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Delito de Opinião

Fora da caixa (9)

Pedro Correia, 17.09.19

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«Estamos a viver num período de desaceleração geral de grande parte das economias europeias

António Costa, no debate com Rui Rio (ontem)

 

Rui Rio venceu esta noite o mais badalado debate da campanha eleitoral em curso. Teve a tarefa facilitada: em vez de lhe surgir um "animal feroz", para usar uma expressão popularizada por um antigo líder do PS, saiu-lhe um bonzo propenso à beatitude. António Costa, embalado por todas as sondagens, entrou em estúdio com ar de quem passara parte da tarde a dormir uma boa sesta. Faltava-lhe ânimo para uma refrega. E, sobretudo, faltava-lhe motivação: Rio anda há quase dois anos a dizer que o seu principal desígnio estratégico é tirar o Bloco de Esquerda da área da governação e rubricar grandes pactos de regime com o PS. Música para os ouvidos socialistas.

O presidente do PSD seguramente não se encostou ao travesseiro durante a tarde. Na mais recôndita parcela do seu instinto político deve ter soado enfim uma campainha de alarme: se desperdiçasse o tempo de antena proporcionado por este debate - transmitido em simultâneo por três canais de televisão - podia desde já fazer as malas, de regresso definitivo ao suave aconchego doméstico do seu Alto Minho.

Decidiu, portanto, ser combativo. E fez bem: assim o que resta da campanha promete tornar-se menos desinteressante. Naquele seu estilo peculiar de quem parece sempre um recém-chegado à política, apesar de não lhe ser conhecida outra actividade relevante nos últimos 35 anos, Rio falou de coisas concretas. Dos novos salários dos magistrados, em chocante disparidade com os dos professores. Da queda sem precedentes do investimento estatal, sujeito às cativações do ministro Centeno. Da enorme degradação dos serviços públicos. Da carga fiscal que não cessa de aumentar. Da actual execução orçamental na saúde, inferior à registada nos duros anos da tróica. Dos 330 mil portugueses que abandonaram o País nesta legislatura, num silencioso êxodo que noutros tempos daria notícias de abertura nos telejornais.

Bastou-lhe isto para sobrepor-se num debate ao qual chegou com expectativas pouco acima do zero, dadas as suas prestações anteriores e o seu insólito hábito de gastar energias a combater jornalistas e empresas de sondagens em vez de dar luta aos rivais políticos.

O bonzo, à sua frente, parecia surpreendido com o assomo de protagonismo de quem até aí só lhe merecera um aceno de condescendência, não isento de comiseração. A dado passo, terá até sentido um vago impulso de se sujeitar ao confronto verbal. Mas a inércia levou a melhor. Picou o ponto, debitou os chavões da praxe («devolvemos rendimentos», «temos contas certas», etc.), foi advertindo a massa ignara para a «desaceleração» que está prestes a chegar - quase como se falasse no diabo - e deu-se por satisfeito com a sofrível prestação. «Poucochinho», diria ele se estivéssemos em 2014. Falando não de si próprio, mas de outro.

Esta tarde - sou capaz de apostar - volta a dormir uma boa sesta outra vez.

Fora da caixa (8)

Pedro Correia, 15.09.19

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«António Costa teve sempre um papel de procura da solução e não do problema.»

Jerónimo de Sousa, em entrevista à Lusa (24 de Agosto)

 

Com a mesma cadência a que regressam as andorinhas em cada Primavera, quando surge uma campanha eleitoral logo se erguem vozes a questionar a "ideologia" de alguns partidos.

Tudo normal. Estranho apenas nunca ouvir tais vozes começarem por suscitar dúvidas sobe a "ideologia" do Partido Comunista.

Se obedecesse ao ideário marxista-leninista, aplicado em vários países com os brilhantes resultados que sabemos, o PCP seria um partido de raiz revolucionária, adversário consequente da "democracia burguesa" e dos "interesses de classe" a ela associados. Mas tornou-se afinal um partido reformista, companheiro de estrada da social-democracia que noutros tempos costumava diabolizar com a sua inflamada retórica.

Nestes quatro anos, o partido da foice e do martelo viabilizou as "políticas de direita do governo PS" plasmadas em quatro orçamentos do Estado sujeitos à disciplina orçamental ditada por Bruxelas e ao menor investimento público de sempre na democracia portuguesa. Orçamentos que o PCP aprovou sem pestanejar: nunca mais lhe ouvimos um sussurro contra o malfadado "pacto de agressão" nem a firme exigência de "renegociação da dívida".

Insolitamente, ninguém questiona os dirigentes comunistas sobre os defuntos princípios sepultados numa esconsa gaveta dum obscuro gabinete na Rua Soeiro Pereira Gomes. Sinal dos tempos: hoje, no PCP, só a "paciência" é revolucionária.

