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Delito de Opinião

Solidários com os milionários

Pedro Correia, 27.01.20

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Pode ter sido distracção minha, mas até ao momento ainda não ouvi uma palavra oriunda do PCP sobre o que está a ocorrer em Angola - nomeadamente, as mais recentes notícias acerca das «lucros fabulosos» (expressão muito cara a Jerónimo de Sousa) acumulados pela filha do antigo Presidente da República que ali se perpetuou durante quatro décadas no poder - e foi amealhando também uns cobres muito razoáveis, ao que rezam as crónicas.

A repugnância dos comunistas perante fortunas pessoais - neste caso em contraste com as situações de extrema pobreza que afligem grande parte da população angolana - dissolve-se quando os milionários pertencem ao MPLA, "partido irmão" do PCP?

Não haverá, nas fileiras comunistas, vozes críticas capazes de se insurgirem contra esta chocante conivência? Pode ser que existam, mas andam emudecidas. Porque daquelas bandas nem um sussurro se tem escutado.

 

A verdade é que, ao longo de todos estes anos, o PCP alinhou sempre com José Eduardo dos Santos, a sua próspera família e o partido que tem gerido Angola em sistema monopolista. Com indecorosas atitudes de subserviência perante o poder angolano, agora deposto. Basta lembrar a censura ao livro Diário de um Preso Político Angolano, de Luaty Beirão, na Festa do Avante! de 2018, e o chumbo comunista de um voto parlamentar contra as penas de prisão aplicadas a 17 activistas angolanos, em 31 de Março de 2016 - aqui em jubilosa parceria com o PSD e o CDS.

Sem um reparo que fosse, sem o mais ligeiro tremor de perturbação. Pelo contrário, o exercício da crítica, por parte dos comunistas portugueses, visou sempre aqueles que ousavam contestar a autocracia angolana, inserindo-os em maquiavélicas conspirações orquestradas por Washington - numa patética recriação da linguagem soviética dos tempos da Guerra Fria.

 

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Aqui ficam alguns exemplos, com sublinhados meus:

 

Avante!, 22 de Outubro de 2015:

«Portugal não deve ser instrumento e servir de plataforma para a promoção da ingerência contra um Estado soberano, designadamente ao serviço daqueles que, envolvendo e mobilizando cidadãos angolanos partindo de reais problemas, contradições, fenómenos negativos e legítimos anseios, de facto agem com o intuito de os instrumentalizar para desestabilizar e concretizar a denominada «transição» ou «mudança» de regime em Angola. (...) Existem interesses externos e sectores da sociedade angolana que consideram criadas as condições e chegado o momento de fomentar a desestabilização neste país. (...) Não seremos instrumento para fazer de Angola uma nova Líbia com o seu rasto de destruição, sofrimento, devastação e morte.»

 

Declaração de voto parlamentar, 31 de Março de 2016:

«O PCP não acompanha campanhas que, procurando envolver cidadãos angolanos em nome de uma legítima intervenção cívica e política, visam efectivamente pôr em causa o normal funcionamento das instituições angolanas e desestabilizar de novo a República de Angola. (...) O PCP não acompanha os votos apresentados na sequência da decisão do Tribunal Provincial de Luanda, adoptada em 28 de Março, que condenou 17 cidadãos angolanos a penas de prisão pelos crimes que o Tribunal considerou como de actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores. (...) A rejeição do presente voto por parte do PCP emana da defesa da soberania da República de Angola e da objecção da tentativa de retirar do foro judicial uma questão que a ele compete esclarecer e levar até ao fim.»

