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Delito de Opinião

Viagem a Israel (10).

Luís Menezes Leitão, 03.01.20

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Antes de entrar nas muralhas de Jerusalém encontra-se o Monte Sião com o túmulo do Rei David e o Cenáculo onde teria tido lugar a última ceia. Como o lugar data da época das cruzadas é manifesto que nunca poderia estar aqui o túmulo de David. No entanto os judeus começaram a querer prestar veneração ao lugar, o que ainda hoje fazem. Na altura foram impedidos de o fazer pelos franciscanos, o que levou os judeus a apelar para o Sultão do Cairo, Barsbay, que não esteve com meias medidas e expulsou ambos os infiéis, que ocupavam o túmulo do Profeta David. Consta que mais tarde, quando Suleimão o Magnífico, se apercebeu que o túmulo estava fora das muralhas que mandara construir, mandou executar os dois arquitectos, dizendo os guias que os seus corpos foram colocados nas muralhas. Se a lenda é melhor do que o facto, imprima-se a lenda.

Viagem a Israel (9).

Luís Menezes Leitão, 02.01.20

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Benjamin Disraeli escreveu que “a vista de Jerusalém é a história do mundo; é mais do que isso; é a história do céu e da terra”. É pelo menos a cidade do mundo mais vezes conquistada e mais vezes destruída. Primeiro por Nabucodonosor, Rei da Babilónia, em 587 a. C., depois pelo Imperador Tito em 70 d. C., e finalmente pelo Imperador Adriano em 135 que até lhe mudou o nome para Elia Capitolina. Sempre a cidade se reergueu mas sempre se transfigurou. No Monte Moriá, onde Abraão tentou o sacrifício de Isaac, e onde Salomão construiu o seu templo, ergue-se hoje a muito islâmica Cúpula da Rocha. Mas os historiadores refizeram em maqueta o que foi antigamente esta cidade.

Viagem a Israel (8).

Luís Menezes Leitão, 02.01.20

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É interessante em Belém a visita à Basílica da Natividade. A Basílica teve a sorte de ser poupada à destruição dos lugares santos pelos persas, ao que consta, porque viram que um dos Reis Magos tinha um turbante persa. A porta de entrada está reduzida em relação ao que era na época das cruzadas e na época bizantina para não deixar entrar invasores montados a cavalo. Lá dentro encontram-se três igrejas, Arménia, Católica e Ortodoxa e a gruta onde segundo a tradição terá nascido Jesus Cristo, lugar onde só se acede depois de aguardar horas na fila. Historicamente é pouco credível o nascimento de Cristo em Belém, que fica a 200 km de Nazaré. A deslocação é explicada pela necessidade de obedecer a um censo, mas o censo de Quirino só teve lugar em 6 d.c., vários anos após o nascimento de Jesus. Mas era importante para se cumprirem as profecias o seu nascimento na cidade do Rei David, e ainda hoje é lá que o mesmo se assinala.

Viagem a Israel (6).

Luís Menezes Leitão, 01.01.20

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Em Nazaré vale a pena ver a Basílica da Anunciação, construída sobre o lugar onde, segundo a lenda, Maria terá recebido a visita do anjo Gabriel e que como tal é venerado pelos cristãos desde o século I. Em latim surge a frase “verbum caro hic factum est”: Aqui o verbo se fez carne. A Basílica recebe imagens de Maria vindas de todo o mundo não faltando sequer uma de Fátima.

Viagem a Israel (5).

Luís Menezes Leitão, 31.12.19

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Subida ao Monte das Bem-Aventuranças onde, segundo a lenda, Cristo terá proferido o sermão da Montanha. Curiosamente a paisagem é verde, como todo o Norte de Israel, ao contrário da representação habitual desta cena nos filmes. Por todo o lado surgem estes versículos, de enorme beleza literária. Mas é especialmente curioso encontrar este texto como agradecimento pelo salvamento de centenas de milhar de refugiados vietnamitas, que fugiram de barco após a invasão de 1975. Faz-nos recordar os migrantes que todos os dias arriscam a vida nas águas do Mediterrâneo às portas da Europa.

Viagem a Israel (4).

Luís Menezes Leitão, 30.12.19

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A norte de Haifa encontra-se Acre, a cidade conquistada a Saladino por Ricardo Coração de Leão que depois a entregou à Ordem dos Hospitalários. Uma fortaleza imponente onde a memória dos Cruzados se encontra presente. Mas a fraqueza dos Cruzados está patente na célebre mensagem que Ricardo Coração de Leão dirigiu a Saladino, desejando uma batalha breve pois pretendia ir passar o Natal no seu país. Saladino respondeu que não se preocupava com esse assunto pois estava no seu país, onde iria passar o ano todo e os anos seguintes se fosse necessário. Uma vitória com tropas estrangeiras é sempre efémera. Mas fica para a eternidade o registo da sua passagem por esta terra.

Viagem a Israel (3).

Luís Menezes Leitão, 30.12.19

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Impressionante a vista de Haifa a partir do Monte Carmelo, onde se encontra um mosteiro que simultaneamente presta culto ao Profeta Elias e a Nossa Senhora do Carmo. Mais à frente encontram-se os jardins que servem de santuário à Fé bahá’i, uma religião monoteísta de origem persa. Mais uma vez a enorme diversidade religiosa deste país. Na primeira fotografia vê-se o Líbano ao fundo.

Viagem a Israel (2).

