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Delito de Opinião

Ou lá terá que ser?

Gui Abreu de Lima, 12.03.13

Na mesma semana em que compro um livrinho que integra um conjunto de intervenções e reflexões de Noam Chomsky, dirigidas ao movimento Occupy, que em Setembro de 2011 se manifestou em Nova Iorque, dou conta que em Lisboa se convocam consecutivas assembleias abertas de discussão sobre o futuro da democracia e, esta manhã, do discurso de um participante no Fórum TSF, que traçava, seguríssimo, o seu plano de salvação. Espanta-me a coincidência de, numa meia dúzia de dias, em lugares diferentes, a mesma canção ecoe. Chomsky, assumindo a enorme dificuldade (ou mesmo a impossibilidade) de inverter o sentido do poderoso sistema montado nos EUA e em outros países, baseado em políticas neoliberais e de austeridade, escudadas nos défices e negligenciando a dignidade dos homens, apela à união de todos os que por elas se vêem sufocados, mesmo que não tenham soluções; a agenda das reuniões populares no Rossio lembra que "só com a nossa participação e empenho a democracia poderá ser a arma que nos permitirá ser donos do nosso futuro e de termos uma palavra que seja escutada e respeitada por aqueles a quem confiarmos a responsabilidade de executar aquilo que forem as decisões dos cidadãos"; e o ouvinte radiofónico, perante o auditório, desenrola exactamente a mesma opinião - nada nos tirará desta "roda" se não nos juntarmos em comunidades que se apoiem mutuamente e se bastem no essencial a si próprias, à margem dos poderes instituídos e dos partidos políticos que nos voltam as costas.
Levará tempo, será doloroso, mas como em outras épocas em que a desigualdade excedeu todos os limites, a acção popular acabará por influenciar o caminho destas democracias ocidentais que dividem a sociedade em dois grupos percentuais esquisitos: 1% de abastados e 99% de miseráveis. Será?

Portugal, 2015

Rui Rocha, 03.12.12

Chegámos ao debate sobre o Estado Social sem que previamente se tenha discutido de forma séria a necessidade de expurgar a administração central e local do desperdício, das redes clientelares e das correspondentes ineficiências. Os partidos do arco da governação (ou do arco do memorando) paralisam a discussão apontando a evidência de que as grandes rubricas da despesa são os custos com pessoal e as prestações sociais. Ora, se isto é verdade, tal não implica que não exista uma precedência natural (e ética) que impõe que postos de trabalho e dimensão social só possam ser atingidos depois, e nunca antes, de ser racionalizada (que não racionada) a máquina do Estado. Os restantes partidos da esquerda, ou do arco da velha, apresentam um condicionamento que os impede de discutir em bases sérias qualquer aspecto relacionado com a dimensão e as funções do Estado: tudo no Estado é bom, incluindo o que é mau. À direita, a ala liberal padece de atavismo inverso: tudo é mau no Estado, incluindo o que é bom. O resultado de tudo isto é um bloqueio no debate que não impede o curso inexorável dos acontecimentos. Endividado e dependente de uma economia incapaz de contrariar a hemorragia, o Estado português embaterá na realidade e ver-se-á obrigado a reduzir drasticamente a despesa. Os interesses instalados e o viés ideológico à esquerda e à direita terão impedido, por essa altura, qualquer reestruturação racional que liberte o país das clientelas incrustadas na máquina do Estado (vejam-se, a título de meros exemplos, a resistência consentida por Relvas a qualquer reorganização ao nível dos municípios ou a permanência dos lobbies universitários que acabam de impor a sua vontade em prejuízo do financiamento do ensino básico e secundário). Isto é, os portugueses passarão de uma situação em que beneficiavam de uma protecção social que aspirava a ser de tipo escandinavo (passe o exagero) suportada por uma economia periclitante, para uma outra em que uma contribuição fiscal de nível escandinavo (sem exagero) terá como contrapartida uma protecção social miserável. Teremos então o pior de dois mundos. Um Estado ineficaz e capturado por interesses que é incapaz de oferecer qualquer contrapartida. Um Estado ávido de impostos que servirão para pagar boys, rotundas, iluminações de Natal e rendas de empresas de regime, mas já não pensões, subsídios de desemprego ou a instrução dos nossos filhos. Um Estado incapaz, sequer, de cumprir razoavelmente qualquer das suas outras funções essenciais. Portugal, em 2015, não será apenas um Estado falido. Ter-se-á tornado, entretanto, um Estado imoral.

