regime "laico" é o melhor antídoto contra o "fundamentalismo islâmico". Concluo como Ignacio Camacho: «La complacencia con Gadafi ha sido tan obscena, obsequiosa y evidente que no deja resquicio al disimulo.»

Por isso o tirano permanece impune no momento em que escrevo. Falta pouco para cair, mas cada dia em que se prolongar no poder é mais um dia de sofrimento para os líbios. E de vergonha para o mundo.

Os dois amigos da família Kadhafi

Pedro Correia, 27.02.11

                           

 

Uma família entra em guerra contra um povo inteiro. Não hesita em virar os fuzis contra cidadãos desarmados. Perde o apoio da sua própria rede diplomática. Vê a bandeira que arriou voltar a ser hasteada nos mastros. Recebe a censura generalizada da comunidade internacional - incluindo o voto unânime do Conselho de Segurança das Nações Unidas, arriscando-se a responder perante o Tribunal de Haia por violação grosseira do direito internacional.

A acção criminosa desta família que acumulou milhões ao longo de quatro décadas no poder tem a reprovação do mundo inteiro? Nem por isso. Hugo Chávez e Daniel Ortega estão solidários com ela. O que diz tudo sobre um e outro.

O feitiço do tempo

Pedro Correia, 26.02.11

João Pereira Coutinho, hoje no Correio da Manhã: «A revolução de 1789 acabou por degenerar no Terror jacobino. Por que motivo, então, esta evidência é tão difícil de perceber no caso árabe?»

Vasco Pulido Valente, hoje no Público: «O que havia em França em 1789-94 era uma total ausência de instituições capazes de promover e defender as liberdades. (...) Como hoje na África do Norte.»

 

Espero que os nossos "líderes de opinião" transitem rapidamente do século XVIII para o século XIX. A ver se daqui a uns alguns meses começam a compreender finalmente o que se passa no mundo árabe do século XXI.

O dilúvio chegou antes e não depois

Pedro Correia, 25.02.11

 

Houve um tempo em que uma certa direita, incapaz de resistir a regimes musculados, apontava o Egipto de Mubarak como exemplo de bom governo no mundo árabe. Esse tempo terminou, irrevogavelmente, a 11 de Fevereiro. Houve também um tempo em que uma certa esquerda, num apaixonado flirt com o “socialismo árabe”, mencionava Kadhafi como figura de referência. Esse tempo está prestes a terminar: com o seu patético discurso de ontem, o homem que durante 41 anos dirigiu a Líbia com mão de ferro demonstrou ter perdido definitivamente o contacto com a realidade.

Um elo uniu Mubarak e Kadhafi ao soar a hora da derrocada: perdida a tradicional pose de bravata, ambos invocaram os riscos do extremismo islâmico como chantagem suprema perante a comunidade internacional. O líbio chegou a apontar o dedo acusador à Al-Qaeda como fonte dos distúrbios no seu país. Repetindo, no fundo, o argumento de Luís XV na França pré-revolucionária: “Depois de mim, o dilúvio.” O problema, tanto no Egipto como na Líbia, é que o dilúvio chegou antes e não depois.

 

Publicado no DN

Elogio dos cínicos.

Luís M. Jorge, 25.02.11

Tens razão, Filipe: o passado não favorece os entusiastas. Ainda recordo, por exemplo, quando Pacheco Pereira e José Manuel Fernandes reclamavam bombas sobre Bagdad. Os cínicos, como eu, manifestaram-se.

 

Mas o tempo e as farsas de cem mil cadáveres trazem circunspecção e sabedoria. Também gosto de os ver agora, tão recolhidos, tão hesitantes em celebrar o derrube das ditaduras do norte de África.

A imparável revolta no mundo árabe

Pedro Correia, 25.02.11

Chávez escreve a Khadafi (qualquer semelhança com a realidade é impura coincidência)

Rui Rocha, 25.02.11

"Querido Muammar, sé que estás pasando por las dificultades que te está creando una contrarrevolución que no has liquidado. Error mayor. Yo te lo recalqué, cuando en Margarita te entregué la réplica de la Espada de Bolívar que camina por la América Latina, para que la pusieras a lo mismo por allá. Y te dije: no olvides que tu revolución como la mía dependen de nosotros y que el imperio y aliados andan buscando cómo acabarnos por la vía del magnicidio o el golpe de Estado. Te advertí que tenías que ponerte pila y copiarte de mí la idea de mantener un aparato supuestamente democrático que te librara de la acusación de dictadores como Ben Alí o Mubarak. Yo, desde un inicio, me hice pasar por un demócrata que venía a introducir cambios en una situación de grave crisis. Y así me gané al reformismo. Pero yo iba por el cambio del sistema y con esto me embolsillé a los radicales. Y sin mayores aspavientos, gané espacios y hoy soy materialmente el dueño de quienes algunos por ahí califican de expaís. (…) De modo que nadie me puede acusar de dictador, porque además, siempre he ganado con la ayuda de las negociaciones adelantadas con "las oposiciones". Por eso hoy avanzamos tranquilos hacia la construcción de un socialismo cada vez más profundo, concreto y trascendente. ¡Eh! Y no olvides, hermano Muammar, que sólo la revolución paga dividendos. En un inicio sabíamos que el socialismo sólo lo puede imponer la dictadura del proletariado, si lo hay. Pero nosotros superamos a Marx y a Engels y demostramos que unos golpistas militaristas revolucionarios como nosotros, podían convertirse en una vanguardia que está y seguirá vigente. Por eso yo metí a socialistas a todos mis compañeros militares. Y a eso le sumé mis otros tarifados en misiones, consejos comunales, cooperativas, milicias, comunas. Y si alguien se me alza le aplico la fuerza del Estado para controlarlo. Así tengo asegurado mi mando-poder hasta que me dé la gana por la vía del fraude-trampa, la compra-venta de votos y el quiquirigüiqui que hacemos con las oposiciones.¿Eh? Por todo esto te digo que debes declararte en emergencia y liquidar la contra que está ligada al imperio y sus aliados para atacarte. No puedes dejar que las protestas tomen más cuerpo. Recuerda mi 11 de abril del 2002. Me dejé de tontería. Apliqué la violencia a tiempo y mira donde estoy. Insisto: tienes que salvar tú revolución a como dé lugar. Tú y yo somos el todo de nuestros procesos. Si morimos, se acabarían nuestras revoluciones, Fidel siempre lo dice. Tú y yo, más allá de ser presidentes, como bien lo dijiste, somos los líderes, los salvadores, los mitos, símbolos, guías de la revolución. Los gloriosos hijos de Bolívar y Fidel (…)."

 

* Excertos da carta ficcional de Chávez a Khadafi hoje publicada por Agustin Blanco Muñoz no jornal El Universal (Venezuela)