Luís Menezes Leitão, 29.12.19

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É imperdível uma visita a Cesareia Marítima, a cidade fundada pelo Rei Herodes, o Grande, onde se encontram importantes ruínas romanas, como o teatro e o hipódromo, onde se organizavam os jogos de circo. Aqui foi descoberta em 1961 uma pedra que relata uma homenagem feita ao Imperador Tibério por Pôncio Pilatos, prefeito da Judeia, o único registo desta célebre personagem do evangelho. Mas do magnífico palácio do Rei Herodes, construído junto ao mar, resta apenas o chão e uma muralha, que teima em não ser engolida pelas águas. Sic transit gloria mundi.

Viagem a Israel (1).

Luís Menezes Leitão, 27.12.19

Se há coisa que impressiona na velha Telavive (Jaffa) é a diversidade religiosa. Logo atrás de uma mesquita aparece a Igreja de São Pedro, uma igreja católica franciscana, que representa a visão de Pedro, de que os cristãos poderiam comer quaisquer animais, deixando de estar sujeitos às interdições alimentares judaicas. Mais abaixo surge a casa de Simão, o curtidor, que se diz ser o lugar onde Pedro terá tido essa visão. A missa na Igreja está a ser celebrada em indonésio para visitantes desse país, o que ainda torna mais cosmopolita este lugar.

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Festivais, petições e artistas parvos

João Pedro Pimenta, 17.05.19

Ao contrário do que se chegou a vaticinar por algum público prematuramente eufórico e por alguns músicos demasiado convencidos do seu poder intuitivo, Conan Osíris ficou pelo caminho na sua primeira actuação no festival da Eurovisão, em Telavive, e nem à final vai. Não era difícil imaginar que aqueles requebros com uma música que não destoaria dos saudosos Cebola Mol só por delírio poderia ganhar o certame, por muito freak que o espectáculo se tenha tornado (vide a vencedora do ano passado). Além de que os israelitas desconfiam dos egípcios, pelo que um concorrente com o nome "Osíris" não teria muitas facilidades. Mas passado o infortúnio (ou a salvação da honra da pátria, não sei), lembrei-me de um episódio recente que data da escolha do representante português no festival.

 

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Em carta aberta, quarenta "artistas portugueses" pediram a Conan Osíris que não fosse actuar em Israel porque isso seria "ignorar o cerco ilegal que Israel mantém em Gaza". Pelo meio, falavam de como Osiris "conseguiu deslumbrar Portugal com a sua música e honestidade".

Não sei o que é que era mais delirante na carta: se acharem que a música do vencedor do festival da canção "deslumbrou Portugal", se toda a inflamação contra Israel. Entre os subscritores encontrava-se um ou outro nome mais respeitável, como Afonso Cruz ou Pedro Lamares, que dificilmente se percebe o que faziam ali, mas outros, como Alexandra Lucas Coelho, eram tão previsíveis que só de se ler o conteúdo da missiva se imagina que tais pessoas tinham alguma coisa a ver com aquilo.

Não que o estado de Israel não tenha as suas responsabilidades na desgraça que é Gaza. Já não estamos exactamente nos anos cinquenta para referir sempre as ameaças externas ao estado judaico. O Egipto e a Jordânia têm relações diplomáticas com Israel, e a Síria tem bem mais com que se preocupar internamente. A norte, é certo, há sempre as preocupações com o Hezbollah, amparado pelo Irão, e também de Gaza constantemente voam rockets para território israelita. A política de colonatos, que serve sobretudo para atender ao crescente número de ortodoxos, não ajuda a apaziguar a situação. E a forma como muitas vezes os soldados tratam os palestinianos de Gaza, da Cisjordânia, a começar pela circulação entre territórios, não é digna de um país de cultura ocidental. A reeleição do oportunista e revisionista Bibi Netanyahu, que parece ter mais vidas que um Macabeu, entre acusações de corrupção, aliados desavindos e coligações adversárias potencialmente perigosas, agrava ainda mais as coisas.

O problema é que se Israel abusa da sua posição de força, os povos que os rodeiam conseguem fazer pior. Os palestinianos não têm grandes razões para elogiar o Hamas e a Fattah. Justamente há dias voltaram a lançar rockets contra povoações israelitas, provocando vítimas (a que as forças armadas de Israel responderam com ainda mais vítimas). E convém lembrar que entre 1948 e 1967 os judeus foram todos expulsos da Cidade Velha de Jerusalém e não se podiam aproximar sequer do Muro do Templo, o seu lugar mais sagrado. Os muçulmanos continuam a poder circular por toda a parte e não consta que a Cúpula do Rochedo e a Mesquita Al Aqsa lhes tenham sido vedadas.

Por isso, toda essa verborreia contra o festival em Israel não passou de um aproveitamento político mal disfarçado. Aliás, já antes um conjunto de associações tinha feito igual pedido, e entre elas figurava o patusco colectivo Panteras Rosa, um grupo que combate a "LesBigay transfobia", e que provavelmente ignora que Israel é o único país da zona que respeita os direitos LGBT (sim, há mesmo uma parada gay anual em Jerusalém). Mas tendo em conta que o porta-voz desse grupo é um dos 25 que abandonou recentemente o Bloco de Esquerda por considerá-lo "pouco radical", percebe-se um pouco melhor esta aparente esquizofrenia.

Pelo meio, uma voz um pouco mais conhecida e com uma velha e conhecida obsessão por Israel tinha entrado em cena: a de Roger Waters. O antigo Pink Floyd e autor de The Wall enviou uma carta ao "jovem e talentoso cantor português", cuja canção traduziu e achou "bastante profunda", pedindo-lhe para ser "o finalista que seria lembrado por se ter colocado do lado certo da história", o do "amor, paz verdadeira e justiça". Como se sabe, Osíris nem sequer chegou à final, pondo em causa a carreira de áugure de Waters, mas também lhe deu uma resposta evasiva, depois de dias sem lhe responder.