Fora da caixa (7)

Pedro Correia, 14.09.19

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«O PSD vai perder as eleições.»

José Pacheco Pereira, na TVI 24 (4 de Setembro)

 

As sondagens variam, mas todas apontam na mesma direcção.

A da Pitagórica atribui 43,6% das intenções de voto ao PS e apenas 20,4% ao PSD - um fosso de 23,2% entre os dois principais partidos. A do ICS-ISCTE estabelece uma diferença de 19 pontos percentuais:  42% para o PS, 23% para o PSD. A da Eurosondagem concede a vitória aos socialistas, com 38,1%, ficando o partido laranja com 23,3% - um intervalo de 14,8%. E a da Intercampus fixa esta diferença em 14,3% - correspondente ao intervalo entre os 37,9% do primeiro e os 23,6% do segundo.

Seja qual for a distância que venha a registar-se nas legislativas de 6 de Outubro, alcance ou não o PS a vitória por maioria absoluta, um dado é inquestionável em todas estas pesquisas de opinião, elaboradas a cerca de um mês do escrutínio real: o PSD prepara-se para obter o seu pior resultado eleitoral de sempre. Coroando assim uma tendência: a da queda global do partido fundado por Francisco Sá Carneiro - em declínio desde a fuga de Durão Barroso para Bruxelas, no Verão de 2004. No ano seguinte, com Santana Lopes no comando, perdeu. Quatro anos depois, sob a liderança de Manuela Ferreira Leite, voltou a perder. Passos Coelho inverteu esta tendência, vencendo em 2011 e 2015, mas o rumo anterior é retomado agora com Rio ao leme.

 

Há pontos de contacto entre a derrota registada em 2009, frente ao PS de José Sócrates, e aquela que se antevê para o mês que vem, face ao PS de António Costa: num caso e noutro, o partido está nas mãos do mesmo grupo interno. Rui Rio chegou a ser apontado como proto-candidato há dez anos, acabando como mandatário no Porto da antiga ministra das Finanças, além de seu braço direito como primeiro vice-presidente da Comissão Política Nacional; agora, Manuela retribui com a defesa persistente de Rio na sua tribuna semanal da TVI 24. Paulo Mota Pinto, que presidiu à Comissão de Honra da candidatura de Rio, em Novembro de 2017, foi o mandatário nacional de Ferreira Leite em 2008.

Um grupo que, derrota após derrota, vai destruindo aquela que chegou a ser a maior força partidária portuguesa. Ao invés do que sucedia com Sá Carneiro, que conduziu o PSD a partido de governo, alicerçado em duas expressivas vitórias eleitorais possibilitadas pelo alargamento da sua base sociológica, estes seus putativos herdeiros estreitaram-na no afã de perseguirem a "verdadeira" social-democracia - agora também reclamada pelo BE de Catarina Martins  - com Rio a garantir que não quer «disputar eleitorado à direita».

 

Eis a consequência directa de um rumo encetado há muitos anos e que não surge por acaso: Rio, como Ferreira Leite antes dele, tem como estratego de cabeceira o biógrafo de Álvaro Cunhal, José Pacheco Pereira, que militava na esquerda radical quando Sá Carneiro presidia ao PSD. É ele o mentor da «viragem à esquerda» de um partido que sempre foi interclassista e avesso a catalogações ideológicas. Quatro anos após ter sido empossado o Executivo da "geringonça", Pacheco ainda espuma de raiva contra «o governo de Passos e Portas», de que foi um denodado combatente desde o primeiro dia.

Agora também ele já concede a derrota antecipada nas legislativas - a segunda que traz a sua marca estratégica no espaço duma década. O PSD, quando lhe atribui o estatuto de maitre penseur, sai sempre mais fraco e debilitado.

Será currículo ou cadastro? Eis matéria para reflexão a partir do dia 7 de Outubro, quando o partido tentar emergir dos escombros.

Fora da caixa (6)

Pedro Correia, 11.09.19

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«Nós agora propomos passar para um ano a licença de parentalidade.»

Assunção Cristas, em entrevista à TSF/DN (27 de Julho)

 

O CDS apresenta nesta campanha legislativa, entre outras medidas emblemáticas, o alargamento para doze meses da licença parental, podendo até ser extensiva a partir de certa altura aos avós. Isto porque, segundo Assunção Cristas, «é o que acontece nos países nórdicos, é o que acontece nos países com melhores índices de fecundidade».