Da inutilidade dos livros

José António Abreu, 13.10.12

Numa espécie de resposta à pergunta deixada pelo Rui Rocha:

 

Duas raparigas de mini-saia sentam-se entre espelhos e sorrisos, de unhas pintadas de cinco cores diferentes, embora iguais nas mãos e nos pés, expostos, como gemas polidas, nas sandálias com um palmo de salto. Encomendam saladas e desembainham os smartphones. Não trocam palavra. Teclam em silêncio, nos seus iPhones, não se sabe o quê. Mensagens, números?

A chegada da comida desperta-lhes sorrisos. Debicam com pauzinhos, mergulham de novo nos telemóveis. Uma delas sabe inglês suficiente para perceber a pergunta – Já leram Mo Yan, que acaba de ganhar o Nobel da Literatura?

“Quem? Yang? Shang? Ichan? Não sei o que é. Um escritor?” O café fica no interior do Centro Comercial KK, que ocupa cinco andares de um edifício de 100, todo em vidro e luzes que acendem e apagam formando as palavras e números de anúncios de empresas e produtos, ao longo dos 442 metros de altura da frontaria.

“Shong? Bem, nós não costumamos ler livros”, explica Liu, aka Jane, falando pelas duas. Ou mais. O café está cheio de jovens com roupas estudadamente modernas e caras, agarrados aos telemóveis ou tablets. “Quando andava a estudar só tinha tempo para ler os livros da escola. Agora que já trabalhamos, usamos os tempos livres para vir ao centro comercial, ou jogar no telemóvel”, continua Jane (na China, os jovens que aprendem inglês adoptam um nome inglês).

Liu (jane) e Song, de 22 e 21 anos, trabalham num SPA. Vieram para Shenzhen há dois anos. Na aldeia-natal de cada uma, nas províncias de Hunan e Hubei, os pais dedicam-se à agricultura. Nos primeiros tempos na grande cidade, as duas raparigas trabalharam numa fábrica. Depois subiram na escala social. Agora têm dinheiro para estar no centro comercial. Um nome. Só um nome de um escritor chinês: “Não sei. Mao Zedong?”

Amy, 25 anos, Relações Públicas numa grande empresa de telemóveis, a Huawei, tem a mesma dificuldade em nomear um escritor. “É mais fácil jogar jogos. Os livros são muito complicados”.

Zheng, 24 anos, finalista de Medicina em Nanjin, também nunca ouviu falar do nome. Nem num nem no outro. “Prémio quê? Não sei o que é”. Tirando os compêndios clínicos, Zheng orgulha-se de nunca ter lido um livro.

Shenzhen é uma cidade recente. Há 30 anos um pequena aldeia, hoje tem 14 milhões de habitantes, graças às reformas de Deng Xiaoping e à criação de uma Zona Económica Exclusiva. Representa a nova China, eufórica com o desenvolvimento. Em toda a cidade, é possível visitar centenas de centros comerciais, e milhares de lojas de telemóveis baratos, mas não assistir a um concerto ou peça de teatro. Shenzhen não parece precisar de vida cultural.

“Mo Yan? Conheço sim. Escreveu livros sobre o período da guerra com os japoneses”. Yang Woo, 59 anos, é oriundo de Guangzhou, a antiga Cantão, e proprietário, em Shenzhen, de um restaurante de peixe na Avenida Huaqiang, a Meca da electrónica. Admite sem problemas que deve o seu êxito empresarial muito ao facto de ser membro do Partido Comunista. “Mo Yan é um escritor muito interessante, que promove os valores da harmonia. Se o Nobel é importante? Não. A China não precisa disso”.

Reportagem de Paulo Moura, no Público de ontem.

 

Ou, em meia dúzia de palavras: capacidade de concentração, de elaborar raciocínios ponderados, de enfrentar o silêncio e a solidão. No fundo, de desacelerar e pensar. Consigam lá isto com a internet.

