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Delito de Opinião

Blogue da Semana

Marta Spínola, 02.11.14

Esta semana o blogue por mim escolhido é o all about little lady bug, o blogue pessoal da Joana onde se pode acompanhar a versatilidade da autora. Por outras palavras, as da própria Joana, é: "onde falo de mim, das minhas coisas, do meu mundo. há filosofia, há tony carreira... há de tudo. há kizomba e wittgenstein, tb."

Seguindo o perfil  existem outras pepitas deixadas pela hiper-dinâmica Joana por essa blogosfera (que é dinâmica fora dela também, muito).

 

Desabafo

Luís Naves, 18.06.14

Teria bastado um diiscreto pedido de desculpas, mas saiu isto. A blogosfera portuguesa revela por vezes um grau de infantilidade e disparate que me deixa louco.

Sou um autor não pago, cuja opinião neste blog, ou em outros, constitui uma manifestação de liberdade que as pessoas têm o privilégio de ler ou de não ler. Além disso, quem me convidou para escrever aqui não precisa certamente de polémicas destas. 

Pergunta um comentador por que razão perco tempo com estas pessegadas. Tem razão. Perco muito tempo e o retorno é frustrante. Por isso, deixo o terreno para os donos da blogosfera e as suas preciosas audiências. Aturar garotos não é a minha especialidade.

Escreverei menos aqui, mais para mim. Regressarei devagarinho, quando me esquecer da pessegada, daqui a umas semanas.

O polícia sinaleiro

Luís Naves, 17.06.14

Na blogosfera portuguesa há uma pseudo-direita que acha que basta abanar os braços para ter razão. É uma direita que pensa frequentemente mal e geralmente pensa pouco. O post de O Insurgente era para mim, mas não quero saber. Na hipótese remota de não ser eu o coitadinho, o recado é igualmente inaceitável. Na realidade, estou-me a borrifar, mas também acho que há na blogosfera portuguesa uns autores armados em polícias sinaleiros, com uma opinião demasiado lisonjeira da sua importância.

Escrevi um post a levantar uma questão e o autor não tem de responder, mas depois não me digam que são intelectuais e, sobretudo, não façam estas fitas de rapazes da selecção nacional, ainda por cima em português deficiente. Fiquem em silêncio ou guardem a má educação para as vossas discussões marcianas.

   

Eram o conhecimento e a informação, estúpidos

Rui Rocha, 09.01.14

A memória de Sócrates sobre o jogo da reviravolta contra a Coreia provocou o regresso das redes sociais aos velhos tempos. De um lado, artilharia pesada, escrutínio ao pormenor, argumentos esticados e estocada satírica. Do outro, fogo de barragem e manobras de diversão. No fulgor da batalha, regista-se o testemunho de Fernando Moreira de Sá sobre o tema. Noutra encarnação, Moreira de Sá, especialista em comunicação cujos escritos raramente entendo (coisa que é naturalmente da minha total responsabilidade), dedicou-se de acordo com o próprio depoimento a criar perfis falsos no facebook, a intervir em programas radiofónicos para queimar adversários políticos e a outras variadíssimas campanhas negras. Desta vez, todavia, elabora sobre a melhor forma de combater a manipulação. Nada mais nada menos do que conhecimento e informação, revela-nos o mestre enquanto nós lhe agradecemos com voz trémula, embargada pela comoção da descoberta. Logo de seguida, Moreira de Sá levanta ligeiramente as vestes e, enquanto se prepara para caminhar sobre as águas com um portátil da Apple na mão (só não cofia a longa barba branca porque tanto quanto sei não a tem), afirma: 

Era tão simples saber que nesses anos os estudantes tinham aulas ao sábado. Era tão simples primeiro procurar a informação e só depois comentar. Mas não. A lógica nas redes sociais é primeiro atirar e perguntar depois. Como no velho oeste.

 

Entretanto, várias testemunhas garantem que, depois de publicar o post, Moreira de Sá acenou a familiares e amigos com a mão que mantinha livre e dirigiu-se a um mosteiro budista, dedicando-se agora a uma vida de recolhimento e oração. 

Postal de aniversário

Pedro Correia, 05.01.14

 

Ao nosso leitor José Sejeiro

 

Num blogue onde até hoje já foram publicados quase 200 mil comentários, é natural que muitos tenham marcado cada um de nós. A mim nenhum marcou tanto como um texto de poucas linhas, inscrito já não sei em que caixa de comentários, da autoria de uma criança ainda, ou de uma pré-adolescente, que só aqui apareceu uma vez.