 

Avante!, 7 de Abril de 2016:

«Usam ora Rafael Marques ora Luaty Beirão para se guindarem a educadores do povo angolano, ditando aos angolanos o que o seu país é e o que dele devem fazer. (...) Será que ninguém estranha que as posições assumidas por BE e PS nos votos que apresentaram sobre Angola sejam convergentes com aquelas que foram assumidas pelo Departamento de Estado norte-americano e pela União Europeia? (...) O PCP nunca será instrumento ao serviço das operações que querem fazer de Angola mais uma vítima, que queiram fazer de Angola uma nova Líbia

 

Avante!, 14 de Abril de 2016:

«Interesses externos e sectores da sociedade angolana que, não deixando de utilizar uma qualquer oportunidade para envolver cidadãos angolanos a partir de reais problemas e legítimos anseios, de facto agem com o intuito de os instrumentalizar para promover a desestabilização de Angola e, se possível, concretizar a sua tão almejada mudança de regime. (...) Os significativos e genuínos laços históricos e afectivos que unem o povo português ao povo angolano e Portugal a Angola não devem ser instrumentalizados por intensas e hipócritas campanhas mediáticas que, objectivamente, contribuem para "legitimar" obscuras operações contra Angola e os interesses e aspirações do seu povo.»

Os comunocapitalistas

Pedro Correia, 06.12.18

O PCP continua sempre ao lado dos hipercapitalistas chineses, membros do Partido Comunista lá do sítio. Mesmo quando ordenam o fecho total do luxuoso Ritz só para se instalarem - algo inédito nos 70 anos de história deste hotel, fundado durante o consulado de Salazar. Só nisto, a factura ascendeu a dois milhões de euros. Para eles são trocos.

Imagine-se só como reagiria o PCP se Donald Trump, Angela Merkel ou Emmanuel Macron procedessem assim numa visita a Lisboa.

Sempre ao lado dos ditadores

Pedro Correia, 12.04.17

O PCP votou na Assembleia da República contra a condenação do uso de armas químicas na Síria, colocando-se assim ao lado do ditador Assad.

É de assinalar, esta linha de rumo dos comunistas portugueses. Sem "desvios burgueses", sem brechas na muralha.

 

Já em Dezembro de 2016 tinham alinhado com a ditadura de Assad quando foram a única bancada parlamentar a opor-se em São Bento a um voto de condenação dos bombardeamentos e outros crimes contra a população civil praticados na cidade de Alepo.

Já em Novembro de 2014 o partido liderado por Jerónimo de Sousa recusara subscrever um voto de congratulação pelo 25.º aniversário do derrube do Muro de Berlim.

Já em Fevereiro de 2014 o grupo parlamentar do PCP se isolara das restantes forças parlamentares ao negar-se a  condenar os crimes contra a humanidade cometidos pelo regime totalitário da Coreia do Norte.

Já em Dezembro de 2011 a bancada comunista se mantivera fiel à cartilha ideológica, isolando-se na rejeição de um voto de pesar pelo falecimento do escritor e dramaturgo Vaclav Havel, ex-preso político da ditadura comunista em Praga e primeiro Chefe do Estado da República Checa democrática.

 

Sempre ao lado de regimes tirânicos, sempre contra quem os combate: assim se vê a coerência do PCP.

Pós-eleitorais (7)

Pedro Correia, 03.02.16

É algo normal. Os partidos comunistas italiano e francês, outrora os mais poderosos do Ocidente, desapareceram do mapa. Deixaram de apresentar-se com as suas siglas (o que, de resto, também o PCP faz desde 1979) e viram os eleitores, em certos casos, transferir o voto directamente para a direita soberanista e xenófoba. Também em Espanha o PC deixou praticamente de existir. O mesmo sucede nos países do Leste da Europa, até há um quarto de século submetidos ao jugo do "socialismo real".
Os 4% agora obtidos pelo candidato presidencial Edgar Silva são o pior resultado desde sempre registado nesta área política em Portugal. Mas ainda são muito superiores à média eleitoral dos comunistas na Europa. O PCP resiste, logo existe.

Marxista, tendência Google

Pedro Correia, 15.01.15

Ah, como é cómodo ver a realidade a preto e branco.

Ah, como é útil definir tudo como um confronto entre imperialismo capitalista e socialismo revolucionário, à boleia do que escreveu um senhor de longas barbas no século XIX.

Ah, como é intelectualmente estimulante solucionar cada dilema vergastando verbalmente os Estados Unidos da América com as palavras de ordem que constam do manual.

Ah, como faz bem ao espírito bradar contra o actual inquilino da Casa Branca, Richard Nixon.