A verdade é que as escolhas políticas de Roger Waters são muito duvidosas. Por essa altura, reafirmou o seu entusiástico apoio ao regime da Venezuela, acusando a oposição de fazer parte da "agressão norte-americana, e surgiu num vídeo, elogiando "a experiência socialista bolivariana", com umas palavrinhas em espanhol, decerto para melhor demonstrar a sua fraternidade com Maduro, e uma guitarrada medíocre, terminando com um "viva la revolucion". E de onde falou, o intrépido artista? Da Suíça, esse farol de rebeldes e de defensores dos desvalidos. Apoiar o bolivarianismo sim, mas só nos intervalos dos desportos de Inverno, entre idas ao banco para inspeccionar as contas que aumentaram com a venda de dezenas de milhões de discos e digressões ciclópicas.

Lembrei-me que aqui há uns anos estive tentado a ir ver o concerto The Wall Live ao pavilhão Atlântico. Mas depois achei que o custo não valia o esforço e que aquilo era demasiado maçador. Depois de ouvir as opiniões políticas de Waters, e mesmo fazendo a destrinça entre o artista e a sua obra, concluo que foram os trinta euros (só do concerto) mais bem poupados da minha vida.

Acre, cobiçada por todos, pertencente a muitos

João Pedro Pimenta, 28.03.19

Não sendo imune ao chamamento das grandes metrópoles, tenho uma particular atracção pelas cidades médias ou pequenas, que tantas vezes fogem ao roteiro dos guias turísticos e às campanhas das agências e das companhias aéreas. E sobretudo as que têm uma amálgama de influências culturais diversas e uma historia respeitável.

Acre cumpre totalmente esses requisitos. Está ali na ponta da baía de Haifa, com essa cidade portuária do outro lado, dominada pelo monte Carmelo, e o Líbano a poucos quilómetros a norte. Vem de tempos imemoriais, e desde a Antiguidade que é um dos principais portos do Levante. Por ela passaram fenícios, persas, egípcios, judeus, gregos, macedónios, romanos, bizantinos, árabes, cruzados europeus, turcos, ingleses e de novo judeus. Sofreu inúmeros cercos e conquistas. O mais famoso terá sido o de 1291, quando era o último bastião do Reino Latino de Jerusalém, e caiu nas mãos dos mamelucos egípcios. Os vestígios cruzados nunca desapareceram totalmente, mas a arquitectura e a configuração da cidade alteraram-se bastante com os seus novos ocupantes, e sobretudo com os turcos, que se lhes seguiram. Napoleão também tentou apoderar-se daquele ponto estratégico, no seguimento da campanha no Egipto, mas o seu cerco não surtiu efeito e os otomanos resistiram. Acre passaria ainda para as mãos dos ingleses, no decorrer da Grande Guerra, que a mantiveram durante o Mandato Britânico da Palestina, e estava incluída no território palestiniano projectado com a divisão do território planeada pela ONU, mas o primeiro conflito entre os países árabes e o novo estado de Israel determinaria que ficasse no território deste.

A cidade novo de Acre, moderna e sem graça, é habitada por judeus. Ultrapassada a primeira cintura de muralhas, já do tempo dos turcos, entra-se numa cidade quase exclusivamente árabe e turca. Mas os vestígios do passado pré-muçulmano estão lá. A antiga cidadela dos Hospitalários impõe-se e recebe os visitantes no seu comprido refeitório, nas suas torres e na praça de armas desta ordem que depois de andar séculos entre ilhas do Mediterrâneo com a "casa às costas, converteu-se na actual Ordem de Malta. O edifício serviu já no século XX de prisão de rebeldes judeus que combatiam o Mandato Britânico da Palestina.

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A partir daí começa a cidade árabe, com a esplendorosa mesquita turca El Jazzar, e segue-se o miolo urbano formado por ruelas serpenteantes que se desdobram em mais ruelas, num labirinto interminável e algo espantoso numa cidade de dimensão reduzida. Ao contrário do resto do país, as placas estão quase todas em árabe, não em hebreu, nem são bilingues. Sucedem-se pequenos souks ou lojas de rua. Mas mais uma vez a herança cruzada (já) não está totalmente escondida. Nos anos noventa, um banal problema de terrenos levou à descoberta de um túnel subterrâneo, com centenas de metros de extensão, pertencente aos antigos templários, que se acolhiam do lado ocidental da cidade, quase junto ao mar. O túnel começa precisamente junto às muralhas já a tocar na água e desemboca num dos muitos becos do centro. Nalgumas extensões não ultrapassa o metro e meio de altura e naturalmente a humidade invade-o. Nas paredes de blocos graníticos, e entre os arcos de ligação, podem-se ver algumas explicações gráficas da obra, enquanto uma gravação nos tenta explicar os contornos daquela construção. Hélas, está em hebraico e os esforços são inúteis. Mas imagina-se o afã dos cavaleiros do Templo em tempo de cerco.

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Pelo bairro, pelas muralhas batidas pelas ondas, no pequeno ancoradouro, outros nomes trazem-nos as memórias de antigos detentores do burgo: praça dos genoveses, praça dos venezianos, bairro dos templários, porto pisano, etc. Os baluartes defensivos são já quase todos do tempo dos turcos, mas pode-se imaginar, até em pequenos troços do seu tempo, os cruzados a defender tenazmente o último bastião do condenado Reino Latino. Será mais fácil pensar que aqueles mesmos muros resistiram às tentativas inúteis de Bonaparte de tomar a cidade. Os canhões que ainda lá estão decerto testemunharam este episódio. Agora são testemunhas de um belíssimo pôr-do-sol, com a silhueta de Haifa do outro lado da baía.