Dizia essa pequena mensagem que o bisavô da menina, por irreparáveis dificuldades de visão, já não podia comentar mais aquilo que por cá ia sendo escrito. Limitar-se-ia a escutar se alguém lesse para ele, designadamente esta bisneta. Mesmo assim, não queria -- ao menos por esta via -- deixar-nos uma última palavra de incentivo e saudação.

Recordo sempre este textinho, que tanto me comoveu, como expressão evidente daquilo que ainda há dias aqui mencionei como um dos principais atributos da blogosfera, que tantos vêm condenando antecipadamente ao ostracismo: é um poderoso exercício contra a solidão. Porque aqui se comunica, aqui se forjam elos, aqui se estabelecem amizades até com quem pensa de maneira muito diferente da nossa, aqui adquirimos a certeza de que estamos menos isolados. Contra a iniquidade, contra a depressão, contra o devastador silêncio que alastra como um cancro nas sociedades contemporâneas, onde demasiada gente não consegue ouvir mais do que o eco enfraquecido da própria voz.

 

Aquele senhor, bisavô da menina que nos escreveu, foi uma presença constante das nossas caixas de comentários nos primeiros dois anos de existência do DELITO DE OPINIÃO. Assinava José Sejeiro (ou José Sejeiro Velho, num saudável assomo de auto-ironia) e aos poucos ia-nos contando algo de si: vivia num daqueles estabelecimentos que se convencionou chamar de "lar da terceira idade", evitava consumir as energias que lhe sobravam a falar exclusivamente de doenças com quem o rodeava e aprendeu a utilizar o computador para continuar a rasgar horizontes apesar da sua precária condição física. Uma das suas mensagens chegou a ser eleita comentário da semana -- rubrica que é um dos mais persistentes traços de originalidade deste blogue -- e vários de nós travámos com ele estimulantes e saborosos diálogos.

Nunca mais aqui houve notícia de José Sejeiro. Mas o registo das apreciações que nos deixou permanece, inapagável. Como memória viva de um momento irrepetível do DELITO, que hoje festeja cinco anos de existência fiel ao mote aqui traçado no primeiro texto do primeiro dia: este é um blogue "aberto a comentários, que pretende acolher e estimular, na convicção de que a interactividade com os leitores é indissociável deste meio de comunicação".

 

Não sei se o senhor que assinava José Sejeiro Velho -- alguém que nunca cheguei a conhecer pessoalmente -- se encontra ainda connosco. Gosto de imaginar que sim, e que a bisneta lhe continua a ler textos nossos. Mas, esteja onde estiver, é a ele que dedico este postal de aniversário. Fazendo questão de acentuar que o DELITO DE OPINIÃO prosseguirá a sua trajectória, já documentada em 22.550 textos de quatro dezenas de autores.

Continuaremos. Mesmo que alguns, sempre prontos a renegar a moda de anteontem para aderirem à moda que renegarão depois de amanhã, insistam em proclamar que os blogues já eram, que não adianta remar contra a maré, que isto de procurar escrever prosas que ultrapassem os 140 caracteres é coisa do passado.

 

Há dias prestei aqui homenagem a 242 resistentes do bloguismo que fui lendo em 2013, com maior ou menor regularidade. Chega agora a vez de prestar também homenagem aos restantes, muitas vezes sem nome próprio, muitas vezes sem outra voz. Refiro-me aos nossos leitores, aos que chegam cá e nos deixam uma palavra de crítica ou elogio nas caixas de comentários.

A todos eles, que simbolizo naquele senhor que só deixou de nos ler quando deixou de ver, endereço hoje uma calorosa palavra de gratidão.

Estes cinco anos passaram num instante. Mas temos muito mais a dizer. E aqui continuaremos, ao encontro de novos e velhos leitores, sabendo resistir a caprichos da moda e a ventos adversos.

Combatendo o silêncio, mesmo quando surge mascarado de palavras. Fazendo deste blogue um exercício contínuo de resistência. Contra a apatia e a solidão.

 

Para que não restem dúvidas

Pedro Correia, 21.11.13

Transcrevo, na íntegra, um esclarecimento que enviei na manhã de segunda-feira ao director da Visão e é publicado na edição de hoje desta revista (p.48):

 

«Li na última edição da Visão a invocação do meu nome associado a declarações sobre "campanhas negras" de intimidação de políticos, manipulação de fóruns radiofónicos e televisivos e criação de falsas identidades nas redes sociais numa entrevista concedida pelo consultor de comunicação Fernando Moreira de Sá ao Miguel Carvalho, que foi meu colega no Diário de Notícias. Essas imputações, que admito resultarem de grave e lamentável imprecisão de linguagem do vosso entrevistado ao pretender falar de muita coisa em pouco tempo, não têm o menor fundamento, na parte que me diz respeito. Não só nunca participei em práticas semelhantes como as repudio categoricamente, venham de onde vierem. Fernando Moreira de Sá, aliás, já clarificou a questão no seu blogue, Aventar. Eu também, no blogue Delito de Opinião. Mas não só os leitores da Visão merecem este meu esclarecimento como a minha consciência profissional e cívica assim o exige.»