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Ah, como é revigorante contemplar o Muro erguido para a eternidade como sentinela de cimento do bloco soviético nestes tempos de Guerra Fria.

Ah, como é doce lançar anátemas contra a Europa democrática sentado no conforto de um sofá da Europa democrática.

Ah, como é revolucionário escrever incansavelmente as palavras burguês e burguesia, à semelhança do que faz qualquer genuíno marxista, tendência Google.

Penso rápido (22)

Pedro Correia, 11.07.14

Os eleitores não estão só cansados com o comportamento dos partidos de governo (e englobo aqui também o PS, partido de governo): deploram também uma certa maneira de fazer oposição protagonizada pelo comunistas, que jamais conseguiram vencer uma eleição a nível nacional e persistem em ser apenas uma força de protesto inconsequente.
Exigem que tudo mude para que tudo fique na mesma, como o Príncipe de Salina. Já deixaram há muito de ser revolucionários. Ficaram a meio caminho. Fazendo de conta que o são.

Os extremos tocam-se

Pedro Correia, 06.06.14

O povo é quem mais ordena (excepto em Kiev e Caracas, em que o povo é "fascista")

Pedro Correia, 25.02.14

Aqui escrevem os comunistas puros e duros. Sem punhos de renda, como antes da queda do Muro de Berlim. Com linguagem típica de Guerra Fria. Querem derrubar nas ruas o Governo português, que recusam qualificar de democrático, aplicando a cartilha marxista-leninista sobre "violência revolucionária". Enquanto se enfurecem ao ver as ruas da Ucrânia e da Venezuela encherem-se de protestos do povo, a quem não hesitam em chamar fascista.

 

Sobre Portugal:

«Urge apressar o derrubamento deste governo de máscara democrática que é na prática uma ditadura do capital.»

Sobre a Ucrânia:

«Uma vaga de anticomunismo selvagem varre grande parte da Ucrânia. Na capital e nas cidades da Ucrânia Ocidental, organizações de extrema-direita praticam crimes abjetos, perante a passividade do exército e das polícias. Desde o III Reich nazi que não acontecia algo comparável na Europa. O fascismo exibe na Ucrânia, com arrogância desafiadora, a sua face hedionda.»

Sobre Portugal:

«Anima-me a convicção de que o povo português, ao reencontrar-se com a História, volte em breve a assumir-se como sujeito. O aumento torrencial das lutas sociais e da combatividade das massas reforça a esperança de que os trabalhadores, liderados pela CGTP, se mobilizem para enfrentar e afastar do poder os que hoje os oprimem, roubam e humilham.»

Sobre a Venezuela:

«Uma campanha de desinformação, que envolve os grandes media dos EUA e da União Europeia, transmite diariamente a imagem de uma Venezuela onde a violência se tornou endémica, manifestações pacíficas seriam reprimidas, a escassez de produtos essenciais aumenta, a inflação disparou e a crise económica se aprofunda. Ocultam a realidade. Quem promove a violência é a extrema-direita, quem incendiou lojas da Mision Mercal que vende ao povo mercadorias a preços reduzidos, quem saqueia supermercados é essa oposição neofascista que se apresenta como "democrática".»

Sobre Portugal:

«A demissão deste governo, que há muito já deveria ter ocorrido, torna-se cada dia mais urgente. Não é previsível que Cavaco Silva assuma – como não assumiu outros – o dever constitucional de o fazer. Está nas mãos e na luta do povo realizar essa tarefa essencial de saneamento político e democrático.»

Sobre a Ucrânia:

«Os desmandos e violências em curso dos grupos fascistas são inquietantes. Nas cidades que controlam destruíram estátuas de Lenine, ilegalizaram o Partido das Regiões (que apoiava o Presidente) e o Partido Comunista da Ucrânia e em alguns casos fecharam as suas sedes. É transparente que o fascismo ucraniano exibe o seu rosto hediondo.»

A peculiar geopolítica comunista

Pedro Correia, 30.11.12

 

Jerónimo de Sousa quer "devolver a palavra ao povo", com o recurso a eleições antecipadas. Num discurso em que defendeu o "pleno direito do povo português a decidir do próprio destino" no quadro de uma União Europeia que no seu entender é "irreformável".