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Se os templos são quase todos muçulmanos, avista-se também uma ou outra igreja, como a maronita encostada à muralha. E além da arquitectura militar e religiosa, há outros edifícios notáveis, como o Khan al-Umdan, o único caravançarai em território israelita que se pode arrogar desse título, uma construção imensa com um amplo terreiro rodeado de arcos, e rematada por uma torre do relógio, que domina a vizinha Praça dos Venezianos. Diz-nos a sempre prestável Wikipedia que neste edifício é que Bahá 'u`lláh, refugiado da Pérsia, começou a divulgar as suas ideias religiosas numa escola para o efeito, começando aí a pregação da fé Bahai, cujos principais templos podem ser encontrados à volta de Acre e sobretudo em Haifa. Nas redondezas há ainda os banhos turcos e a Khan al Sawarda, uma praça mercantil rectangular com uma curiosa fonte no meio, de arquitectura indiscutivelmente otomana. Tudo isto a dois passos do porto, outrora comercial e de guerra, hoje mais ligado à pesca e ao turismo, a única parte que não está rodeada de muralhas. Acre, a antiga cidade dos cruzados que pertence a Israel mas que permanece árabe/turca; a comprová-lo, a voz do muezzin ouve-se nos altifalantes das mesquitas ao fim da tarde e ecoa sobre todas aquelas memórias.

Nota: talvez o muezzin fosse novo, já que ocorreu há pouco tempo uma curiosa história: o responsável pelo chamamento dos fieis da mesquita El-Jazzar era reconhecido como tendo uma voz "que nem em Meca se encontrava uma tão bela". Mas dedicava-se também à musculação e ao bodybuilding, e tinha até representado Israel em competições internacionais da modalidade. Ora o responsável ministerial pelos assuntos religiosos considerou que tal prática não era compatível com a de muezzin, até pela exposição pública com pouca roupa, e determinou a sua demissão do posto. A decisão despoletou vários protestos entre os muçulmanos de Acre, que consideraram que as duas coisas não eram incompatíveis, e que pediam ao menos uma segunda oportunidade, mas tudo leva a crer que será em vão. Resta ao inconformado ex-muezzin dedicar-se agora em exclusivo ao seu próprio ginásio.

O (quase) silêncio da Fatah

Alexandre Guerra, 15.05.18

A Grande Marcha de Retorno esbarrou literalmente na vedação que delimita a Faixa de Gaza do território de Israel. Era uma iniciativa que estava condenada desde o início. A ideia de uma caminhada triunfal de milhares de palestinianos até Jerusalém não seria mais do que uma fantasia, uma tentativa de reabilitar as intifadas de anos anteriores, numa espécie de grito de revolta por parte de quase dois milhões de pessoas desesperadas, que há vários anos estão autenticamente presas num território com cerca de 40 quilómetros de cumprimento e 10 de largura, onde as condições de vida se degradaram para níveis miseráveis, reflectindo-se em indicadores sociais muito preocupantes.

 

É importante sublinhar que, hoje em dia, quando se fala na causa palestiniana e num futuro Estado palestiniano, na verdade, o que está em análise são duas realidades distintas. Não quer isto dizer que ambas não possam vir a coexistir sob um único Governo e estrutura política, mas, actualmente, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza são dois mundos substancialmente diferentes. E se isso já era evidente há uns anos ao nível social e religioso, sendo Gaza uma sociedade claramente mais conservadora do que a Cisjordânia, agora, em 2018, as diferenças são consideráveis no campo político-económico, sobretudo, por duas razões.  

 

A primeira razão tem a ver com a morte de Yasser Arafat, em 2004, e a consequente perda de influência da Fatah na Faixa de Gaza. Recordo de ter estado em várias casas de famílias palestinianas na Faixa de Gaza e, quase sempre, numa das divisões havia uma fotografia do histórico líder. Isto, numa altura em que a Fatah já tinha pouca influência naquele território, mas onde Arafat continuava a ser o elemento político unificador. Após o seu desaparecimento, o Hamas rapidamente ascendeu ao poder, ao mesmo tempo que reforçava a sua presença na gestão dos serviços públicos e no apoio social. Ora, com a Cisjordânia historicamente dominada pela Fatah e a Faixa de Gaza nas mãos do Hamas, criou-se uma dualidade política que resultou em duas estruturas de poder diferentes e, por vezes, competitivas naquilo que é a luta pela liderança da causa palestiniana.

 

A outra razão está directamente relacionada com o bloqueio imposto por Israel que, basicamente, já vem dos tempos da intifada de al-Aqsa (2000-2005). Por esta altura, estive por duas vezes naquelas paragens e já então os palestinianos da Cisjordânia não podiam ir visitar os seus familiares à Faixa de Gaza e vice-versa. Era assim e assim continuou. E na altura cheguei a perguntar a muitos palestinianos como eram os tempos anteriores à intifada de al-Aqsa e todos me disseram que nem na primeira intifada (a chamada “revolta das pedras” entre 1987 e 1991) Israel tinha imposto tantas restrições de movimentos. Pois bem, os anos passaram e esse estrangulamento foi-se intensificando na Faixa de Gaza, com a agravante dos bombardeamentos israelitas em 2014 sobre aquele enclave, destruindo, ainda mais, muitas das suas infraestruturas públicas e de saneamento. Ao mesmo tempo, sem aeroporto e porto, e com as fronteiras encerradas com Israel (restando apenas a fronteira de Rafah Crossing com o Egipto, mas que muitas vezes está fechada), a débil economia da Faixa de Gaza foi-se degradando, empurrando a população palestiniana para um caos humanitário.