 

Entendi reproduzi-lo também no DELITO DE OPINIÃO para dissipar quaisquer dúvidas que possam ter persistido em duas ou três pessoas que merecem consideração perante suspeições que não tardei a desmentir aqui. Pessoas como Francisco Seixas da Costa, que admite "nunca mais olhar para certos blogues de outra maneira".

Pode continuar a ler o DELITO como sempre, caro embaixador.  Não tenho a menor dúvida de que, com as suas mais de cem mil visualizações mensais, este seria sempre um alvo bem apetecível - à direita e à esquerda. Mas a própria existência deste blogue, que dentro de poucas semanas festejará o quinto aniversário e pode já tornar-se um caso de estudo por sempre se ter mantido teimosamente plural, é o desmentido vivo da minha associação a manipulações de qualquer espécie.

Quem quis, quando quis, no exercício pleno da sua liberdade de expressão, nunca deixou de criticar aqui governo algum, político algum. Assim foi, assim será.

 

Deixo ainda, a propósito, um abraço grato e mais que justificado ao Paulo Gorjão, à Maria João Marques, ao João Távora e ao Luís Novaes Tito.

Da efabulação e outras artes, também menores

Pedro Correia, 15.11.13

 

I

Há imensas coisas que se aprendem ao folhear um jornal ou uma revista. Às vezes sobre nós próprios. Ontem, por exemplo, fiquei a saber que participei em manobras destinadas a colocar o actual primeiro-ministro no poder. Está lá, com o meu nome e tudo, numa versão avalizada por uma fonte supostamente idónea e -- como é costume no jornalismo pós-moderno, contaminado pelos automatismos das chamadas "redes sociais" -- não sujeita a um esforço mínimo de contraditório. Não fosse alguma versão contrária estragar aquilo que parece uma boa história.

Diz essa fonte que eu terei participado numa conspiração que envolveu manipulação de fóruns radiofónicos e televisivos, disseminou contra-informação e destruiu reputações nas redes sociais e outras malfeitorias. Tudo a partir de um blogue chamado Albergue Espanhol quando Passos Coelho ainda se encontrava na oposição.

É espantoso como pode alguém convencer-se de que um blogue, tenha a força que tiver, é capaz de conduzir um determinado político ao poder. É também espantoso alguém convencer-se de que um blogue, a partir da oposição, pode no fundo ser mais do que aquilo que é.

 

II

Lamento desiludir aqueles que embarcam em qualquer tese sensacionalista, mas um blogue é apenas um blogue. Funciona como veículo privilegiado de reflexão e discussão de ideias, designadamente na esfera política: nada menos mas também nada mais que isso.

O Albergue Espanhol foi um blogue que existiu entre Janeiro de 2010 e Agosto de 2011 e juntou pessoas que tinham posições críticas em relação ao executivo de José Sócrates: se havia "linha editorial" naquele projecto era essa e mais nenhuma. Não fazia sentido prolongar a sua existência após a derrota eleitoral do anterior primeiro-ministro e por isso terminou naquele Verão, julgo até que por sugestão minha. Mas enquanto durou deu bastante que falar. Não por ser monolítico, longe disso. A prova é que entre os seus membros contava-se o professor José Adelino Maltez, um dos nomes mais respeitados do comentário político em Portugal. E o Luís Osório, que nunca ninguém identificou com o PSD. E o Luís Menezes Leitão, que mais tarde tive o gosto de convidar para o DELITO DE OPINIÃO e cujas posições extremamente críticas de Passos Coelho e do executivo PSD/CDS, na blogosfera e na imprensa, são de todos bem conhecidas.

"Conspiradores", todos eles? Acredite quem quiser. Há crenças para tudo.

 

III

E por falar em monolitismo: conversei sumariamente com alguns amigos por ocasião do lançamento do Albergue e deixei logo muito claro que nas eleições presidenciais do ano seguinte -- que mereceram grande atenção do blogue, como já se esperava -- a minha simpatia, à partida, recaía em Manuel Alegre. E recordo com satisfação ter sido eu o primeiro, numa série de 35 textos sob o título "Presidenciáveis", a sugerir em Janeiro de 2010 o nome de Fernando Nobre como possível candidato a Belém, o que viria a suceder um mês depois.

