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«A dissimulação é a ciência dos reis.»
Cardeal Richelieu
Quando ela ascendeu ao mais alto cargo do seu país, José Estaline era ainda o senhor absoluto da Rússia vermelha. Nos Estados Unidos, mandava Harry Truman, então sem saber o que fazer dos soldados atascados no inferno da Coreia. E na Grã-Bretanha o primeiro-ministro era Winston Churchill, herói da guerra.
Ela viu tudo, ouviu todos.
Quando se sentou no trono herdado de seu pai, Mao Tsé-Tung mandava na China continental, Chiang Kai-Shek pontificava na Formosa, Hirohito mantinha-se como imperador do Japão mesmo após a rendição do seu país aos pés do general Douglas MacArthur. Havia nessa altura outros imperadores no mundo: Hailé Selassié na Etiópia, o xá Reza Pahlevi no Irão. As monarquias eram em número bem superior ao actual: havia-as da Grécia (com o rei Paulo) ao Egipto (com o rei Faruk). E até na Líbia do rei Idris, que um tal coronel Kadhafi viria a derrubar 17 anos mais tarde, em 1969.
Nesse mês de Fevereiro de 1952, quando a jovem Isabel se tornou Rainha da Grã-Bretanha, com apenas 25 anos, o planeta era governado por figuras que hoje têm lugar garantido nos livros de História: Sukarno na Indonésia, Perón na Argentina, Tito na Jugoslávia, Franco na Espanha, Nehru na Índia, Ben-Gurion em Israel, Getúlio Vargas no Brasil, Salazar em Portugal.
Conheceu muitos deles, numa sucessão de encontros ao longo de 56 anos – tempo suficiente para ter visto aparecer e desaparecer Elvis Presley, os Beatles e os Pink Floyd.
Coexistiu com seis Papas (Pio XII, João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e Francisco), nove presidentes franceses (Vincent Auriol, René Coty, De Gaulle, Pompidou, Giscard d’Eistang, Mitterrand, Chirac, Sarkozy e Hollande), oito chanceleres alemães (Adenauer, Erhard, Kiesinger, Willy Brandt, Helmut Schmidt, Kohl, Schroeder e Angela Merkel), 12 presidentes norte-americanos (Truman, Eisenhower, Kennedy, Johnson, Nixon, Ford, Carter, Reagan, Bush pai, Clinton, Bush filho e Obama). E 18 chefes do Estado brasileiros – de Getúlio a Dilma. E nove presidentes de Portugal (Craveiro Lopes, Américo Thomaz, Spínola, Costa Gomes, Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa) e 18 primeiros-ministros portugueses, da ditadura ao actual regime constitucional, passando pelo período revolucionário, onde em menos de dois anos houve seis Executivos.
Churchill não escondeu a ternura paternal que sentia pela jovem monarca. Ela retribuía-lhe a simpatia, sem quebrar o rígido dever de imparcialidade que os costumes do reino lhe impõem, mas não falta quem garanta que o primeiro-ministro favorito dela foi Harold Wilson, com os seus ares de filósofo de cachimbo na swinging London dos anos 60. E que Thatcher terá sido a líder do governo que mais detestou. O que não a impediu de comparecer no seu funeral de Estado, em Abril de 2013.
A verdade sobre isto e tudo o resto não será apurada num livro de memórias com selo real. Isabel II, a monarca britânica há mais tempo no trono, nunca escreverá esse livro.
Num mundo em mutação, onde tudo passa, tudo se esgota e tudo se esquece, ela é uma referência de estabilidade. Lembramo-nos dela desde sempre, são já poucos os que conheceram outro chefe do Estado no Reino Unido. O tempo dela foi sulcado por todas as modas – do chapéu de coco ao punk, passando pela mini-saia de Mary Quant.
Só ela nunca passou de moda.
O que sente, o que pensa, o que esconde?
Só ela sabe: por detrás do suave sorriso protocolar, subsiste a esfinge nesta monarca que ninguém tem a ilusão de conhecer.
