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Delito de Opinião

No reino das bravatas verbais

Pedro Correia, 30.10.15

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Catarina Martins, que de há um mês para cá tem vindo a dar a táctica à esquerda do alto dos impressionantes 10,19% que recolheu nas urnas, considera que a posse do XX Governo Constitucional, hoje ocorrida no Palácio da Ajuda, foi "uma perda de tempo".

Por estes dias, é muito instrutivo ver as manifestações de arrogância daqueles que, sem terem sequer posto um pé no poder executivo, já se comportam como se fossem tutores absolutos das instituições políticas - Presidente da República, Assembleia da República e Governo.

A porta-voz de um partido rejeitado nas opções de voto de 89,91% dos boletins expressos em 4 de Outubro cresce em arrogância à medida que se aproxima o momento em que o BE poderá enfim tornar-se peça de uma solução de governo após 16 anos de existência. Alguém deveria dizer-lhe que em democracia, quando se cumprem as regras, nunca há perdas de tempo.

 

Mas se é de perder tempo que falamos, a verdade é que, 26 dias após as legislativas, nenhum elenco governativo sólido e credível se vislumbra em alternativa ao que hoje foi empossado.

No PS - que recolheu menos de um terço dos votos expressos - persistem as vozes contrárias à realização de um acordo com os sectores mais extremistas da esquerda.

"Seria bom que alguns actuais deputados do Partido Socialista que andam por aí levianamente a proferir barbaridades olhassem com mais rigor para a história do partido que conjunturalmente representam", escreve sem rodeios o eurodeputado Francisco Assis, que já liderou a bancada socialista em São Bento. O deputado Eurico Brilhante Dias não tem dúvidas: "O PS devia ir para a oposição", até porque "um acordo à esquerda nunca foi apresentado" como hipótese perante os eleitores. António Galamba, ex-membro do Secretariado Nacional e ex-director do jornal Acção Socialista, compara um putativo acordo de legislatura PS/BE/PCP/PEV a uma "parceria público-privada".

Por bandas do PCP, a reserva mental é ainda mais notória. Jerónimo de Sousa reivindica o direito de votar medida a medida todas as iniciativas legislativas de um eventual executivo do PS, consoante a avaliação conjuntural do mérito de cada uma feita pelo Comité Central. E traça desde logo linhas de fronteira: os comunistas são radicalmente contra o Tratado Orçamental, manifestam-se na rua contra a participação de Portugal na Aliança Atlântica e nem querem ouvir falar em limites ao endividamento do Estado.

Tudo isto enquanto duram as "negociações" com o PS. Descritas pelo Avante! desta forma esclarecedora: "Prosseguem reuniões para exame de possibilidades de soluções políticas, num quadro de compreensíveis e previsíveis dificuldades."

 

Em Janeiro, na estreia da esquerda radical grega à frente do Governo de Atenas, Alexis Tsipras selou em 24 horas um  acordo de coligação com a direita nacionalista. Não perdeu tempo, o que terá bastado para lhe valer o aplauso de Catarina Martins, parceira ideológica do líder do Syriza. Por cá, quase um mês depois de contados os votos, as diversas esquerdas continuam a entender-se apenas pela negativa: correr com a direita do poder.

Falta tudo o resto. Faltam, desde logo, as traves-mestras da solução de estabilidade que Costa prometeu durante a campanha, quando ainda sonhava com a maioria absoluta. Falta o acordo sobre matérias financeiras e orçamentais entre um partido maior, que quer manter as metas globais de ajustamento orçamental, e dois partidos menores, que só desejam aumentar a despesa pública.

Um acordo que nenhum português conhece.

 

No discurso de posse do Governo, ao fim da manhã de hoje (muito melhor do que a mensagem que dirigiu ao País no dia 22), o Presidente da República sintetizou a chave do problema nesta frase: "Sem estabilidade política, Portugal tornar-se-á um país ingovernável."

É uma frase que há-de ser muito recordada e repetida nos meses mais próximos, quando as bravatas verbais de Catarina Martins começarem a dissolver-se no horizonte.

O suicídio político de António Costa

Rui Rocha, 16.10.15

O que é incrível na estratégia de Costa  é o facto de este ter colocado a decisão sobre o seu futuro político e o do PS integralmente nas mãos do PCP. Acontecerá a Costa o que Jerónimo quiser. Basta uma insistência mais ou menos subtil dos comunistas em algum dos pontos programáticos do PCP inconciliáveis com a moderação socialista e Costa esbarrará irremdiavelmente contra a parede (ou contra o Muro), com o consequente descrédito sobre a sua liderança e sobre o rumo errático do PS. Ora, neste cenário, a pergunta que fica é saber qual o desfecho que melhor serve os interesses do PCP: assumir uma linha de suporte a um governo do PS, prescindindo de alguns (muitos, na verdade) aspectos mais vincados do seu programa com o consequente esbatimento da percepção pelos eleitores do seu espaço político natural das diferenças face ao PS, ou aproveitar o momento para puxar o tapete a Costa, lançando os socialistas numa grave crise interna e reforçando a capitalização do descontentamento do eleitorado de esquerda?  A resposta não parece díficil de encontrar. Muito mais difícil é entender que Costa não tenha confiado aos militantes do PS a discussão interna do seu futuro político e do partido, preferindo entregar a chave da decisão ao PCP e a Jerónimo de Sousa.

Legislativas (10)

Pedro Correia, 16.09.15

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DEBATE ANTÓNIO COSTA-JERÓNIMO DE SOUSA

 

Portugal governado pelo Partido Comunista registaria o aumento imediato do salário mínimo nacional, que pularia para 600 euros. Haveria "um vínculo efectivo por cada posto de trabalho criado". O Estado asseguraria a "distribuição gratuita de manuais escolares ao longo de todo o processo de escolaridade obrigatória". As taxas moderadoras na saúde seriam eliminadas, o IVA e o IRS baixariam. Os trabalhadores da administração pública veriam repostos salários, subsídios e promoções automáticas. E - coisa espantosa - esse executivo vermelho trataria de "reindustrializar o País" .