 

Declarações do secretário-geral do PCP na abertura do XIX Congresso do partido, em Almada. Lendo no entanto a proposta de resolução política que será votada nesta reunião magna dos comunistas, que países merecem elogios rasgados do partido que Jerónimo de Sousa lidera? Os do costume. Por exemplo, a República Popular da China do partido único, com todo o "pujante desenvolvimento das suas forças produtivas" - em contraste com o "marasmo japonês". Com um ano de atraso, chora-se a "agressão à Líbia" que permitiu derrubar a velha ditadura de Kadhafi, vigente durante 42 anos. Os comunistas saem em defesa da criminosa dinastia de Assad, que oprime há quatro décadas o seu povo, denunciando a "gigantesca campanha de desinformação, desestabilização e agressão à Síria". E do odioso regime teocrático implantado em 1979 em Teerão, vociferando contra "as provocações e a escalada belicista contra o Irão". Vergastam a "contra-ofensiva do imperialismo" em Cuba, país dominado há 54 anos pela família Castro, sempre pronta a asfixiar as mais tímidas manifestações de reformismo interno. Não esquecem entretanto uma palavra solidária à tirania norte-coreana, lamentando aquilo a que chamam "provocações à República Popular Democrática da Coreia".

 

E, para que não restem dúvidas, entoam hossanas em louvor muito especial dos cinco países ainda governados por comunistas que restam no globo, concedendo-lhes o nobre título de nações "resistentes": "No quadro da resistência ao domínio hegemónico do imperialismo, assumem particular relevo no plano internacional vários países (China, RPD da Coreia, Cuba, Laos e Vietname) que, não se integrando no sistema capitalista, constituem objectivamente um factor de contenção dos seus propósitos de domínio planetário."

Países que não respeitam os mais elementares direitos democráticos e cujos regimes ditatoriais, somados, totalizam 258 anos.

 

Já os EUA e a França, países democráticos onde a palavra foi recentemente "devolvida ao povo", são brindados com severas críticas do PCP. "A realidade desmente as campanhas de branqueamento do imperialismo em torno de fabricadas «mudanças» como as da eleição de Barack Obama ou François Hollande. A natureza e objectivos da política dos EUA e da União Europeia – em que a NATO desempenha um papel de primeiro plano – mantêm-se inalteráveis", lê-se na proposta de resolução política. Nada de novo: é mais do mesmo.

 

Passam as décadas, mas o PCP permanece igual a si próprio: tolerante e solidário com ditaduras, implacavelmente crítico com as democracias. Imaginam por instantes um partido da oposição - assumindo que ele existisse - reclamar hoje, como reclama Jerónimo de Sousa, que a palavra seja "devolvida ao povo", senhor do seu "próprio destino", através de eleições democráticas e livres, em Havana, Pequim ou Pionguiangue?

Pois, ninguém imagina. Nem sequer os dirigentes do PCP, que têm um discurso para consumo interno e outro, muito diferente, em matéria de política internacional. Reivindicando mais democracia aqui enquanto aplaudem ditaduras noutros quadrantes.

Иосиф Виссарионович Сталин

Pedro Correia, 21.06.12

 

«As ideias são muito mais poderosas do que as armas. Nós não permitimos que os nossos inimigos tenham armas, porque deveríamos permitir que tenham ideias?»

Estaline

 

O camarada Estaline revive de boa saúde nas caixas de comentários de alguns blogues onde não é difícil encontrarmos quem lhe teça loas com o mesmo fulgor orgástico de uma Mariana Alcoforado suspirando na cela do Convento de Nossa Senhora da Conceição pelo conde de Saint-Léger.

Eis aqui alguns comentários dados à estampa por discípulos espirituais do "Guia Genial dos Povos", responsável apenas por quatro milhões de condenações políticas - incluindo 800 mil execuções sumárias e cerca de 2,6 milhões de internamentos no Gulag - no seu glorioso consulado de três décadas à frente dos radiosos destinos da União Soviética, farol da Humanidade:

 

«A imaginação não tem limites e dá sempre jeito meter Estaline (a quem a imaginação já acusou de tudo) para compor o ramalhete.»