Os cargos públicos e as redes sociais

José Maria Gui Pimentel, 19.06.11

 

 

Dentro em breve (eu diria uma década, mas a prudência obriga-me a ser menos preciso) começarão a chegar a cargos públicos (particularmente aos cargos políticos) jovens que já viveram plenamente a era das redes sociais. Esses incautos jovens adultos verão os jornais pejados daquilo que foram colocando nas redes sociais durante os seus anos de anonimato: fotografias de bebedeiras ou em posturas menos ortodoxas, comentários com palavrões, racistas, homofóbicos… Enfim, a antítese da postura politicamente correcta que esses jovens políticos quereriam passar. Esta primeira leva será a principal, porém também a única vítima do efeito das redes sociais: os mais desprevenidos verão as suas ambições políticas coarctadas, ou, mesmo, impossibilitadas. Já com as levas seguintes, a situação tornar-se-á tão transversal e comum que passará a ter tanta atenção quanto as fotografias de políticos em calções de banho, que há umas décadas eram impensáveis e hoje são indispensáveis no Verão.

E o futuro, como vai ser?

Rui Rocha, 14.06.11

Prever o futuro é um desejo natural de todos os seres humanos. E o mercado oferece, hoje em dia, várias alternativas para satisfazer esta necessidade básica. Umas são, naturalmente, mais fiáveis do que outras. Pessoalmente, e embora não acredite em nenhum desses métodos, incluo  a leitura da mão, a astrologia, as cartas, as conchas, a agenda do outlook e os discursos dos políticos em período de expansão económica no grupo dos que poderão, com alguma sorte, acertar de vez em quando. Até os relógios parados têm razão duas vezes ao dia. Por seu lado, as previsões meteorológicas (pode lá ser que nos Açores chova todos os dias), as sondagens, as projecções elaboradas por economistas e as promessas de títulos do Jorge Jesus situam-se, na minha visão, no grupo das previsões que nunca serão confirmadas pelos factos. Por tudo isto, desenvolvi o meu próprio método de antecipação do que vai acontecer nos próximos anos (sim, também eu sinto esta curiosidade ontológica). Na verdade, estou convencido de que a melhor forma de prever o futuro é observar o que se passa nas escolas. Esta observação é feita à distância (a que decorre de ser pai de crianças em idade escolar e familiar de professores), com  as vantagens e desvantagens inerentes. O que vejo, melhor diria, o que ouço, leva-me a algumas conclusões (enviesadas, admito, como tudo o que é obra humana). A excelência está limitada a um pequeníssimo grupo de alunos, professores, pais e escolas. O resto é uma massa de:

  • alunos desinteressados, palradores, engraçadinhos, sem o mínimo interesse em aproveitar o tempo de aula para outra coisa que não seja a conversa, a pantomina e a ostentação do último gadget ou penteado (like?);
  • professores desmotivados, razoavelmente incompetentes (quantos deles são capazes de resolver as provas e exames a que os seus alunos são submetidos?), formados por Universidades ou Institutos sem o mínimo de credibilidade técnica ou pedagógica e que optaram pelo ensino em último recurso (até porque não tinham média de entrada para outra coisa);
  • pais displicentes que ainda não perceberam que, sem esforço e competência, o mundo não vai oferecer aos filhos as oportunidades que a eles próprios foram prometidas;
  • facilitismo, com as provas remetidas para níveis elementares, e as escolas (públicas ou privadas) imersas num ambiente de competição em que empolar as classificações é a unica garantia de, a prazo, manter as portas abertas. 

É uma bola de cristal pouco brilhante a que aqui partilho e as previsões que faço não são animadoras. É um assunto em que desejo estar tão errado como as folhas de Excel de Teixeira dos Santos. Não entro sequer na onda dos que afirmam que o passado foi melhor. Sinceramente, acho que não. O que me parece é que o futuro vai exigir muito mais do que aquilo que estamos a preparar para lhe dar em troca.

Retrato da bitola estreita

João Carvalho, 30.04.11

A REFER, empresa pública que gere a rede ferroviária nacional, fechou o ano de 2010 com resultados líquidos negativos de 146,5 milhões de euros, os quais foram agora conhecidos e traduzem um exercício que fica marcado pelo aumento do endividamento.