Por curiosidade, lembro aqui também os textos que, no âmbito dessa série, escrevi sobre Manuel Carvalho da Silva, António Barreto, Marcelo Rebelo de Sousa, António Guterres, Pedro Santana Lopes e o actual presidente da câmara do Porto, Rui Moreira. Vários deles manterão plena actualidade quando começarem a aquecer os motores para a próxima corrida a Belém.

 

IV

Lamento decepcionar os adeptos das teorias da conspiração, mas pela parte que me toca limitei-me a isto: exprimir ideias, escrever o que penso, expressar-me de acordo com a minha consciência, exercendo enfim um direito de cidadania em nome próprio. Que em certos casos é mais do que um direito: é também um dever.

Nas semanas que antecederam as legislativas de 2011 participei num almoço e num jantar entre Passos Coelho, dirigente do principal partido da oposição, e gente muito diversa da blogosfera, como a Ana Matos Pires e o Paulo Guinote, que tive o prazer de conhecer na altura. Mas teria feito o mesmo com qualquer outra iniciativa do género organizada por qualquer outro candidato. Nada mais normal que isso.

Nunca usei pseudónimo, nunca escrevi a pedido fosse de quem fosse, não obedeci a nenhum estado-maior partidário, nada sei sobre fóruns televisivos e radiofónicos a não ser como ouvinte ou telespectador, nunca tuitei na vida, não tenho nem tenciono ter Facebook.

O meu pensamento, de 2006 para cá, está patente na blogosfera e pode ser escrutinado a qualquer momento. Nos blogues Corta-Fitas, Forte Apache e És a nossa Fé, além do Albergue e deste DELITO DE OPINIÃO, que surgiu em Janeiro de 2009 e foi desde o primeiro dia um espaço de liberdade e pluralismo. Se há projecto na blogosfera que sempre congregou pessoas das mais diversas tendências, em saudável intercâmbio de ideias, é este mesmo. Faz parte da sua matriz genética, a liberdade vem-lhe da raiz.

 

V

Dir-me-ão: mas os bloguistas partiram dos blogues noutras direcções. Até para o Governo, para a Assembleia da República (do Carlos Abreu Amorim ao João Galamba, da Inês Teotónio Pereira à Mariana Mortágua), para os partidos e para as empresas. A actual ministra da Agricultura, Assunção Cristas, começou a tornar-se conhecida num blogue que defendia o não no referendo ao aborto. Álvaro Santos Pereira, ex-titular da pasta da Economia, foi um bloguista muito lido antes de receber o convite para integrar o executivo. Miguel Poiares Maduro escreveu no blogue Geração de 60, em cuja ficha técnica ainda figura. E não faltam secretários de Estado, como o Carlos Moedas, o Pedro Lomba, o Bruno Maçães e o nosso colega Adolfo Mesquita Nunes, que também começaram por notabilizar-se na bloga.

Também não faltam bloguistas nos gabinetes governamentais, começando no do primeiro-ministro. Durante 22 meses, como é público, exerci eu próprio funções de adjunto no gabinete do ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares. Uns continuam, outros saíram, alguns entraram: nada mais normal. O próximo executivo, tenha a cor que tiver, contará igualmente com pessoas que escrevem ou escreveram em blogues.

Haveria algum motivo para não ser assim?

Sucede isto em toda a parte onde existe opinião livre: constitui uma homenagem implícita dos poderes fácticos ao potencial analítico da escrita blogosférica. Mas reparem: onde se nota mais a influência bloguística é nos órgãos de informação. É incontável, por um lado, o número de jornalistas que têm blogues. E, por outro, os blogues foram e são viveiros de talentos que permitiram renovar e rejuvenescer em anos recentes o elenco de comentadores em todos os jornais e todos os canais televisivos, tornando a opinião mais acutilante, mais estimulante e mais plural. Gente tão diversa como o Pedro Mexia, o Pedro Marques Lopes, o Tiago Mota Saraiva, o Pedro Adão e Silva, o André Abrantes Amaral, o Henrique Raposo, o Daniel Oliveira, o Rui Tavares, o José Mário Silva, a Helena Matos, a Carla Quevedo, o Alberto Gonçalves, o João Pereira Coutinho, o Luciano Amaral, o Hugo Mendes, o Joel Neto, o Luís Januário, a Maria João Marques, o Francisco Mendes da Silva, o Alexandre Homem Cristo, o Pedro Lains, o Tomás Vasques, o Bernardo Pires de Lima, o José Pedro Lopes Nunes, o Francisco Proença de Carvalho, o Luís Rainha, o Ricardo Arroja.