 

«Estalinismo é um conceito inventado pela direita e pela esquerda que ataca o leninismo.»

 

«O grande inimigo da pequena burguesia urbana é o camarada Estaline.»

 

Hossana, camaradas, Hossana. A memória gloriosa do grande Estaline, pai dos povos e libertador de nações, permanecerá eternamente viva no coração dos verdadeiros comunistas. Construtor do socialismo, artífice da vitória dos povos na guerra contra o fascismo, defensor da independência e da soberania dos povos, arquitecto do comunismo, o maior defensor da paz e da felicidade do homem.

Alguém ousa duvidar?

Estes comunistas são impagáveis!

Rui Rocha, 28.12.11

 

Enquanto a natureza continua a chorar a morte de Kim Jong-il (convém recordar aqui os episódios da ave branca maior do que uma pomba que limpou a neve de uma estátua do Querido Líder, do grou que voou três vezes em redor de uma outra, das pombas que choraram meia-hora ou do ruído ensurdecedor do  quebrar do gelo no monte Baekdu), coisa que aliás não é surpreendente se tivermos em conta que o nascimento do agora defunto foi anunciado por um arco-íris duplo e por uma nova estrela no firmamento junto ao monte Paektu, o dito cujo foi transportado para a derradeira morada numa americaníssima limusina Lincoln. Caso para dizer: so long, buddy!

Prosa de general birmanês

Pedro Correia, 19.11.10

 

No Avante!, nada de novo. Na sua mais recente edição, o órgão central dos comunistas surge em defesa dos direitos humanos no Sara Ocidental - e muito bem - mas páginas adiante lá vem a habitual condescendência com as ditaduras "amigas", desta vez num texto abjecto do misógino de serviço, Correia da Fonseca, sobre a Nobel da Paz Aung San Suu Kyi. "Imagino que deve ser terrível para uma mulher, para mais senhora de boa disponibilidade financeira, não poder sair de casa para ir às compras no hipermercado mais próximo", assinala o escriba comunista. Reduzindo a privação da liberdade da oposicionista birmanesa durante duas décadas a uma laracha machista de péssimo gosto.

Qualquer membro da junta militar de Rangum seria capaz de dar à estampa um escarro destes. Por momentos imaginei até Correia da Fonseca com divisas de general. Birmanês.

 

Ler também:

A Ana Matos Pires, a Joana Lopes, o João Tunes e o José Simões.

A cassete comunista

Pedro Correia, 18.11.09

No debate do Estado da Nação de 2007, em 20 de Julho desse ano, Jerónimo de Sousa afirmou na Assembleia da República que Portugal se havia transformado num "país mais injusto".

Em 15 de Outubro de 2008, falando em Aveiro, afirmava que "o nosso país está hoje mais injusto e desigual, mais endividado e mais dependente".

Um ano depois, em 14 de Março de 2009, o diagnóstico do secretário-geral do PCP foi muito semelhante: "O país está pior, mais injusto, desigual e endividado." Na Festa do Avante!, em Setembro, o mesmo mote: "O país está agora ainda mais frágil e mais debilitado do que estava em 2005", declarou Jerónimo a 6 de Setembro. Alguns dias depois, a 18, o líder comunista atacava o Código de Trabalho sublinhando que José Sócrates havia tornado o País "mais desequilibrado e mais injusto".

Já este ano, a 23 de Março, ao convocar uma manifestação de protesto contra o Governo o PCP lamentava que o País se tenha tornado "mais desigual, mais injusto, mais dependente e menos democrático".

Mais recentemente, no editorial do jornal Avante! de 5 de Novembro, pode ler-se:"Com o capitalismo dominante, o mundo é, hoje, menos democrático, menos livre, menos justo, menos fraterno, menos solidário, menos pacífico."

Depois disso, a 7 de Novembro, o secretário-geral do PCP justificou o facto de não celebrar o derrube do Muro de Berlim por haver hoje “um mundo mais injusto, mais desigual, menos democrático, com mais guerra”.

Sempre a música do costume: vira o disco e toca o mesmo. Deve ser a isto que alguns chamam a cassete comunista, que remonta aos tempos pré-históricos. Ninguém lhes arranja um DVD?