Parece uma proposta meritória. E um louvável acto de contrição do CDS, que noutros tempos remou na direcção contrária, opondo-se à introdução desta medida num pacote de alterações à legislação laboral anunciado pelo Executivo de José Sócrates.

«Estender a licença até aos 12 meses pode causar algum susto aos empregadores, que podem retrair-se de contratar jovens em idade de ser pais. Por outro lado, penaliza os trabalhadores no sentido em que dificulta a sua progressão na carreira», objectou o deputado centrista Mota Soares, em declarações à agência Lusa, a 22 de Abril de 2008.

O que diriam então esses próceres do CDS da proposta que o próprio partido agora anuncia? Teriam talvez um «enorme susto», para utilizar um léxico hoje fora de moda no Largo do Caldas. Mudam os ventos, mudam as promessas. Ainda que alguns dirigentes do partido sejam os mesmos onze anos depois.

Fora da caixa (5)

Pedro Correia, 09.09.19

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«O programa do Bloco é social-democrata.»

Catarina Martins, em entrevista ao Observador (2 de Setembro)

 

Não sei o que terá acontecido a ambas. Tão duras, enérgicas e rebarbativas na campanha para as eleições europeias, tão doces, etéreas e cândidas nesta caminhada para as legislativas.

Convenço-me de que as duas se abastecem de sabedoria junto do mesmo tipo de guru. Alguém que lhes sussurra: limem arestas, falem com voz pausada, sorriam muito na pantalha. Mesmo que Rio vos mire com desprezo, mesmo que Costa vos triture com metralhas verbais.

E elas assim fazem: Assunção Cristas, outrora émula da brava Padeira de Aljubarrota, surge-nos com maviosos trinados de rouxinol; Catarina Martins, que já se assemelhou à indomável Maria da Fonte, parece agora estagiar para Madre Teresa de Calcutá.

Os gurus pós-modernos recomendam-lhes: não caiam na tentação do azedume, que provoca inúteis rugas de expressão e afugenta a clientela eleitoral. Pratiquem a castidade ideológica, previnam-se contra tentações radicais. 

Serão conselhos presumivelmente sábios. Mas receio que a coordenadora do BE ande a exagerar nas práticas revisionistas que a tornam quase irreconhecível. Confessar-se «social-democrata», nesta altura do campeonato, pode tresandar a eleitoralismo desbragado junto das pituitárias mais sensíveis.

E que diria o velho Trotsky, mentor da primeira geração de dirigentes do Bloco? «Ao prolongar a agonia do regime capitalista, a social-democracia conduz somente à decadência ulterior da economia, à desintegração do proletariado, à gangrena social», uivava o velho áugure num dos seus textos doutrinários que moldaram o pensamento do doutor Louçã.

Os resíduos trotsquistas são hoje uma curiosidade arqueológica no BE. Não me admirava que o neoguru de Catarina lhe recomendasse ao ouvido, insuflado de espírito feelgood: «Na próxima entrevista diga que o seu autor de cabeceira é Paulo Coelho.»

Fora da caixa (4)

Pedro Correia, 08.09.19
 

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«Precisamos de outras bússolas.»

André Silva, em entrevista à TVI, 4 de Setembro

 

«Estou quase a chegar ao Bairro Alto!», gritava a mulher ao telemóvel, na carruagem do metropolitano.

Em redor dela, ficámos todos a saber que aquela matrona opulenta, de unhas de gel e tatuagem no lombo, mentia com desenfado na plena pujança dos seus decibéis: seguíamos algures entre as estações de Sete Rios e Praça de Espanha. Ali perto, só o Bairro Azul.

Vejam lá em quem aquilo me fez pensar: em André Silva. O porta-voz do PAN está cheio de razão: anda por aí muita gente carente de novas bússolas.

Fora da caixa (3)

Pedro Correia, 07.09.19

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«Um programa de Governo não pode ser uma lista de prendas de Natal.»

António Costa para Catarina Martins (ontem, na RTP)

 

Os eleitores de centro-direita, que andavam desconcertados por falta de representação política nesta campanha legislativa, encontraram enfim alguém que fala para eles: António Costa. O secretário-geral do PS, depois de ter feito um nó cego ao PSD e ao CDS na campanha europeia a propósito da questão da contagem do tempo de serviço dos professores, em nome do rigor das contas públicas, adopta agora idêntica estratégia para estancar as perspectivas de crescimento do Bloco de Esquerda. Tarefa que parece exercer sem rebates de consciência, indiferente ao facto de os bloquistas lhe terem estendido a passadeira vermelha ao longo da legislatura.