Decorria o ameno frente-a-frente desta noite entre o secretário-geral do PCP e o líder do PS, na SIC Notícias - agendado só após se esgotar o habitual paleio sobre futebol. No estilo tranquilo que a tranquiliza, a jornalista Ana Lourenço perguntou a Jerónimo de Sousa: "Com que dinheiro? Íamos tirar de onde?"

Resposta pronta: "Não é tirar, é acrescentar. Não se preocupe com isso."

 

O PCP apresenta aos eleitores a quadratura do círculo: pretende reduzir drasticamente a receita pública enquanto prevê um aumento brutal da despesa do Estado. Sem apresentar contas. Haverá petróleo no Beato? Jerónimo não se preocupa com minudências: "Vamos aumentar a tributação àqueles que mais têm e mais podem."

Tão fácil como beber um copo de água. Espanta como nem sequer esse mago das finanças públicas chamado Varoufakis se lembrou disso...

 

Foi um debate tranquilo, correspondendo ao estilo da moderadora, incapaz de confundir acutilância com deselegância. Ninguém levantou a voz, ninguém discordou abertamente de ninguém, Costa e Jerónimo - ambos de gravata vermelha - convergiram sem fissuras na defesa da escola pública e nas críticas à forma como tem sido conduzida a questão do Novo Banco.

De resto, cada um falou para seu lado. E para os seus eleitores. Que em boa parte são os mesmos, divergindo apenas na quantidade e na geografia (o PS tem uma distribuição de votos bastante uniforme a nível nacional enquanto o PCP concentra a maioria dos votos na Margem Sul e largas zonas do Alentejo). Funcionários públicos no activo e pensionistas, pequenos e médios assalariados, professores (que votam em larga medida nos socialistas).

Costa, muito mais comedido nas promessas do que o seu antagonista, anunciou o "combate à precariedade laboral", o reforço das fontes de financiamento da segurança social, a redução das taxas moderadoras e o fim escalonado da sobretaxa extraordinária do IRS (metade em 2016, metade em 2017).

"Porque não revogar agora?", questionou Jerónimo, visivelmente mãos-largas.

"Eu também gostaria de dizer que eliminava tudo de uma vez. Mas para que as contas batam certo entre aquilo que aumentamos na despesa e aquilo que diminuímos na receita, o que podemos assumir é isto", retorquiu Costa, mais paciente do que noutros debates.

 

Faltava algum picante. E aconteceu enfim, a propósito da integração europeia. O líder socialista trazia sublinhado o programa eleitoral do PCP, que defende a "libertação do País da submissão ao euro" e recomenda até a "dissolução da União Europeia".

Sem euro, acentuou Costa, "os nossos salários passariam logo a valer menos 30% e as nossas dívidas - pagas em euros - passariam logo a valer mais 30%" Remoque escusado: Jerónimo teima em rejeitar a tutela alemã e apela ao ressurgimento do sentimento patriótico lusitano, virando costas a Bruxelas tal como os nossos patrícios de antanho viravam costas a Castela.

O secretário-geral do PCP pode não querer fazer contas, mas tem o mérito de falar claro. Uma aliança pós-eleitoral com o PS está rejeitada desde já: "Não íamos aceitar um ou dois lugares no Governo só para dar cobertura a uma política que não serve o País." Um discurso que se repete, imutável, há 40 anos.

Costa sorria vagamente: sabia que ganhara o debate, mas esta vitória poucos votos lhe granjeará. O eleitorado comunista é tão fixo como as teses do partido. E mais facilmente abraça o professor Marcelo na Festa do Avante! do que estende a mão ao partido que em 1975 encheu a Fonte Luminosa para combater Vasco Gonçalves e Álvaro Cunhal.

 

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FRASES

Jerónimo - «Criar mais riqueza resolve muitos problemas do desemprego em Portugal.»

Costa - «É essencial reforçar as fontes de financiamento da segurança social.»

Jerónimo - «Portugal tem direito a um desenvolvimento económico soberano.»

Costa - «Nós não queremos sair do euro.»

Legislativas (1)

Pedro Correia, 01.09.15

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DEBATE CATARINA MARTINS-JERÓNIMO DE SOUSA

 

Cheguei ao fim do debate desta noite na RTP informação (não valeria a pena a televisão pública tê-lo emitido em sinal aberto?) quase sem distinguir o Bloco de Esquerda do Partido Comunista. Excepto na questão do euro: o PCP faz um balanço "profundamente desastroso" da nossa integração na moeda única e o Bloco deixa claro que "a saída do euro não é a saída para a crise".

Há também um pormenor semântico, que aliás está longe de constituir novidade: ao contrário do que sucede com Catarina, Jerónimo de Sousa faz questão de iniciar sempre as frases recorrendo à primeira pessoa do plural ("a nossa análise, o nosso projecto, as nossas propostas...")

Em quase tudo o resto o secretário-geral do PCP e a porta-voz do Bloco de Esquerda não fizeram qualquer esforço em diferenciar-se neste frente-a-frente moderado pelo jornalista Vítor Gonçalves. São ambos contra as "políticas de austeridade", pretendem renegociar a dívida pública, estão prontos a rasgar o tratado orçamental e nem admitem ouvir falar de possíveis alianças pós-eleitorais com os socialistas, transformados em bombo da festa neste debate. 

"O PS sempre praticou políticas de direita", sentenciou Jerónimo, sem introduzir um átomo de alteração à prédica habitual dos comunistas, campanha após campanha. "O PS, nas questões de fundo, não se distingue da direita", sublinhou a porta-voz bloquista, de olho verde mas discurso bem vermelho.