Vinte anos de liberdade a Leste

Pedro Correia, 09.11.09

 

Hoje o mundo celebra a queda do Muro de Berlim, o símbolo mais inequívoco de um universo opressivo, nascido do equilíbrio do terror nuclear entre as duas superpotências que dominaram a geopolítica do pós-guerra. O mundo inteiro? Não. Numa 'aldeia' de irredutíveis comunistas há quem prefira celebrar não o muro caído mas o muro ainda erguido, entre 1961 e 1989, cortando ao meio um país, cortando ao meio uma cidade de onde os próprios habitantes não podiam sair por imposição de uma potência estrangeira - a URSS - que a ocupava militarmente. Este Astérix de sinal contrário, adepto das legiões romanas com sotaque russo, é o Avante! , órgão central do Partido Comunista Português, que em editorial derrama lágrimas pela queda do império soviético, suspirando de nostalgia pela Revolução de Outubro.

"A constituição do primeiro Estado operário; as conquistas civilizacionais – políticas, sociais, económicas e culturais - alcançadas na União Soviética nascida da Revolução de Outubro; o processo de construção do socialismo então iniciado e os seus êxitos; as múltiplas repercussões no mundo de todo esse exaltante processo, dando nova dimensão à luta de libertação nacional dos trabalhadores e dos povos e à luta pela paz – e, com tudo isso e por tudo isso, o papel que a URSS passou a desempenhar à escala planetária, criaram novas e promissoras perspectivas num mundo até então submetido ao domínio absoluto do sistema capitalista, apresentado como uma «inevitabilidade» decorrente de uma «ordem natural das coisas» fabricada pela ideologia dominante à medida dos interesses do grande capital internacional", escreve o Avante!. Como se vivêssemos no mundo pré-1989, antes da queda do comunismo nas capitais do Leste. Como se vivêssemos no mundo pré-1973, antes de Soljenitsine ter feito a minuciosa descrição do universo concentracionário dos gulags na mais emblemática das suas obras. Como se vivêssemos no mundo pré-1956, antes da revelação - pelo próprio secretário-geral do Partido Comunista soviético, Nikita Khrutchov - dos crimes cometidos por Estaline, o czar vermelho desse falso "primeiro Estado operário" que os comunistas ortodoxos portugueses, possuídos de um saudosismo serôdio, agora glorificam.

"A derrota do socialismo, com o desaparecimento da União Soviética e da comunidade socialista do Leste da Europa, constituiu uma tragédia, não apenas para os povos desses países mas para toda a humanidade: com o capitalismo dominante, o mundo é, hoje, menos democrático, menos livre, menos justo, menos fraterno, menos solidário, menos pacífico", refere ainda o editorial do órgão oficial do PCP.

Nem por um momento ocorre ao Avante! reflectir sobre o que levou essas sociedades tão progressistas a implodir estrondosamente e os trabalhadores 'libertados' de Leste a correr rumo à 'opressão' do Ocidente. É que essas sociedades se fundavam numa mentira que o PCP gosta de repetir ainda hoje: não havia Estados-operários mas ditaduras burocráticas, assentes num capitalismo de Estado para o qual cada cidadão era um sujeito destituído de direitos - começando pelos direitos laborais. O próprio direito à greve era severamente reprimido, como experimentaram na pele os operários que se rebelaram em Berlim-Leste (1953) ou na Polónia (1956, 1970, 1981), já para não mencionar a Roménia do camarada Ceaucescu, que mandava construir os seus faustosos palácios com mão-de-obra escrava.

Este era o falso ''paraíso socialista' que terminou em 1989. O mundo ficou mais livre depois da queda do Muro - depois da queda de todos os muros do Báltico ao Adriático. E ficou também mais igualitário e justo. Porque nenhuma liberdade era realmente digna desse nome na Europa quando permitíamos, por acção ou omissão, que metade do continente ainda não tivesse perdido as grilhetas, para usar uma expressão marxista que o Avante! só emprega quando lhe convém. Como se houvesse alguma superioridade moral nas grilhetas comunistas.