A lista é quase interminável. 

 

VI

Há hoje bloguistas em todo o lado. Até no desemprego: a alguns deles mal sobra o dinheiro para ir comprando revistas e jornais -- acreditem que sei bem do que falo.

Tal como há mitómanos por toda a parte: alguns confundem desejos com realidades, imaginam-se pequenos reis-sóis ou génios do manobrismo político. Efabulam enredos e chegam ao ponto de acreditar neles.

Sem terem sequer a lucidez de um Groucho Marx, incapaz de pertencer a um clube que o aceitasse como membro.

Pequenas notas

João André, 15.07.13

Habituei-me desde há muito a ler o Luís Naves. É alguém de cujas opiniões discordo frequentemente mas que costuma ter uma boa argumentação para elas. Nestes dois posts no Forte Apache estranho-o um pouco.

 

No primeiro, sobre a manifestação nas galeria da AR, começa de forma bastante lógica: a atitude anti-parlamentar está a abrir caminho a atitudes pouco democráticas. Há falhas na construção do argumento, mas a conclusão é uma que eu largamente subscrevo. Preocupam-me essencialmente dois pontos no que escreve. 1) por um lado, escreve que o jogo democrático passa por avaliar nas urnas o trabalho do governo é do parlamento. Embora isso seja verdade, a democracia não se esgota aí. Uma vez que os deputados e o governo estão ao serviço da população, torna-se óbvio que a avaliação deve ser feita de forma contínua, sendo que qualquer manifestação (no seu termo geral) de desagrado ou aprovação deve ser tornada pública no intervalo entre eleições (embora sempre com respeito, claro está). Quando Sócrates era PM, praticamente a única coisa que lhe foi elogiada pela direita foi ter reconhecido que era necessário convocar eleições. Pela lógica acima não teria necessitado de o fazer. 2) o segundo ponto prende-se com as funções de cada lado. Por um lado temos os eleitores que devem eleger representates e fiscalizar a sua acção. Por outro temos os eleitos que devem cumprir tanto quanto possível as promessas através das quais foram mandatados. Se o governo que apoiam faltar a essas promessas, devem então ou agir ou aceitar que os eleitores ajam por eles. Nesse aspecto, a inacção é uma acção em si mesma.

 

No segundo post, Luís Naves fala da renegociação dos prazos dos empréstimos. A notícia parece ser boa e qualquer pessoa se deveria congratular por ela. Parece-me pouco, mas isso é questão diferente. A minha discordância com o post advém de aceitar sem problemas que o pagamento seja empurrado para 2023. Esse ponto é despachado com um «a situação [será] bem diferente», comentário que mais não é um repetir ad infinitum dos argumentos (de todos os anteriores governos) que levaram à presente situação. Não deveria ser necessário explicá-lo, mas aqui vai: a situação pode muito bem ser melhor dentro de 10 anos, mas também pode ser pior (por este andar creio que será o caso). Esperar pelo melhor sem preparar para o pior nunca fez bem a ninguém.

Mostrar trabalho

João André, 02.07.13

No Forte Apache, Alexandre Poço agradece a Vítor Gaspar ter cortado 13 mil milhões de euros da "despesa pública". A minha posição em relação a este governo penso que será perfeitamente conhecida, pelo que não preciso de a explicar. Ainda assim, tentando colocar-me do lado de quem entenda que o estado precisa de emagrecer brutalmente, não consigo ver como se pode dizer que Gaspar cortou 13 mil milhões à despesa pública. Gaspar cortou benefícios sociais que eram fundamentais para uma vida condigna (leia-se, para além da simples subsistência) de milhões de portugueses. Aumentou impostos de forma inadjectivável. Despediu (ou fez despedir) uma enormidade de pessoas que eram úteis e produtivas (aqueles que são "indespedíveis" é que costumam ser não produtivos). Fez tudo quanto pôde para expulsar jovens. Vendeu os anéis do estado ao preço da uva mijona e com jeitinho aos amigos enquanto que manteve todos os poços sem fundo (como certos bancos cujo nome por pudor não refiro). Tudo isto sem sequer fazer uma reforma estrutural de jeito que se visse e sem realmente tocar nas PPPs.

 

Agradecer a Gaspar? Os países do norte da Europa podem agradecer o jeitinho (mais tarde falo disto). Já qualquer português que não seja uma caixa de ressonância deste governo só pode queixar-se dele. Se quer agradecer, agradeça aos portugueses que empobreceram brutalmente para "poupar" os tais 13 mil milhões. A Gaspar, Alexandre Poço poderá provavelmente agradecer outras coisas. O percurso já foi mais que certificado por Sócrates e Passos Coelho. Talvez por ele chegue um dia a PM.