De um lado venta, do outro chove: Bloco e PCP contentam-se em ser partidos de protesto. E como se somariam a um hipotético executivo socialista se não se dão sequer ao incómodo de juntar forças numa plataforma eleitoral comum?

Jerónimo pareceu fatigado, Catarina esteve mais fresca e exibiu palavra mais solta, chegando a conceder arguta e merecida vénia ao parceiro de debate: "O Bloco é muito devedor da luta e do combate do PCP." A dado momento um plano televisivo fixou-a a mirar com ar carinhoso para o histórico comunista: parecia uma neta a contemplar o avô.

Estes pequenos apontamentos visuais proporcionados pela indiscrição das câmaras tornam-se quase sempre os aspectos mais interessantes dos debates em que os protagonistas fazem tudo para ocultar divergências, como foi o caso. No final, outra pequena diferença: Catarina, desfavorecida nas sondagens, apelou explicitamente ao voto dos abstencionistas militantes. Jerónimo nem se deu a esse incómodo: com saber de experiência feito, ele não ignora que a batalha à esquerda do PS está antecipadamente ganha pelo PCP.

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FRASES

Catarina - «O PS, para fazer um governo de direita, precisa de um partido de esquerda? Não. Pode fazê-lo com partidos de direita. Não é para isso que cá estamos, de certeza.»

Jerónimo - «Nós defendemos a ruptura com este caminho para o desastre a que a política de direita tem conduzido o País.»

Catarina - «O PS tem um alinhamento completo com o PSD e o CDS no que é essencial.»

Jerónimo - «Temos um valioso património de trabalho unitário.»

Catarina - «As pessoas estão cansadas de uma alternância que nunca lhes trouxe alternativa.»

Jerónimo - «Ninguém é dono dos votos dos portugueses.»

A lição de Jerónimo de Sousa ao professor Mário Nogueira, seu ex-mandatário nacional

Pedro Correia, 17.06.14

"Era o que mais faltava se por indisposições de quem está no poder as pessoas não se pudessem manifestar.»

Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, ex-cabeça de lista da CDU e ex-mandatário nacional de Jerónimo de Sousa

 

«São conhecidas as profundas divergências que existem entre nós mas queria aqui declarar - pois não lhe desejamos mal nenhum, antes pelo contrário - que o Presidente da República recupere a sua saúde, independentemente das nossas divergências políticas.»

Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, falando no mesmo dia (10 de Junho)

Rescaldo das autárquicas: os cinco desafios de Jerónimo

Pedro Correia, 04.10.13

 

1. O PCP é tradicionalmente forte ao nível autárquico. Em vários deles, nunca conheceu uma derrota desde que existem eleições autárquicas em Portugal (Almada e  Seixal, por exemplo). Isso voltou a ser comprovado no último domingo, ao ser a única força política que progrediu eleitoralmente face ao escrutínio de 2009: conquista mais seis câmaras (incluindo Évora, Beja, Loures e Grândola) no balanço de ganhos e perdas, e obtém mais 13.600 votos, subindo 2,5%. Falta saber se esta dinâmica vitoriosa que permitiu aos comunistas recuperar algumas das suas praças-fortes terá prolongamento nas próximas legislativas de modo a permitir-lhes voltar a ser a terceira maior força política no Parlamento -- necessitando, para o efeito, de ultrapassar o CDS.

Primeiro desafio: como transportar a dinâmica das autárquicas para as legislativas?

 

2. Só em duas eleições com carácter nacional, em 1975 e 1976, o PCP se apresentou isoladamente nos boletins de voto com o seu símbolo da foice do martelo. De então para cá, optou por concorrer sob uma suposta sigla "unitária", que já foi FEPU, depois APU e há cerca de 30 anos se chama CDU. No fundo, é uma coligação do PCP consigo próprio: os Verdes não têm existência política autónoma e a chamada Intervenção Democrática é tão fantasmagórica que nem sequer possui página na Internet (está há anos "em obras"). Em eleições futuras, o PCP terá de confrontar-se com este repto: ou aproxima-se de forças políticas com existência real ou nega coligar-se com elas, como agora aconteceu no Funchal, quando recusou alinhar com o PS e o BE na formação de uma frente anti-Jardim.

Segundo desafio: prosseguir com a CDU ou abrir-se a verdadeiras coligações à esquerda?

 

3. O aparecimento do Bloco de Esquerda, em 1999, veio acentuar o dilema dos comunistas no relacionamento com as restantes forças anticapitalistas: o PCP deve ou não alcançar plataformas com os bloquistas? É um dilema muito semelhante ao que enfrenta o duro Partido Comunista da Grécia ou a Esquerda Unida espanhola. A convergência com o Bloco é incipiente, não ultrapassando algumas iniciativas no âmbito parlamentar. Ainda agora, nas autárquicas, comunistas e bloquistas não convergiram numa só lista eleitoral em qualquer dos 308 municípios do País, o que demonstra bem os limites do "frentismo" do PCP. No plano nacional, esta intransigência por vezes paga-se cara.

Terceiro desafio: haverá abertura do PCP a plataformas políticas que incluam o Bloco?

 

4. Há forças de esquerda na Europa, como  Die Linke, que agrega os ex-comunistas da RDA, que se contentam em ser mera voz de protesto. No entanto existem outras, como a Syriza grega, que ambicionam chegar ao poder. E já estiveram perto de o conseguir, como noutras décadas ia sucedendo com os partidos comunistas italiano e francês. O PCP nunca exerceu responsabilidades governativas a nível nacional no actual quadro constitucional, preferindo ver o PS coligar-se com a direita ou governar em minoria. Foi isso que sucedeu, uma vez mais, em 2009: recusou somar-se à formação de um executivo liderado pelo PS mas mais tarde juntou-se à direita para o derrubar. Os portugueses contam com ele como força de protesto, mas não como partido de governo.