 

Na Cisjordânia, apesar das dificuldades existentes, tudo é diferente. Há uma estrutura de poder minimamente estável, os serviços públicos funcionam, existe uma economia, as universidades fervilham de actividade, os restaurantes e café estão abertos nas várias cidades palestinianas, digamos que há uma certa dinâmica de sociedade. Além disso, a circulação entre a Cisjordânia e Israel, através de vários postos de controlo ao longo da fronteira, é muito mais facilitada.

 

Este enquadramento talvez seja importante para se perceber a passividade com que a Fatah e os palestinianos na Cisjordânia estão a encarar esta sublevação. Na verdade, dos relatos que chegam da Cisjordânia, registam-se apenas alguns confrontos em Hebron e Nablus, mas pouco significativos e nada comparáveis aos protestos de Gaza. Tudo indicia que a Fatah não está interessada em promover uma nova intifada. A única declaração que se encontra é esta, algo inócua, na qual se apela ao mundo muçulmano para proteger Jerusalém. Ainda esta manhã, a BBC News passava imagens em directo da rotunda Al Manara, em Ramallah, onde, normalmente, se concentram manifestações, e o ambiente era estranhamento calmo para aquilo que costuma ser em momentos de contestação e que eu, pessoalmente, lá vivi em diversas ocasiões.

 

A questão é saber se neste momento interessa à Autoridade Palestiniana e à Fatah abraçarem a causa dos seus "irmãos" da Faixa de Gaza, sabendo de antemão que qualquer acto mais agressivo contra Israel terá consequências dramáticas na Cisjordânia, em cidades como Ramalhah, Belém, Hebron ou Nablus. Do que se vai percebendo, a Fatah e o poder instalado em Ramalhah não parecem estar dispostos a sacrificarem a sua condição para dar força a uma terceira intifada. Para já, os palestinianos na Faixa de Faza estão entregues à sua sorte, como aliás, tem acontecido há quase 20 anos.   

Eurovisão. Fui lá espreitar

Marta Spínola, 14.05.18

A Eurovisão para mim é da infância, remete-me para os anos 80 e o video beta que havia lá em casa. Tinhamos alguns festivais gravados e eu via-os de enfiada, cantarolava e dançava o que podia. Lembro-me de algumas músicas improváveis como a da Holanda em 86 (quatro miúdas, na altura mulheres para mim, que pareciam vestidas pela Migacho), ou a Turquia em 85 (Didai didai didai) que eu cantava destemidamente sem pensar se percebia a língua, numa ousadia típica de criança. Já não falo do hinos da minha infância que foram "Sobe sobe, balão sobe", "Playback" e "Bem Bom". 

Não sou, nem vou agora fazer-me passar por pessoa que segue a Eurovisão todos os anos, de há muito tempo para cá. Vou sabendo quem é a música portuguesa, sei depois vagamente quem ganhou, ou no limite, se estou em casa, acompanho a final como barulho de fundo. Claro que o ano passado, até porque me calhou trabalhar nessa dia, vi a vitória do Salvador Sobral cheia de nervos no twitter, onde muita gente como eu, não estava habituada a estas votações com público e tudo.

Falemos das pontuações. Já não há júri a dizer todos os pontos que dá a quem. Ainda há um júri que fala por cada país, mas só referem os ambicionados 12 pontos, twelve points, douze points. O resto é acompanhar no ecran como se puder. E é aqui que começam países a desandar sorrateiramente na tabela se não se estiver antendo. Mas piora quando chegam os pontos do público porque os valores são outros e há concorrentes que dão pulos enormes até ao podium (foi o caso da Itália ontem). O ano passado foi divertido e com muitos nervos porque havia mais gente no twitter com atenção à votação, e quando chegou a esta parte, nós, os que ignorávamos como funcionava, íamos tendo uma síncope. O final, é sabido, foi feliz para Portugal. Foi uma boa noite de twitter.

Mas tudo isto para dizer, que tive oportunidade de ir assisitir in loco à final organizada por Portugal, e gostei muito. Como evento é espectacular. Muita luz e cor, tudo a funcionar ao minuto, um ambiente feliz e de festa, pessoas de todos ou quase todos os países em prova a circular por Lisboa durante a semana. Gostamos muito disto. Ou gosto eu. No Euro2004, na websummit, na Eurovisão, perceber de onde vê e para onde vão.

Uma coisa que pude verificar é que apesar de virem com as cores dos seus países, não torcem necessariamente só por estes. Durante as actuações havia reacções unânimes à música da Austria, da Estónia, de Chipre, Israel, Espanha, Austrália e Reino Unido, por exemplo. Também se verifica este comportamento durante as votações. Há uma diplomacia admirável. Ali estava eu, habituada a escolher o lado e ser-lhe leal até ao fim, meio amudadinha com a falta de pontos para Portugal mesmo gostando de outras canções, e os habitués aproveitavam, aplaudiam, gritavam de exctiação cada vez que alguém se adiantava no primeiro lugar. Saudável esta forma de ver uma competição, sem dúvida. Só quando Montenegro deu 12 pontos, twelve points, douze points à Sérvia se ouviu um "buuuuu" geral, mas até isso foi curioso de perceber. 

No fim como sabemos, venceu Israel com aquele espalhafato todo. Não sou contra, a votação até já conta com o público, e foi o público que catapultou Netta e o seu Toy para o primeiro lugar. Mas dificilmente nos lembraremos das outras 25 daqui a um ano. 