O fetichista

Teresa Ribeiro, 30.06.13

Era já um vício. Todos os dias gastava umas horas a espiá-las, procurando adivinhar através do que escreviam os seus traços de personalidade e potencial intelectual. Depois entrava no jogo ainda mais arriscado de lhes atribuir formas e traços fisionómicos sugestionado pela construção frásica, agilidade narrativa, enfim pelas características formais dos textos que lia. Quando um trecho o enfeitiçava deixava-se sempre tomar pela convicção de que a autora só podia ser linda. Pernas longas e bem  torneadas como a sua escrita, o rosto iluminando-se como a mais bela das frases intercalares entre o corpo e a alma.

Os seus dotes de comunicador facilitavam-lhe a abordagem elegante, com perfeita noção dos timings. Era sempre épica a fase em que as seduzia numa valsa progressiva que o arrebatava também. Entregue às mais requintadas fantasias nunca apressava o desfecho, que sabia fatal. Invariavelmente em passos curtos eram elas que acabavam a descer do pedestal com impertinências, sugestões de encontros e por fim ultimatos.

Cheias de pressa de tocar o chão, as princesas eram então descartadas em esplanadas e miradouros, generosamente enquadradas pela sua estética exigente. Nem sempre cedia à tentação de as ir espreitar, não fosse deparar com figuras sem estilo, cheias de erros de métrica no peito e nas pernas.

Ao Martim e à Inês

Rui Rocha, 16.06.13

Prossegue a Taça Davis em pingue-pongue blogosférico. Depois do confronto renhido entre apoiantes de Martim Neves e de Raquel Varela, temos agora uma disputa taco a taco entre os defensores de Vítor Cunha e os  de Inês Gonçalves. De tudo, retiro que nem para o Martim nem para a Inês é conveniente permanecerem muito tempo neste campeonato. Se tomarmos a retórica daqueles que, de ambos os lados, se entretiveram a avaliar a conduta de um e de outro, chegaríamos à conclusão de que nem um miúdo de 16 anos pode ter umas ideias engraçadas e fazer umas t-shirts, nem uma miúda de 18 pode ter ideias políticas e uma visão de sociedade que, não sendo a de outros, é a sua, sem que ele seja apelidado de esclavagista  e ela de infiltrada. Se virmos bem, quem se arrogou o direito de etiquetar o Martim e a Inês logo que tentaram pôr a cabeça de fora foi gente velha, velha demais. São os mesmos que virão um dia destes queixar-se de que esta juventude de agora não tem iniciativa, não tem ideais, não tem vontade de intervenção política. É por estas e por outras que, em Portugal, não há cidadania nem empreendedorismo. O espaço está tomado por quem, de um lado e do outro da barricada, teima em ler o mundo a partir de uma cartilha que já não serve. Eu, se fosse ao Martim e à Inês, marcava um encontro e fazia uma parceria. Juntava o melhor que um e outro certamente têm e procurava aliar num único projecto empreendedorismo e cidadania. E não me deixaria envelhecer antes de tempo, escolhendo o meu caminho longe de soluções cansadas, chavões e frases feitas. Quanto à Taça Davis em pingue-pongue, creio que será decidida, como normalmente acontece nestas competições, numa partida de pares.

Sobre uma "carta aberta aos portugueses" em Moçambique

jpt, 30.01.13

 

 

(Um postal propositado para um outro blog onde escrevo, e com tema algo excêntrico ao Delito de Opinião. Mas, como se diz em inglês, aqui fica "para quem possa ter interesse".)

 

Há um ano escrevi num blog (e no Canal de Moçambique) sobre a actual imigração portuguesa para Moçambique, e no meio deixei: "Muitos portugueses a chegarem, a fugir à crise nacional e europeia. Três pontos: a) como qualquer vaga migratória isso vai levantar questões no mercado de trabalho (que aqui assumiram, assumem e vão assumir uma linguagem que remete para as realidades históricas do racismo e do colonialismo). É assim, será assim; b) muita gente chega mal preparada ou seja, com a atitude errada. Altaneira, entenda-se (é também o maldito “complexo do Equador”, que torna “doutor” quem o atravessa – coisa que não é de agora). Muita gente não a tem, vem trabalhar e viver. Esta última leva por tabela, catalogada como “tuga” (ou xi-colono) devida à tonta arrogância de uma parcela de patrícios que não percebem onde estão (“senhor(a), você está no estrangeiro” é coisa que muitas vezes me (nos) apetece dizer); c) e há gente patrícia mais antiga aqui a resmungar contra os que chegam agora, “que raio de gente, etc e tal", como se fossem laurentinos enjoados com os colonos rurais, transmontanos ou madeirenses, vindos para o Chockwé nos tempos idos. Esquecem-se, obviamente, que também chegaram um dia (há dois anos, cinco, quinze – como eu – ou, poucos, há mais anos ainda)."