Quarto desafio: quererá o PCP continuar a ser apenas uma força de protesto?

 

5. Jerónimo de Sousa é um dirigente dotado com um carisma muito próprio, genuinamente popular, e que soube imprimir um toque pessoal ao forte colectivo comunista após a longa liderança de Álvaro Cunhal e a atribulada transição protagonizada por Carlos Carvalhas. No grupo parlamentar, o PCP tem-se renovado mais do que qualquer outra força política, mas o seu núcleo dirigente ainda é o que trabalhou de perto com Cunhal e as mulheres continuam subrepresentadas tanto nos órgãos autárquicos como no Comité Central. Aliás, ainda não é desta que vemos uma mulher à frente da bancada parlamentar vermelha. Falta, portanto, levar mais longe a renovação. Que não pode ser só geracional. Talvez já com vista à sucessão do próprio Jerónimo, deputado desde a Assembleia Constituinte.

Quinto desafio: como preparar o ciclo posterior ao do actual secretário-geral do PCP?

A peculiar geopolítica comunista

Pedro Correia, 30.11.12

 

Jerónimo de Sousa quer "devolver a palavra ao povo", com o recurso a eleições antecipadas. Num discurso em que defendeu o "pleno direito do povo português a decidir do próprio destino" no quadro de uma União Europeia que no seu entender é "irreformável".

 

Declarações do secretário-geral do PCP na abertura do XIX Congresso do partido, em Almada. Lendo no entanto a proposta de resolução política que será votada nesta reunião magna dos comunistas, que países merecem elogios rasgados do partido que Jerónimo de Sousa lidera? Os do costume. Por exemplo, a República Popular da China do partido único, com todo o "pujante desenvolvimento das suas forças produtivas" - em contraste com o "marasmo japonês". Com um ano de atraso, chora-se a "agressão à Líbia" que permitiu derrubar a velha ditadura de Kadhafi, vigente durante 42 anos. Os comunistas saem em defesa da criminosa dinastia de Assad, que oprime há quatro décadas o seu povo, denunciando a "gigantesca campanha de desinformação, desestabilização e agressão à Síria". E do odioso regime teocrático implantado em 1979 em Teerão, vociferando contra "as provocações e a escalada belicista contra o Irão". Vergastam a "contra-ofensiva do imperialismo" em Cuba, país dominado há 54 anos pela família Castro, sempre pronta a asfixiar as mais tímidas manifestações de reformismo interno. Não esquecem entretanto uma palavra solidária à tirania norte-coreana, lamentando aquilo a que chamam "provocações à República Popular Democrática da Coreia".

 

E, para que não restem dúvidas, entoam hossanas em louvor muito especial dos cinco países ainda governados por comunistas que restam no globo, concedendo-lhes o nobre título de nações "resistentes": "No quadro da resistência ao domínio hegemónico do imperialismo, assumem particular relevo no plano internacional vários países (China, RPD da Coreia, Cuba, Laos e Vietname) que, não se integrando no sistema capitalista, constituem objectivamente um factor de contenção dos seus propósitos de domínio planetário."

Países que não respeitam os mais elementares direitos democráticos e cujos regimes ditatoriais, somados, totalizam 258 anos.

 

Já os EUA e a França, países democráticos onde a palavra foi recentemente "devolvida ao povo", são brindados com severas críticas do PCP. "A realidade desmente as campanhas de branqueamento do imperialismo em torno de fabricadas «mudanças» como as da eleição de Barack Obama ou François Hollande. A natureza e objectivos da política dos EUA e da União Europeia – em que a NATO desempenha um papel de primeiro plano – mantêm-se inalteráveis", lê-se na proposta de resolução política. Nada de novo: é mais do mesmo.

 

Passam as décadas, mas o PCP permanece igual a si próprio: tolerante e solidário com ditaduras, implacavelmente crítico com as democracias. Imaginam por instantes um partido da oposição - assumindo que ele existisse - reclamar hoje, como reclama Jerónimo de Sousa, que a palavra seja "devolvida ao povo", senhor do seu "próprio destino", através de eleições democráticas e livres, em Havana, Pequim ou Pionguiangue?

Pois, ninguém imagina. Nem sequer os dirigentes do PCP, que têm um discurso para consumo interno e outro, muito diferente, em matéria de política internacional. Reivindicando mais democracia aqui enquanto aplaudem ditaduras noutros quadrantes.

Legislativas (21)

Pedro Correia, 06.06.11

A SUBIR

 

Pedro Passos Coelho. Venceu as legislativas suplantando todos os vaticínios e contrariando até o que alguns companheiros de partido antecipavam. A sua clara vitória no frente-a-frente com José Sócrates, como aqui logo se sublinhou, foi vital para que os portugueses acreditassem nele. O seu discurso de vitória, contido e sóbrio, contribuiu ainda mais para se perceber que entrámos num novo ciclo.

 

Paulo Portas. O CDS cresceu em número de votos e número de deputados, consolidando-se em áreas urbanas como Lisboa e Setúbal. Mais importante que isso: fará parte da próxima solução governativa. Um momento alto na carreira política de Portas.

 

Jerónimo de Sousa. A CDU ganha apenas um deputado mas é a única força de esquerda que resiste nestas legislativas. E alcança sobretudo um saboroso triunfo sobre um rival de estimação: o Bloco de Esquerda. A personalidade do secretário-geral comunista desempenhou um papel importante neste resultado.

 

Debates. Não há campanha sem debates. Esteve mal, portanto, um jornal que titulava recentemente em manchete "O povo não vai em debates". Pelo contrário, nestas legislativas os debates televisivos tiveram nível, substância e uma influência determinante. Com destaque natural para aquele que opôs Sócrates a Passos Coelho. Porque o povo vai mesmo em debates.