Não foi a REFER uma das empresas públicas que quiseram fugir à redução dos vencimentos por se achar cheia de razões para não cumprir a legislação que o determina? Gosto do slogan da REFER: "Vias para o Futuro". Traduz o futuro dourado dos gestores que pagamos.

Já agora: que e quantos aumomóveis têm os administradores da REFER e há quanto tempo? Que tal premiá-los com um TGV para cada um com uma ajudinha da RAVE, a empresa pública da "grande família" que gere a rede nacional de alta velocidade que não temos?

A propósito: CP, REFER, RAVE e IMTT — alguma destas instituições públicas, tão necessárias para gerir a fantástica rede ferroviária que ainda nos sobra do século XIX, não dá prejuízo?

A Vida é Bela 2

Laura Ramos, 09.01.11

 

 

 

Eis um bom exercício, ao alcance do possível: acreditar que o eleitorado português, um dia destes, vai ser diferente.

Porque é aí, exactamente, que pode estar a chave da mudança: nas cabeças daqueles que votam.

- É importante termos decisores de topo esclarecidos?

Claro que é. Afinal não gravita tudo, invariavelmente, em torno do perfil do político que foi, ou daquele que vai ser eleito?

Mas muito mais importante do que isso é termos decisores de base rigorosos, perspicazes e...  pensantes.

Sempre acreditei que as verdadeiras transformações acontecem de baixo para cima, e não o contrário.

Tem muita razão, o Pedro Magalhães: são as novas gerações que vão determinar a mudança.

 

A Vida é Bela.

O choque tecnológico não é para todos

João Campos, 26.12.10

Este tipo de acções é mais ou menos equivalente a, para combater o tráfico de droga, a polícia prender quem consome, e não quem a vende. Os resultados, esses, são óbvios: a droga continua a circular, pois não é possível prender toda a gente que consome.

A verdade é que a ACAPOR e associações similares ainda não compreenderam muito bem os tempos em que (sobre)vivem. Até podem colocar dez mil processos em tribunal por mês - seria interessante ver a já entupida justiça portuguesa a transbordar. Mas por mais processos que inventem, continuarão a não ser capazes de ver que o seu modelo de negócio pertence ao século passado. Ninguém se desloca ao clube de vídeo quando pode, sem sair do sofá, alugar um vídeo por preços mais baixos no serviço de televisão por cabo. Tal como cada vez mais pessoas deixam de comprar CD de música e optam por serviços como o iTunes. Ou compram os filmes e os discos na Amazon ou noutra loja online, que pratique preços bem mais acessíveis que os balúrdios que cobram por cá. Até as bandas já o perceberam - não é por acaso que qualquer banda tem uma página no MySpace Music onde partilham algumas músicas e se promovem aos fãs. Como não é por acaso que muitas bandas começam por se mostrar na Internet, e depois passam para pequenas editoras independentes.

Quem tem dúvidas de que o futuro da distribuição audiovisual passa pela Internet, devia lembrar-se do famoso "caso Napster", com os Metallica a defenderem o recurso aos tribunais e com bandas como os Offspring e os Smashing Pumpkins a mostrarem as potencialidades da web ao lançarem discos apenas online (no caso da banda de Billy Corgan, o álbum chamava-se até "Friends and Enemies of Modern Music"). O Napster perdeu, na altura, mas a porta que abriu nunca mais se fechou. Ou o sucesso do iTunes, da Apple. Ou do lançamento de "In Rainbows", dos Radiohead, completamente online, ao preço que os fãs quisessem dar pelo álbum.

E talvez o futuro nem passe por modelos como o do iTunes, de downloads a pagar, mas por modelos de streaming, quando a Internet móvel com boa velocidade e capacidade for uma realidade acessível a todos. Já estivemos mais longe. Serviços como o Spotify reúnem cada vez mais utilizadores. É possível que os actuais leitores de mp3 façam companhia às cassetes e aos CD na estante das relíquias num futuro não muito distante. E que a chamada "indústria musical", com as mentalidade de que a notícia mencionada é exemplo, lhes faça companhia.