Isto era tudo para "branquear"

João Pedro Pimenta, 14.05.18

Sem querer passar por áugure, a fraca votação da canção portuguesa do Eurofestival da Canção não era propriamente imprevisível. Quem achou que tinha alguma hipótese de ganhar que se acuse. Porque para isso, em primeiro lugar, seria bom saber cantar. A música nem era má de todo - não era pior do que muitas das que se apresentaram a concurso, incluindo a vencedora, a que Salvador Sobral se referiu sabiamente como sendo "horrível" - mas a interpretação, com miados e sem conseguir chegar ao fim das notas, era sofrível.

 

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Mas escapam-me os critérios para apurar os vencedores: em primeiro lugar ficou uma canção pop cantada em inglês, de uma israelita gordinha vestida de gueixa (deve ser por isso que estavam sempre a falar de "diversidade"), que parece que versava sobre a igualdade das mulheres, e os direitos sociais, e em segundo uma cantiga fogosa (tanto que o título era Fuego), de uma cipriota com silhueta agradável e uma coreografia a tentar passar por uma Shakira do Levante, talvez por ser proveniente da "Ilha de Afrodite". Fosse eu a decidir e ficavam mais cá para o fim, ao contrário das músicas candidatas de Itália, Áustria ou Letónia, mas como sou um leigo na matéria tenho de me render às evidências. Não há como uma vitória portuguesa para nos dar algum interesse pelo evento.

 

Entretanto, e como o Luís já recordou, alguns "activistas", entre os quais o sempre pronto Bloco de Esquerda, encetaram uma campanha de boicote à música de Israel, porque esta, apesar de apelar a valores que à partida seriam caros aos bloquistas, era "uma forma de branquear a opressão do povo palestiniano  e a acção terrorista de Israel a nível internacional". Para além disso, consta que a autora esteve na marinha israelita (previsivelmente no tempo obrigatório de serviço das forças armadas israelitas), cuja missão parece que é "manter a Faixa de Gaza sob um bloqueio cerrado, manter o porto de Gaza bem fechado, manter a economia de Gaza totalmente paralisada e a população à beira do desastre humanitário total". Pior: a cantora entretinha os marinheiros com as suas músicas (o que já de si é um indício à notória cultura patriarcal e machista), em especial de um barco que anos mais tarde dispararia sobre palestinianos em Gaza, o que a torna cúmplice, por conhecimento prévio, desses crimes futuros.

 

A música, como se sabe, ganhou com os votos do público, indiferente à vileza da cantora, ao branqueamento dos crimes de Israel e aos sábios avisos dos pupilos de Catarina Martins (perdão, pupilxs, que como se sabe ali não há diferenças de género). Felizmente que se tratava do Bloco, feroz adversário de todos os preconceitos e fobias, senão poder-se-ia pensar que se tratava de puro anti-semitismo. Nunca a amálgama dos movimentos que em tempos aclamavam Mao, a Albânia e Trostky, esse judeu, poderia ser anti-semita.

 

O problema é que a vitória de Israel no eurofestival dá-se numa altura em que o país atacou posições iranianas em plena Síria e nas vésperas de completar setenta anos. Teme-se que o entusiasmo e os festejos provoquem mais fogo de artifício que transborde de novo para lá da fronteira com a Síria. E Benjamin Netanyahu, como já se percebeu, é um grande apreciador deste tipo de fogo de artifício.

Três questões vitais onde Israel nunca cederá

Alexandre Guerra, 06.04.18

O conflito israelo-palestiniano voltou a escalar nos últimos dias. Já morreram 16 pessoas e ficaram feridas quase trezentas. Tem sido assim nas últimas décadas, na verdade, desde a criação do Estado de Israel a 14 de Maio de 1948. Até aqui, nada de novo e muito menos de surpreendente. O que surpreende verdadeiramente é como que, ao fim destes anos todos, políticos e analistas internacionais ainda olham para isto com algum idealismo e não tenham percebido que há três questões vitais sobre as quais Israel nunca cederá, sabendo que no dia em que o fizer, é o dia em que sobrevivência do seu Estado fica em causa. Aqui fica uma explicação muito simplificada:

 

1.A primeira questão prende-se com o acesso à água doce, um recurso escasso naquela região do planeta e que Israel tratou de assegurar. O controlo israelita dos Montes Golã, mais do que a sua importância estratégica enquanto “zona tampão” com a Síria, é vital pelo facto daqueles aquíferos montanhosos alimentarem o Rio Jordão. Toda aquela zona é muito verde e propícia à agricultura. É importante notar que um terço da água consumida em Israel vem dali. Sobre este assunto, muito há para dizer, mas o importante é ter-se a noção de que Israel nunca abdicará de qualquer controlo sobre as fontes de água doce na Cisjordânia, exercendo uma espécie de “hidro-hegemonia”, impedindo que a Autoridade Palestiniana desenvolva infraestruturas de fornecimento de água, criando-se, assim, um regime discriminatório com efeitos perversos.