 

Fernando Nobre. Foi uma aposta arriscada de Passos Coelho para encabeçar o distrito de Lisboa. Aposta ganha: Nobre contribuiu para reforçar a votação social-democrata no principal círculo eleitoral do País (mais cinco deputados e mais 9% dos sufrágios), onde o PSD obtém o melhor resultado desde 1991, depois de ter vencido claramente um debate televisivo na TVI 24 com o cabeça-de-lista do PS em Lisboa, Ferro Rodrigues.

 

Cavaco Silva. Estaria agora a ser alvo de todas as críticas se o PS voltasse a ganhar as legislativas. A clara derrota eleitoral dos socialistas, menos de dois anos após o anterior escrutínio, confirmou que a maioria parlamentar já não correspondia à maioria sociológica do País. A dissolução do Parlamento foi, portanto, a melhor decisão que havia a tomar.

Pequenos gestos

Pedro Correia, 05.06.11

José Sócrates e Paulo Portas saudaram publicamente o vencedor da noite, Pedro Passos Coelho. Outros dois líderes partidários, Francisco Louçã e Jerónimo de Sousa, não o fizeram - pelo menos que eu tivesse ouvido em directo nas televisões. Há pequenos gestos que dizem muito sobre o espírito democrático dos políticos e sobre a forma como encaram o veredicto popular expresso nas urnas.

 

ADENDA: Leitor atento avisa-me, nesta caixa de comentários, que Louçã também dirigiu palavras de parabéns ao vencedor. Fica feita a rectificação.

Avivar a memória (1)

Pedro Correia, 03.06.11

Legislativas (8)

Pedro Correia, 16.05.11

 

 

DEBATE JERÓNIMO DE SOUSA-JOSÉ SÓCRATES

 

José Sócrates, como é costume, levava a estratégia bem montada. Pretendeu fazer do frente-a-frente desta noite na SIC, com Jerónimo de Sousa, uma espécie de ensaio geral para o decisivo debate de sexta-feira com o presidente do PSD. E atacou o secretário-geral comunista como fará certamente com Pedro Passos Coelho: utilizando o programa eleitoral do seu antagonista como arma de arremesso. Isto permitiu-lhe, durante alguns minutos, marcar o tom e o ritmo da contenda. "Já debati aqui com dois líderes que não tinham programa. Hoje estou a debater com um líder que tem o mesmo programa de há dois anos", ironizou o líder do PS, reduzindo as propostas comunistas a três grandes ideias-força: a reestruturação da dívida ("igualzinha à do Bloco de Esquerda"), sair do euro ("isto nem o Bloco de Esquerda!") e um amplo programa de nacionalizações. Rematando em bom estilo: "Onde iria buscar dinheiro para comprar estas empresas [a nacionalizar]? São mais de 50 mil milhões de euros."

Esta tirada do líder socialista teve o condão de acicatar Jerónimo. Que não tardou a dar-lhe o troco: "José Sócrates, quando ouve falar em nacionalizações, fica com urticária. Mas foi lesto a nacionalizar o BPN, ficando os milhões de milhões de custos para o povo português." Isto assinalou uma certa viragem no debate - e raras vezes, a partir daqui, voltámos a ver Sócrates na ofensiva. Pelo contrário, o secretário-geral do PCP conseguiu ultrapassar Paulo Portas e Francisco Louçã na capacidade de forçar o líder do PS a justificar o seu controverso currículo governativo. Lembrou o abortado cheque-bebé de 200 euros acenado por Sócrates na campanha legislativa de 2009, o "corte de mais de 600 mil abonos de família", o congelamento de salários e de pensões, e"uma política fiscal que carrega sempre contra os mesmos". Curiosamente, ao invocar a obra feita, o secretário-geral socialista limitou-se a mencionar medidas assumidas entre 2005 e 2009 - do complemento solidário para idosos à reforma da segurança social.

O debate foi vivo e pelo menos num sentido também foi esclarecedor: a unidade da esquerda portuguesa continua a ser um sonho adiado. O PCP persiste em manter as portas fechadas a qualquer entendimento com os socialistas. "Os três partidos - PS, PSD e CDS - têm um programa comum", justificou Jerónimo. Sócrates, se vencer a 5 de Junho, tem um problema sério pela frente: nenhuma força política, à esquerda e à direita, parece disposta a coligar-se com ele. "Deve haver um governo maioritário", sublinhou o líder socialista, que em resposta à moderadora, Clara de Sousa, deixou um recado ao Presidente da República lembrando uma enraizada "tradição" na política portuguesa: "Quem ganha as eleições é que vai para o Governo." Mas a sensação que transmitiu neste debate é que para ele isso será um quebra-cabeças. O que sucede, em boa verdade, por culpa própria: em nenhum momento do frente-a-frente Sócrates fez um esforço mínimo para cativar um voto comunista. Pelo contrário, chegou a revelar - por palavras e esgares - alguma arrogância, nomeadamente quando acusou Jerónimo de ser "incapaz de compreender" a lógica do sistema fiscal português.

São pormenores. Mas que ajudam a perceber por que motivo José Sócrates é hoje a figura mais solitária da cena política nacional.

 

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FRASES

Jerónimo - «O candidato José Sócrates tem uma forma esquisita de defender o estado social.»

Sócrates - «O PCP cometeu um erro de análise ao aliar-se à direita para provocar uma crise política.»

Jerónimo - «O ónus está sempre nas costas de quem trabalha.»

Sócrates - «Reestruturar a dívida significa calote. Pagar-se-ia com pobreza, desemprego, miséria e falências.»

Jerónimo - «Ainda havemos de assistir a José Sócrates a defender a reestruturação da dívida.»