 

Nos últimos dias recebo várias mensagens com uma "carta aberta aos portugueses", a qual vejo também reproduzida no facebook e na comunicação social. Ecoa o mal-estar com esta imigração e termina com um conselho explícito: que mantenhamos a bola baixa. Sucede-se a algumas outras discussões de facebook (vi algumas, contam-me outras) que realçam o desagrado com a situação actual. Umas explicitando o porquê desse desagrado (mais ligadas às questões da imigração ilegal), outras aludindo a uma generalizada má-vontade dos recém-chegados. E outras pura e simplesmente, considerando os portugueses aqui prejudiciais ("os portugueses são todos mal-educados" li recentemente, e engoli).

 

Esta carta chega-me, e em tons de concordância, por parte de amigos moçambicanos (alguns do grupo socio-etário da sua autora, até dela amigos pessoais), e por parte de amigos portugueses aqui há longo tempo residentes ou ex-residentes de longo prazo. E também por outros patrícios, entre o incomodados e o até receosos, sobre o que isto significa, o que pode induzir. Não se exagere, é um fenómeno normal, também no nosso país, e em tantos outros, a chegada de imigrantes provoca reacções de incómodo. E, em particular, quando estão inseridas num tipo de relacionamento histórico como este, ex-colonial.

 

A questão desta "carta aberta" ultrapassa o seu conteúdo ou mesmo o contexto sociológico muito particular da sua realização. E até mesmo o facto de eclodir na sequência da questão recentemente levantada dos vistos de entrada, cujo incremento de controlo advém da mais normal, e salutar, actividade administrativa. A questão central será até mais a da sua recepção e reprodução (partilha electrónica e conversacional).

 

Alguns pontos gostava de deixar, em corrida, pois por demais atarefado para textos sistematizados:

 

a. Em finais de XX também houve afluxo de portugueses, normalmente quadros ligados a grandes ou médias empresas, ou pequenos e médios investidores. Uma menor dimensão quantitativa e com outras características sociológicas (para facilitar chamo-lhes "expatriados", no sentido de melhor situação socioprofissional e com lugares de recuo). A reacção foi, e as pessoas esquecem-se, bastante mais adversa. Não só porque isto significava a chegada de capital (financeiro, fundamentalmente) português, e nisso parecendo assumir contornos do "neo-colonialismo". Mas também porque as memórias do período colonial, da guerra de independência (e da civil) eram mais vivas. E ainda porque a "classe média" urbana tinha menores disponibilidades e sentia mais o peso competitivo dos quadros estrangeiros. E a questão de Cahora-Bassa não estava ainda terminada, pois continuo a pensar que o final desse processo significou um "degelo" nas relações entre países e, por arrasto, entre sociedades.

 

Quando falo em "reacção adversa" falo de discursos públicos, de personalidades conhecidas. E das "cartas de leitores" aos jornais (e quão célebre era a correspondência, vera e fictícia, no jornal "Notícias"). Alusões e acusações a desmandos e maus tratos (e a escândalos económicos) juntaram-se. Umas teriam fundamento (a mácula de uma grande aldrabice bancária foi terrível) outras nem tanto (a primeira vez que escrevi num jornal moçambicano foi para defender um amigo, administrador de uma empresa, que estava a ser, prolongada e injustamente, escalpado no jornal "Savana". E ainda hoje lembro a gratidão ao Augusto Carvalho por ter intercedido no "Domingo" para que ali me publicassem o justíssimo desagravo).

 

Interessante no processo actual, bem menos intenso, é que se centra no mundo do "facebook", evidenciando a força do novo espaço de discurso público em Moçambique. E fazendo notar que neste espaço, muito menos hierarquizado, as vozes descontentes que se expressam estão mais entre os cidadãos comuns do que nas personalidades da elite político-cultural. Haverá, ponho como hipótese, menos "política" neste expressar do desagrado.