 

2.A segunda questão vital tem a ver com o estatuto de Jerusalém (na verdade, o problema coloca-se com a Cidade Velha de Jerusalém). Por mais pretensões (e razões) que os palestinianos possam ter, Israel nunca permitirá que a Cidade Velha de Jerusalém fique sob domínio palestiniano e se torne a capital do Estado Palestiniano. De pouco servem as pressões internacionais, o facto é que são as Forças de Segurança Israelitas (IDF) que controlam todas as entradas e saídas do lado oriental da cidade, assim como o acesso à Esplanada das Mesquitas dentro dos muros da histórica cidade. No que diz respeito à defesa do seu território e da sua capital, Israel já deu provas de lidar bastante bem com a anátema de ser uma potência ocupante. E apesar de existir uma certa opinião pública israelita que contesta a política de ocupação hebraica, pouca força tem quando se trata de mudar o curso da História

 

3. A terceira questão vital está directamente relacionada com o famoso direito de retorno de todos os palestinianos refugiados. Este estatuto tem origem na primeira guerra de 1948, sendo depois aplicado a todos os palestinianos que foram sendo obrigados a sair das suas casas e terras no seguimento da ocupação israelita dos territórios da Cisjordânia ao longo das décadas. Nas vésperas do 70º aniversário da criação do Estado de Israel, ou da Nakba ("catástrofe"), na perspectiva palestiniana, milhares de pessoas da Faixa de Gaza iniciaram a “Grande Marcha do Retorno”, uma marcha que marchou pouco, porque, para todos os efeitos, está parada em vários pontos da vedação fronteiriça que separa aquele enclave de Israel. Realisticamente falando, trata-se de um acto mais simbólico do que consequente, sendo que as únicas consequências se traduzem em mortos e feridos. Por mais apelos internacionais e campanhas de sensibilização, Israel nunca irá contemplar com aquele movimento e a marcha não sairá dali, nem hoje, nem nunca. Ou pelo menos, enquanto o Estado hebraico existir. Se, por um lado, os palestinianos reclamam por um direito histórico válido, a posição de Israel é compreensível, porque, a julgar pelos dados oficiais da UNRWA, devem haver mais de cinco milhões de refugiados espalhados pela Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Líbano, etc. Ora, a partir do momento em que Israel reconhecesse o “direito de retorno”, era o dia em que iniciava uma guerra que nunca iria ganhar: a da demografia.

 

Há uns anos, um ilustre académico palestiniano de Nablus, e que chegou a candidatar-se contra Yasser Arafat nas eleições presidenciais, dizia-me que o grande problema daquele líder histórico foi ter assinado os Acordos de Oslo, porque foram uma armadilha. Explicava-me esse professor e activista que aqueles acordos nunca contemplaram as matérias vitais acima referidas, essenciais para a criação de um verdadeiro Estado palestiniano independente. O problema é que comprometeram a Autoridade Palestiniana num acordo que definia um status quo favorável a Israel.

 

Na altura, achei que poderia seria uma análise algo exagerada, mas hoje não tenho qualquer dúvida de que Israel nunca formalizará um acordo onde tenha que ceder numa destas três questões. Quem acreditar nisso ou apelar a isso não estará seguramente a fazer um favor à paz. Aliás, é de uma ambição desmedida querer alcançar-se paz entre palestinianos e israelitas, quando aquilo que os líderes internacionais deveriam primeiro pensar era na conquista da estabilidade entre dois povos, dois estados, mas isso só se alcança com realismo e algum cinismo, porque, infelizmente, é assim nas relações internacionais e na História das nações.

 

Texto publicado originalmente no Diplomata

Israel admite operação secreta sob o manto da "doutrina Begin"

Alexandre Guerra, 21.03.18

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Um dos F-16 israelitas da Esquadra 253, momentos antes de levantar voo na noite de 5 de Setembro de 2007, com destino ao complexo de Al Kibar em Deir Ezzor na Síria/ Foto:IDF

 

Em relação ao programa nuclear iraniano, tive sempre a convicção de que estaria muito longe de representar qualquer ameaça imediata para a região do Médio Oriente. Mesmo quando este tema estava no topo da agenda das preocupações de Washington, poucas dúvidas tinha de que os esforços de Teerão se limitavam a pouco mais do que a instalação de centrifugadoras em cascata. Esta quase certeza não tinha como base qualquer fonte privilegiada de “intelligence” junto do regime dos ayatollahs, mas apenas um facto muito simples, embora revelador: se houvesse o menor indício de ameaça a curto ou a médio prazo por parte do Irão, os caças-bombardeiros israelitas não perderiam tempo na destruição de qualquer alvo suspeito. Porque, a partir do momento em que os serviços de “intelligence” israelitas reunissem informação que colocasse o Irão na iminência de alcançar a bomba atómica, Israel atacaria cirurgicamente as várias instalações nucleares iranianas, sem qualquer aviso prévio, incluindo a Washington, que só deveria ter conhecimento da operação quando aquela já estivesse em curso.

 

Este princípio tanto se aplica ao Irão como a qualquer outro país da região, nomeadamente a Síria e o Iraque. A Mossad está sempre atenta a tudo o que se passa à sua volta, tal como sempre esteve em relação aos programas nucleares da Síria e do Iraque, tendo no passado agido preventiva e militarmente contra estes dois países a partir do momento em que se sentiu, efectivamente, ameaçada. Esta Quarta-feira, como forma de aviso ao Irão, o Governo israelita admitiu uma dessas operações secretas, ocorrida em 2007.

 

Na noite de 5 para 6 de Setembro de 2007, o primeiro-ministro, Ehud Olmert, pôs em prática a “doutrina Begin”, através de uma operação que Israel sempre negou, até hoje. Recordo que há uns anos, o New Yorker explicava como Israel tinha bombardeado secretamente o suposto reactor nuclear de Al Kibar sem que ninguém desse por isso e o assumisse posteriormente. “O ataque resultou de uma operação da Mossad em Viena, em Março de 2007, na qual recolheu 'intel' na casa de Ibrahim Otham, o director da Comissão Síria de Energia Atómica. As provas recolhidas, incluindo fotos do local do reactor, eram conclusivas. Washington foi informado, mas o Presidente George W. Bush não ficou muito convencido. Olmert, por seu lado, tinha poucas dúvidas e a 5 de Setembro, pouco antes da meia-noite, quatro F-15 e quatro F-16 levantaram voo de bases israelitas com destino à Síria.  Através de mecanismos electrónicos, os israelitas “cegaram” o sistema de defesa anti-aéreo sírio, entre as 00:40 e as 00:53, o suficiente para entrarem no espaço aéreo do inimigo sem serem vistos e lançaram várias toneladas de bombas sobre o alvo. Hoje, cinco anos depois, ninguém fala no assunto ou o reconhece, seja Israel ou a Síria”. Escrevi isto em Outubro de 2012, no entanto, este assunto nunca mais foi referido. Hoje, Israel assumiu este ataque, com as IDF a revelaram alguns detalhes, e avisou que nunca permitirá que qualquer país da região obtenha armas nucleares.