O outro, comportando-se com a inconsciência narcísica dos adolescentes, proclamava-se "animal feroz". Mas a ferocidade mais temível, como os livros ensinam, é a dos que aparentam placidez. Catarina Martins que o diga: foi ontem arrasada sem contemplações, num frente-a-frente na RTP, pelo mesmo político que recebeu o seu abraço efusivo em forma de voto legitimador de quatro orçamentos do Estado. Em louvor à memória da defunta geringonça, subsistiam sorrisos naquele estúdio - mas o de Costa era de aço. O sorriso gélido de quem marcha para a guerra disposto a não fazer prisioneiros.

Andava a doce Catarina a colher papoilas nesse jardim das delícias que é o programa eleitoral do BE quando Costa, mirando com enfado o mesmo documento, a alvejou com fogo verbal: «Isto é absolutamente irrealizável.»

O advérbio de modo, certamente não escolhido por acaso, sugeria sem ambiguidades o que figura no topo da lista das prendas de Natal do primeiro-ministro: governar sem a muleta bloquista. Mas para que isto se tornasse ainda mais evidente Costa aplicou a Martins um gancho de direita: «O BE propõe-se contrair dívida para nacionalizar um conjunto de empresas. Gastar 10 mil milhões de euros a nacionalizar a Galp significa o mesmo montante da despesa corrente do Serviço Nacional de Saúde. Qual é o sentido desta despesa?»

Aberta a época da caça ao voto da direita, que Rui Rio deixou em estado de orfandade, o líder do PS supera a concorrência com larga vantagem: estrangulou o défice e bate-se contra as nacionalizações, fazendo das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento as suas tábuas da lei.

O centro-direita tem motivos para celebrar: volta a ter um líder em Portugal.

Fora da caixa (2)

Pedro Correia, 06.09.19

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«Tanto me faz estar como não estar.»

Rui Rio, entrevistado pela TVI 24 (3 de Setembro)

 

O estatuto de ex-presidente do PSD é um dos mais ambicionados na política portuguesa. Dá um bocado para quase tudo - desde administrador não-executivo do grupo financeiro multinacional Goldman Sachs (Barroso) até comentador de futebol na TVI 24 (Menezes). Por isso não admira que Rui Rio ande obcecado por atingir tal meta. Na corrida eleitoral em curso dir-se-ia até que este é o grande objectivo que o anima.

Para lá chegar, deu ontem mais um passo decisivo. No suposto frente-a-frente com Assunção Cristas, em directo no Jornal da Noite da SIC - afinal um monólogo a duas vozes, onde era gritante (até pela linguagem corporal de ambos) a nula empatia ali reinante.

Sem necessidade, como todas as sondagens indicam, o ainda presidente do PSD tudo fez para afugentar ainda mais o que resta do seu eleitorado fiel. Posicionou-se no espaço já ocupado por António Costa: «Eu não vou disputar eleitorado à direita. Disputo mais eleitorado com o PS do que com o CDS.» E saudou como filho pródigo um trânsfuga que nas europeias de 2014, durante a governação PSD-CDS, aceitou figurar no tempo de antena socialista e em Junho de 2015 foi brindado com aplausos frenéticos na Convenção Nacional do PS ao atacar a coligação e exprimir a sua «plena confiança» em Costa.

Rio - que voltou a não proferir uma palavra sobre o anterior Executivo liderado pelo seu partido - dobrou-se em vénias ao trânsfuga, gabando-lhe o «currículo notável» e enaltecendo-o como «pessoa altamente respeitável na sociedade portuguesa». Acelera para a derrota com tão convicta pedalada que já ninguém duvida: conseguirá atingir a cobiçada meta.

Antevejo-o já como comentador no Expresso aos sábados e na RTP3 às quintas. Um futuro auspicioso.

Fora da caixa (1)

Pedro Correia, 05.09.19

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«Há uma enorme confusão na definição ideológica dos outros partidos.»

André Silva

 

Espreitei parte da entrevista que o porta-voz do partido animalista deu ontem à noite à TVI. André Silva rejeita a dicotomia esquerda/direita e prefere «outras bússolas», segundo confessou, etiquetando de «progressista» o seu partido, assumidamente «pós-ideológico».

Convocado a descer da nuvem retórica, logo se apressou a desdizer o que dissera: «O PAN é um partido que se posiciona, acima de tudo, pela preservação dos ecossistemas.»

Tudo e o seu contrário, portanto. «Preservar os ecossistemas» é a definição perfeita de um partido conservador. O deputado único do PAN, que nesta entrevista se atreveu a acusar as restantes forças partidárias de fuga às respectivas matrizes ideológicas, devia olhar-se um pouco mais ao espelho. Não para acertar o nó da gravata, adereço que recusa usar talvez por lhe lembrar uma coleira, mas para ver a cara com que fica ao receber o ricochete dos tiros que dispara.