Clara de Sousa - «Porque é que este memorando [com a Comissão Europeia e o FMI] não foi traduzido oficialmente em versão portuguesa para que os portugueses o percebam?»

José Sócrates - «Estou convencido que essa tradução existe. (...) Se não há, devia haver.»

 

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ADENDA

Por curiosidade, recordo o que escrevi sobre o debate Manuela Ferreira Leite-Paulo Portas da campanha legislativa de 2009.

Legislativas (5)

Pedro Correia, 12.05.11

 

 

DEBATE JERÓNIMO DE SOUSA-FRANCISCO LOUÇÃ

 

Debate? Que debate? Quem teve a paciência de escutar até ao fim o frente-a-frente desta noite, na RTP, entre Francisco Louçã e Jerónimo de Sousa certamente não descortinou qualquer motivo de fundo para o PCP e o Bloco de Esquerda se apresentarem em listas separadas a estas eleições. É certo que o secretário-geral comunista, há uns dias, disse numa entrevista desconhecer qual é a ideologia do BE. Mas ao ser desafiado pelo jornalista Vítor Gonçalves a reeditar estas dúvidas, Jerónimo preferiu chutar para canto. Ninguém diria que estes dois partidos já estiveram envolvidos em acesos despique verbais. Ninguém diria que houve até uma época em que o Avante! mimoseava os bloquistas com farpas bem aguçadas.

Esse tempo, pelos vistos, passou. Bloco e PCP convergem hoje no essencial: são do contra. Contra o Governo socialista, contra a alternativa à direita, contra a intervenção do FMI em Portugal, contra o memorando de entendimento com a União Europeia, contra o programa de privatizações, contra o pagamento da dívida pública sem uma renegociação imediata. O moderador do debate bem tentou encontrar algumas divergências dignas de nota entre eles, mas o resultado foi quase nulo. Jerónimo ainda mencionou a política europeia, distanciando-se do "federalismo" do Bloco. E - ao contrário de Louçã - não considera "questão tabu" a possibilidade de Portugal dizer adeus ao euro para regressar ao escudo. Há ainda uma questão de estilo: "Nós não fulanizamos", disse o secretário-geral comunista. Com Sócrates ou sem Sócrates, o PS estará sempre na mira das críticas do PCP. A tal ponto que Jerónimo foi incapaz de manifestar qualquer preferência entre um governo liderado pelos socialistas e um Executivo de maioria social-democrata.

Eis um dos nós cegos da política portuguesa: enquanto à direita a política de alianças é clara, à esquerda o PS está condenado a mirar-se ao espelho. O PCP só admite "coligar-se" com um partido fantasma: Os Verdes. E o Bloco parece hoje apenas apostado em duplicar o histórico papel de consciência crítica desempenhado pelos comunistas na democracia portuguesa, evitando qualquer aproximação aos socialistas com vista à construção de alternativas de governo.

Esta noite, de qualquer modo, Louçã mostrou-se um pouco mais acutilante ao procurar transformar o frente-a-frente numa espécie de prolongamento do debate da noite anterior com o secretário-geral socialista. Insistiu em denunciar a falta de transparência do PS na questão da taxa social única, antecipando que os socialistas preparam uma "alteração drástica" à actual contribuição das entidades patronais para a segurança social. E foi capaz de descer um pouco mais ao concreto na questão da dívida, propondo um "fundo de resgate" que prevê a criação de um imposto das mais-valias urbanísticas e um imposto sobre as transacções da Bolsa. A emissão de títulos europeus de dívida é outra solução proposta pelo Bloco. Jerónimo foi mais vago: este frente-a-frente confirmou que a economia não é o seu forte. Esteve melhor na intervenção final, marcada por um toque pessoal, raro nos comunistas: "Eu vivo melhor do que os meus pais e pensava que as minhas filhas iriam viver melhor que eu."

Nesse momento, o secretário-geral do PCP falou por milhões de pessoas. A maioria dos portugueses pensava o mesmo que ele. A realidade, infelizmente, vai-nos demonstrando o contrário dia após dia.

 

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FRASES

Louçã - «Esta troika é a junção dos maiores gastadores da economia portuguesa. Propõe o programa mais recessivo da democracia portuguesa.»

Jerónimo - «Foi o Governo que se deitou abaixo. Não havia razão institucional para que o Governo se demitisse.»

Louçã - «O PS arrastou o País para uma crise gravíssima nos últimos anos, particularmente no último ano. E faltou à verdade aos portugueses.»

Jerónimo - «PS, PSD e CDS têm um programa comum.»

Louçã - «Portugal deve pagar a sua dívida em função da sua economia.»

Jerónimo - «Portugal não estava preparado para essa integração [no euro]. Perdemos competitividade, soberania e maleabilidade monetária.»

 

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ADENDA

Por curiosidade, recordo o que escrevi sobre o debate Francisco Louçã-Jerónimo de Sousa da campanha legislativa de 2009.

Legislativas (3)

Pedro Correia, 10.05.11

  

 

DEBATE JERÓNIMO DE SOUSA-PEDRO PASSOS COELHO

 

Foi um debate correcto e civilizado, quase cordial. Os portugueses, sobretudo nesta fase, apreciam os políticos que não transformam um estúdio de televisão num ringue de boxe. Neste aspecto, o secretário-geral do PCP e o presidente do PSD marcaram pontos esta noite na TVI. E Pedro Passos Coelho até surpreendeu ao concordar quatro vezes com o seu antagonista: sobre a dureza das medidas que deverão ser aplicadas, a necessidade de redução dos custos das empresas, as críticas à política "irresponsável" do Governo de José Sócrates e a confiança no veredicto do povo português a 5 de Junho. Pareceu mais preparado neste frente-a-frente, sobretudo nas questões macro-económicas, e refutou com eficácia a acusação de Jerónimo de Sousa sobre as responsabilidades partilhadas entre sociais-democratas e socialistas em matéria de privatizações ao exibir um gráfico colorido que apontava o PS como destacado campeão neste campeonato.