Os saudosistas do Muro

Pedro Correia, 04.11.09

 

Por estes dias, o mundo assinala o 20º aniversário da queda do Muro de Berlim, um dos mais tenebrosos símbolos da Guerra Fria e do 'socialismo real' que vigorou durante quase meio século no Leste da Europa. Uma data que devia ser festiva para todos. Mas há sempre alguém que diz não: o PCP recusa associar-se às celebrações de júbilo pelo derrube do sinistro bloco de betão que dividiu a capital alemã durante 28 anos, chamando uma manobra da "contra-revolução" a essa incomparável explosão de liberdade ocorrida a 9 de Novembro de 1989.

Em comunicado hoje distribuído à imprensa, os comunistas portugueses exprimem a sua dolorosa nostalgia pelo caduco sistema soviético que implodiu há duas décadas. Celebrar para quê? Na óptica do PCP, "o mundo está hoje mais injusto, mais desigual, mais perigoso e menos democrático". De então para cá, conclui o partido liderado por Jerónimo de Sousa, aumentou a "opressão e exploração dos povos - a começar por muitos dos ex-países socialistas, com a regressão de direitos laborais, a privatização de funções do Estado, com a ofensiva contra direitos e liberdades historicamente alcançados". Como se vigorasse alguma liberdade na Europa de Leste anterior a 1989, mantida sob a tutela pura e dura dos blindados soviéticos.

O cenário actual é todo negro: "Em Portugal e no mundo, se há coisa que estes 20 anos confirmam é que o capitalismo não só é incapaz de resolver os grandes problemas da humanidade e do planeta, como é o principal factor do seu agravamento". Antigamente é que era bom.

O que mais impressiona, neste comunicado, é a defesa - cega e surda às evidências da História - de um sistema que acorrentou milhões de pessoas, impedindo-as até de circular dentro do seu próprio país. O PCP de hoje, nesta matéria, é mais fechado e mais sectário do que o de Maio de 1990, reunido no congresso extraordinário de Loures, onde Álvaro Cunhal deixou bem claro: "O nosso partido rejeita e condena situações, orientações e práticas negativas que conduziram países socialistas a crises e a derrotas."

Gostaria de saber se comunistas lúcidos e moderados - como António Filipe, Honório Novo, Rui Sá, Octávio Teixeira, Ruben Carvalho e Manuel Gusmão, só para mencionar alguns - se revêem no lamentável comunicado difundido hoje pelo gabinete de imprensa do PCP.

 

ADENDA

O último líder do Partido Comunista da Alemanha de Leste, Egon Krenz, disse ao correspondente da Lusa em Berlim, Francisco Assunção, que "cada morto foi um morto a mais", referindo-se aos 140 alemães de leste abatidos por guardas fronteiriços quando tentavam fugir para Berlim-Oeste entre 1961 e 1989. Mortos que o PCP esquece enquanto chora pelo muro que caiu.

Um crime é sempre um crime

Pedro Correia, 02.11.09

 

Tiago Mota Saraiva limita-se a chamar "erros" aos crimes do estalinismo. Nada mais que isto: erros. Um termo que podemos usar ao referimo-nos a uma simples operação aritmética. Espantoso: mais de meio século após estes crimes terem sido denunciados pelo próprio secretário-geral do PCUS, Nikita Khrutchov, numa sessão à porta fechada do XX congresso do partido soviético, ainda há quem ande à cata do eufemismo mais à mão, numa desesperada tentativa de apagar as evidências da História. Posições destas representam o equivalente moral às teses negacionistas, capazes de jurar que o Holocausto nunca existiu.

Lamento contrariar o Tiago, mas nenhuma sociedade justa se constrói sobre um cortejo de crimes. Um crime, por ser praticado em nome da "esquerda", não deixa de ser um crime. E jamais alguém deve considerá-lo um mero erro, sob pena de se desqualificar em termos intelectuais e éticos. Um crime é sempre um crime. Ponto final.

 

Ler também

- Alguns erros, claro. Do Tiago Moreira Ramalho, no Corta-Fitas.

Um estalinista convicto

Pedro Correia, 19.08.09