"A dissimulação é a ciência dos reis", dizia o cardeal Richelieu. Uma legenda que bem se aplica a Isabel II, Rainha da Inglaterra, Escócia, País de Gales, Irlanda do Norte, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Jamaica, Barbados, Bahamas, Granada, Papuásia-Nova Guiné, Ilhas Salomão, Tuvalu, Santa Lúcia, São Vicente e as Granadinas, Belize, Antígua e Barbuda, e São Cristóvão e Névis.
Isabel II celebra amanhã 90 anos.
Texto reeditado e actualizado
Temos bastas razões de queixa deste Inocêncio X. Posto no trono de S. Pedro pelos espanhóis ao cabo de riquíssima compra de votos, troca de favores e torpes intrigas, assim derrotando o candidato que os franceses patrocinavam de modo igualmente abjecto, Inocêncio X não se coibiu de vazar a sua acrimónia contra os sediciosos portugueses de 1640, nunca reconhecendo a legitimidade da secessão e do reino restaurado. Um homem de virtude, portanto, sendo a fidelidade canina aos seus senhores uma das mais cardinais que exibiu.
É seguro afirmar que Velasquez não teve em mente estes rescaldos políticos de Vestefália quando se lhe propôs retratá-lo. Diego Velasquez fora mandado a Roma pelo Filipe, para que comprasse arte e antiguidades com o fito de refazer a decoração do palácio do Bom Retiro. Nesses tempos o arranjo de interiores estava a cargo dos artistas a soldo da corte e nem se pensava que pudessem comer noutra mesa que não a dos funcionários, só um nada superior à dos criados.
Para convencer Giovanni Pamphilj, bispo de Roma, dos seus méritos pictóricos, numa Roma pejada de estetas, Velasquez mostrou-lhe o retrato de Juan de Pareja, seu servo, no qual fizera a mão e agora apresentava como cartão-de-visita.
Inocêncio gostou e acedeu, e Velasquez pintou. Chegou então a hora de revelar a obra ao mecenas. Velasquez retira a serapilheira que cobre a tela e lá está a figura de um homem implacável, gélido, a um instante da cólera.
“Troppo vero!” – exclamou o Santo Padre, as quais foram as únicas palavras suas a residirem na posteridade.
Inocêncio, no entanto, teve fair play: pagou a Velasquez e em vez de destruir uma obra tão pouco lisonjeira, enviou-a para o seu Palazzo privado, o Doria Pamphilj onde ainda hoje está exposto.
Terá sido talvez este o primeiro momento histórico em que um artista preferiu a verdade em detrimento das convenções do gosto e sobretudo das intenções do mecenas. Se tal gesto se tornou “natural” a partir do romantismo, no séc. XVII ele encerrava o risco do ultraje.
What you see, is what you get: Lucien Freud era conhecido pelo seu temperamento cru e por não se coibir de trasladar essa rispidez para as suas telas. Isabel sabia portanto ao que ia quando encomendou um retrato a Freud, já então capacitado como o maior figurativo do séc. XX.
Sem amolecer o coração, Lucien Freud transigiu e dispôs-se a um gesto inédito nele: sair do estúdio e encontrar-se com a Rainha entre Maio de 2000 e Dezembro de 2001, no Palácio de St. James. Só exigiu à monarca que envergasse a coroa que ostenta nas libras e na abertura do parlamento.
Quando o quadro foi dado a ver ao público aconteceu o inesperado: a arte do retrato, supostamente convencional e estabilizada, deu azo a polémica das antigas. Um coro de protestos se levantou e houve quem aventasse a hipótese de falta de respeito para com a real figura; Freud pintara Isabel de um modo implacável, sem cerimónia nem atenuantes, afinal, tal como se auto-retratava.
Do que estavam à espera? A idade endurece, o poder não é doce e as sombras estão onde menos as esperamos. Freud recusou o estipêndio e Isabel, como sempre, não comentou a obra. Mas com o seu silencioso fair play quem quiser poderá vê-la na pública Royal Collection de Buckingham.