Passos Coelho teve sorte de principiante. Calhou-lhe, neste seu debate inaugural como dirigente político, talvez o adversário mais adequado. PCP e PSD não partilham eleitorado, o que ajudou a amenizar o tom da contenda. O panorama será bem diferente em futuros debates, designadamente com José Sócrates e Paulo Portas. Ainda assim, faltou algum conteúdo político à prestação do líder social-democrata. Passos transmite por vezes a sensação de estar a candidatar-se a ministro da Economia, não ao cargo de primeiro-ministro. Falta-lhe sobretudo conferir um suplemento de esperança ao seu discurso: não basta acertar no diagnóstico, como a sua antecessora, Manuela Ferreira Leite, aprendeu amargamente na campanha de 2009.

A economia constitui precisamente o calcanhar de Aquiles de Jerónimo, que parece sempre um pouco desconfortável neste tema. O secretário-geral dos comunistas manteve-se fiel aos dogmas do seu partido: é contra toda e qualquer privatização das empresas públicas, diaboliza o capital estrangeiro e alude à "renegociação da dívida" sem fornecer soluções credíveis. O ponto mais acutilante da sua mensagem centra-se nos temas sociais: é-lhe fácil colocar-se do ponto de vista dos mais desfavorecidos - um aspecto tanto mais relevante quanto o nível de vida em Portugal tem vindo nos últimos anos a divergir da média europeia. A boa utilização que faz da linguagem popular é outro aspecto interessante do seu discurso. Um exemplo: "Nas críticas ao Governo PS, só se perdem as que caem no chão."

Algumas questões importantes ficaram sem resposta concludente. O secretário-geral comunista rcusou emitir preferência entre um governo socialista e uma coligação PSD/CDS. E Passos foi incapaz de reagir convictamente quando a moderadora, Judite Sousa, o questionou sobre os motivos da sua aparente incapacidade para fazer descolar os sociais-democratas nas sondagens. "Não lhe sei dizer. Não sou analista de sondagens. Não vou deter-me nessa matéria", limitou-se a dizer.

Resposta naturalmente insuficiente, dada a importância da questão. Resta-lhe, como atenuante, ser caloiro em debates políticos. Esperemos para ver como se portará no próximo. 

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FRASES

Jerónimo - «O PSD é mais troikista do que a troika

Passos - «Vamos ter nos próximos anos um programa bastante duro.»

Jerónimo - «O PSD quer transformar aquilo que é fundamental para o ser humano [água] num negócio.»

Passos - «Estamos desesperados. Não temos dinheiro [em Portugal] para pagar salários.»

Jerónimo - «Há dinheiro. Onde é que ele está? É preciso ir buscá-lo.»

Passos - «Quando um país tem que reestruturar a dívida, paga um preço elevado por isso.»

Jerónimo - «O PSD esteve sempre com esta política [do PS]. Sempre invocando o interesse nacional. O interesse nacional tem as costas largas.»

Passos - «O Estado deve meter-se cada vez menos nos negócios para ganhar força na regulação.»

Jerónimo - «[Passar do governo PS para um governo PSD] é como sair da frigideira para cair no lume.»

Passos  - «As pessoas, quando forem votar, têm que decidir se querem mudar ou não.»

 

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ADENDA

Por curiosidade, recordo o que escrevi sobre o debate Manuela Ferreira Leite-Jerónimo de Sousa da campanha legislativa de 2009.

 

Legislativas (1)

Pedro Correia, 06.05.11

 

 

DEBATE JERÓNIMO DE SOUSA-PAULO PORTAS

 

Os debates eleitorais para as legislativas de 5 de Junho arrancaram esta noite, na RTP, opondo o secretário-geral do PCP ao presidente do CDS-PP. Foi um bom frente-a-frente: sem chavões nem retórica, sem tempos mortos. Paulo Portas e Jerónimo de Sousa surgiram em estúdio com tácticas opostas: o democrata-cristão emitiu várias declarações de simpatia em relação ao líder comunista, sem retribuição. Começou logo por lhe chamar "meu caro colega", revelou aos telespectadores que ele e Jerónimo se dão "pessoalmente bem" e chegou a lembrar que o seu grupo parlamentar votou favoravelmente uma resolução do PCP contra a degradação do salário mínimo. Prestou até homenagem ao partido da foice do martelo acentuando que "só há dois partidos que falam a sério sobre agricultura na Assembleia da República - o CDS e o PCP."

O secretário-geral comunista optou, pelo contrário, por marcar distâncias: tratou sempre o seu interlocutor por "doutor Paulo Portas" e não tardou a lembrar que o CDS é um dos partidos signatários do recente memorando de entendimento com o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia. Um acordo que o PCP considera de lesa-pátria. Portas deu-lhe réplica com uma advertência que repetiu quatro vezes e se tornou a frase central do debate: "Não se engane de adversário, Jerónimo de Sousa."

Ambos veteranos de debates eleitorais, Jerónimo e Portas confirmaram méritos anteriormente revelados em televisão. O líder comunista transmite sempre uma imagem de convicção e sinceridade, apesar de não evitar a repetição de clichés discursivos que soam algo estafados - expressões como "um governo patriótico e de esquerda" e "os que menos têm e menos podem". O presidente democrata-cristão tem uma grande destreza argumentativa, bem patente quando rebateu com eficácia as soluções comunistas alternativas ao resgate financeiro de 78 mil milhões de euros, nomeadamente a venda de fundos públicos para comprar dívida pública: "Isso não excederia cinco mil ou seis mil milhões de euros. Portugal precisa quatro vezes mais que isso."