 

Texto publicado originalmente no Diplomata.  

Seis Dias que abalaram o Médio Oriente*

João Pedro Pimenta, 18.06.17

Passou agora meio século desde a Guerra dos Seis Dias, uma das operações mais retumbantes do século XX. Israel estava nas vésperas do seu vigésimo aniversário, uma curta existência caracterizada por duas guerras e a resistência a um cerco por parte dos (muito maiores) vizinhos árabes. Em fundo, a Guerra Fria, de que a região era um dos principais cenários, sobretudo desde 1956 e a Crise do Suez, após a qual a URSS se tinha voltado definitivamente para o Egipto, ao passo que os EUA continuavam a apoiar o estado judaico. O país liderado por Nasser consolidara o seu estatuto de potência regional, apesar do falhanço na constituição da República Árabe Unida com a Síria. E em 1967, precisamente por receio de um ataque israelita à Síria, o Egipto exigiu a retirada das tropas da ONU presentes no Sinai desde 1956, iniciando um bloqueio ao estreito de Tiran, que dá acesso ao golfo de Aqaba e é a única saída de Israel para o Mar Vermelho, e consequentemente o Índico. Um tal bloqueio, impedindo a livre circulação marítima de um estado, era uma declaração de guerra implícita.

 
Entre 5 e 10 de Junho de 1967, e em reacção ao cerco do Egipto e a crescentes hostilidades de outros estados árabes, Israel viu-se forçada a actuar mesmo sem a protecção de qualquer outro aliado. As forças armadas israelitas desencadearam um ataque aéreo fulminante e em massa sobre todas as bases áreas egípcias, arrasando por completo a aviação inimiga em apenas doze horas. O ataque era arriscado, porque deixou Israel sem qualquer protecção aérea, mas constituiu um rude golpe na moral (e no material) do Egipto e espantou o mundo pela audácia, rapidez e eficácia. De imediato, os blindados israelitas penetraram no Sinai, com auxílio da aviação (e sem o perigo de ataques da aniquilada aviação egípcia), cortaram o acesso a Gaza (onde tinham a oposição das forças palestinianas) e confinaram os carros de combate egípcios a terrenos de escassa mobilidade. Em dois dias, as forças árabes estavam dispersas, destruídas ou em fuga, ao passo que as israelitas atingiam o Canal de Suez e a extremidade do Sinai, tomando Sharm-el-Sheik e controlando o estreito de Tiran.

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A Norte, e depois de sangrentos combates, a infantaria de Israel tomou os montes Golan a uma Síria equipada com armamento soviético mas com deficiente treino e fragilizada pelas purgas entre os oficiais, como consequência dos vários golpes de estado.
A Jordânia, que se tinha colocado do lado dos aliados árabes confiando na força do Egipto, ensaiou alguns ataques de artilharia, o que levou à entrada das forças de Israel na Cisjordânia no dia 6, e à ocupação daquele território, incluindo a Cidade Velha de Jerusalém, o que implicou sangrentos combates rua a rua com os encarniçados resistentes, ainda que os lugares santos da cidade não tivessem sofrido danos. A ocupação do território de aquém-Jordão e sobretudo dos lugares santos de Jerusalém teve um simbolismo religioso e político extraordinários. Israel cumpria o velho sonho de se reapoderar da sua capital histórica, além de permitir aos judeus o acesso ao Muro das Lamentações, impedido pelas forças jordanas desde 1948.

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A breve guerra, que em seis dias aniquilara forças árabes muito superiores em número - formando um cerco que parecia inquebrável - e dera a Israel o controlo de um território maior que o originário, surpreendeu pela eficácia extrema, superior à da Blietzkrieg alemã. Moshe Dayan, ministro dos negócios estrangeiros, e Yitzhak Rabin, o chefe das forças armadas, ganharam um estatuto de líderes militares de excepção e são hoje considerados como dos melhores estrategas do século XX. Nasser, o popular presidente do Egipto, tinha sido tremendamente humilhado, ao contrário do que acontecera em 1956, e resignou ao cargo, mas daria meia volta depois de manifestações a seu favor. A Jordânia ficou na prática confinada à Transjordânia. Quanto aos territórios ocupados, e apesar da condenação da ONU (sobretudo dos estados árabes), continuariam na posse de Israel, que argumentou com as necessidades da sua própria protecção. Haveria ainda mais uma guerra, em 1973, até que a paz com o Egipto de Sadat, anos mais tarde, em Camp David, permitiria a devolução do Sinai. Quanto a Gaza, permaneceria ocupada até à retirada unilateral em 2005. Os Montes Golan e a Cisjordânia continuam na posse irredutível de Israel há 50 anos, sem alterações à vista. E os judeus, salvo alguns contratempos provocados pelos vizinhos palestinianos, continuam a poder rezar no Muro das Lamentações.
 
* Agradeço a inspiração à crónica da Antena 1 com o mesmo nome e sobre o mesmo assunto