Jerónimo apela sobretudo à consolidação do seu eleitorado clássico, mais envelhecido: "Quem trabalhou uma vida inteira tem direito à sua reforma." A Portas, obviamente embalado pelas boas sondagens, interessa roubar votos tanto a eleitores irritados com a governação socialista como com a inépcia dos sociais-democratas em assumir-se como oposição credível. Lembrou que o seu grupo parlamentar nunca aprovou PEC algum e só deu luz verde ao acordo com a troika por este motivo muito simples: "Já não havia dinheiro para pagar salários e pensões."

O moderador do frente-a-frente, Vítor Gonçalves, é um bom jornalista mas falta-lhe visivelmente rodagem e rotina para uma missão deste género: em certas ocasiões mais parecia estar ali na qualidade de cronometrista. Não havia necessidade: Jerónimo e Portas são dois políticos bem experientes que nunca deixam de ter a lição estudada. Nenhum deles precisa que alguém lhes indique as horas. O líder comunista sabe que é tempo de ajustar contas nas urnas com um Bloco de Esquerda em queda contínua. O dirigente máximo do CDS não tem dúvida de que chegou o momento de regressar ao Governo, seja com quem for. Está escrito nas estrelas e tem data marcada: 5 de Junho, ao cair da noite.

 

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FRASES

Jerónimo - "Este acordo [com o FMI e o BCE] tem a assinatura do CDS para o congelamento dos salários e pensões, e para o aumento das taxas moderadoras. Não dá a cara com a careta."

Portas - "Não se engane de adversário, Jerónimo de Sousa."

Jerónimo - "Como é que os bancos, com mais lucros, pagam metade dos impostos?"

Portas - "Eu não fico parado quando o meu país fica a semanas de não pagar salários e pensões."

Jerónimo - "Há momentos em que é preciso dizer não. Não quisemos passar credencial nem reconhecer legitimidade a quem quis impor condições leoninas à nossa soberania."

Portas - "Quem manda em Portugal é o povo português que vai votar a 5 de Junho."

Jerónimo - "Ó doutor Paulo Portas, aqueles que muito dificilmente chegarão ao Reino dos Céus continuarão a estar no paraíso deixando o inferno à maioria dos portugueses."

Portas - "Eu não sou pela luta de classes. Sou pelo compromisso entre trabalhadores e empregadores."

Jerónimo - "Muitos portugueses sérios não estão no meu partido."

Portas - "Gente séria há em todos os partidos, Jerónimo de Sousa.

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ADENDA

Por curiosidade, recordo o que escrevi sobre o debate Jerónimo-Portas da campanha legislativa de 2009.

Kim ou Lula, tanto faz

Pedro Correia, 26.05.10

 

 

Jerónimo de Sousa diz que lhe é indiferente que seja a selecção do Brasil ou a da Coreia do Norte a passar à fase seguinte da final do Campeonato do Mundo de futebol. O mesmo é dizer, por outras palavras, que lhe é indiferente a vitória de um país a que chamamos irmão quando confrontado com um outro governado há 60 anos por um partido a que só o PCP é capaz de chamar irmão (neste caso, ao contrário de outros, a família escolhe-se). O mesmo é dizer que tanto faz pertencer à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa ou à lista dos países que mais violam os direitos humanos, segundo a prestigiada Amnistia Internacional.

O secretário-geral do PCP, no fundo, recusa optar entre Lula da Silva e Kim Jong-il - apesar de Lula ser um antigo operário metalúrgico que constitui motivo de orgulho para a esquerda mundial e Kim Jong-il ser o herdeiro da despótica dinastia Kim, que envergonha a mesmíssima esquerda à escala planetária.

Ao evitar optar, Jerónimo opta. A sua declaração, que mais português nenhum fora da sede da Soeiro Pereira Gomes subscreveria, é outra forma de reiterar o que o líder parlamentar comunista declarou há uns anos: que talvez a Coreia do Norte seja uma democracia. Assim como o Brasil.

Enfim, um golo escandaloso na própria baliza. Este PCP não tem emenda.

A cassete comunista

Pedro Correia, 18.11.09

No debate do Estado da Nação de 2007, em 20 de Julho desse ano, Jerónimo de Sousa afirmou na Assembleia da República que Portugal se havia transformado num "país mais injusto".

Em 15 de Outubro de 2008, falando em Aveiro, afirmava que "o nosso país está hoje mais injusto e desigual, mais endividado e mais dependente".

Um ano depois, em 14 de Março de 2009, o diagnóstico do secretário-geral do PCP foi muito semelhante: "O país está pior, mais injusto, desigual e endividado." Na Festa do Avante!, em Setembro, o mesmo mote: "O país está agora ainda mais frágil e mais debilitado do que estava em 2005", declarou Jerónimo a 6 de Setembro. Alguns dias depois, a 18, o líder comunista atacava o Código de Trabalho sublinhando que José Sócrates havia tornado o País "mais desequilibrado e mais injusto".

Já este ano, a 23 de Março, ao convocar uma manifestação de protesto contra o Governo o PCP lamentava que o País se tenha tornado "mais desigual, mais injusto, mais dependente e menos democrático".

Mais recentemente, no editorial do jornal Avante! de 5 de Novembro, pode ler-se:"Com o capitalismo dominante, o mundo é, hoje, menos democrático, menos livre, menos justo, menos fraterno, menos solidário, menos pacífico."

Depois disso, a 7 de Novembro, o secretário-geral do PCP justificou o facto de não celebrar o derrube do Muro de Berlim por haver hoje “um mundo mais injusto, mais desigual, menos democrático, com mais guerra”.

Sempre a música do costume: vira o disco e toca o mesmo. Deve ser a isto que alguns chamam a cassete comunista, que remonta aos tempos pré-históricos. Ninguém lhes arranja um DVD?