 

b. A sociedade portuguesa indiscutiu o colonialismo. Ou seja, manteve a sua histórica inconsciência colonialista, muito baseada no velho mito do "modo especial de ser português", aliás, do "modo especial de ser colono". Isso implica a manutenção, fluída, de estruturas mentais sociais que condicionam categorizações e relacionamentos, as quais subsistem, como é óbvio, numa multiplicidade de conteúdos - entenda-se, "cada um como cada qual", ou seja, as perspectivas individuais não são determinadas mas são, isso  sim, influenciadas.

 

Esta "inconsciência", este impensar do passado, não num sentido automortificador mas sim com uma veia prospectiva, continua a ser sublinhada por discursos dominantes. O actual pico da literatura "leve" que evoca a "boa África colonial" ajudará, a continuidade da ideia da "lusofonia" como espaço comum (e com a sua excrescência mal-cheirosa Acordo Ortográfico) é disso motor. A ideia de que as realidades históricas eram brutais desvanece-se. E quase inexiste a ideia que essa brutalidade era sistémica, como lhe chamou Sartre. Estas coisas estão escritas, e há muito. Pegue-se no "O Fascismo Nunca Existiu" (1976) de Eduardo Lourenço e vejam-se os luminosos textos dedicados ao (im)pensamento português sobre a relação colonial com África (escritos entre 1959 e 1976!!!) e está lá quase tudo, numa poderosa análise que as décadas seguintes só vieram sublinhar.  Lourenço é muito falado, premiado, elogiado. Mas parece ser pouco (re)lido. A dimensão sistémica colonial da sociedade e economia portuguesa (e metropolitana) está explícita em textos pioneiríssimos de José Capela ainda do início de 1970s, e depois demonstrada no excelente "Fio da Meada" de Carlos Fortuna, um marco já nos anos 90s. Mas dá a sensação que não ultrapassam o meio académico que os respeita. Os extraordinários textos de Grabato Dias (António Quadros) são esquecidos, que de "leves" e "miríficos" nada têm.

 

Porquê este rodeio bibliográfico? Porque o desconhecimento das realidades históricas e a armadilha da "língua comum" produz em Portugal uma visão de África(s) e categorizações menos actuais do que se pensa, portanto menos úteis, menos utilizáveis, menos propensas a um relacionamento desmaculado (o "imaculado" não é uma palavra ... humana). E implica também muita surpresa, o deparar com ambientes menos propícios aos portugueses do que quantas vezes se pensa, se antevê. Ambientes diversos sociologicamente e diversos nacionalmente, pois não há uma una relação "portugueses-ex-colónias". Mas é tudo, como não poderia deixar de ser, bem menos fraterno do que o nosso (português) senso comum produz.

 

E talvez este tipo de discursos posssa servir, empurrar, para que se pense melhor. Não "de bola baixa". Mas de "bola alta".

 

c. A polémica carta pega em excertos discursivos de portugueses sobre Moçambique (recolhidos aquando das polémicas no facebook sobre o fim da atribuição de vistos de entrada nas fronteiras). São entendidos como significativos, os discursos na internet baseando uma indução sobre os portugueses. Para mim este é também um ponto interessante, pelas novas dinâmicas do discurso público e das suas utilizações e interpretações, que demonstra. Pois ao longo dos anos acompanhei os discursos electrónicos sobre Moçambique, em particular no bloguismo. Com a fantástica colaboração do Paulo Querido, organizei o directório "ma-blog", continuado depois com o Vitor Coelho da Silva no PNetMoçambique. Conheci centenas de blogs moçambicanos e sobre Moçambique. Muitos, muitos mesmo, escritos por portugueses. E vários destes por portugueses em Moçambique, voluntários, missionários, cooperantes, turistas, imigrantes, investigadores (como exemplo muito actual este Beijo-de-mulata,  recentemente editado em livro em Portugal).

 

E o que me foi sempre notório, até como analisável, é o facto da (re)produção do encanto nesses blogs. Um encantamento, solidário com as pessoas, embrenhado na natureza, curioso com a história, preocupado com o real e o futuro. Quantas e quantas vezes ingénuo, namorando o exótico, até pa/maternalista, e eu face a isso resmungando. Mas um generalizado tom nos discursos electrónicos portugueses aquando em Moçambique. Oposto, até inverso, ao produzido em discussões de facebook que quase de certeza têm locutores sociologicamente distintos, e na sua esmagadora maioria bem longe do país, cruzando ainda as dores de um "luto colonial", de teimosia imorredoira. E nisso muito mais ligados às concepções (históricas) que acima refiro.

 

Deste modo, também por tudo isto, assentar a tese da malevolência portuguesa (ou da significativa malevolência portuguesa, mesmo que não universal) no "picanço" a la carte desses exemplos mais ultramontanos (ainda que eles sejam, porque o são, recorrentes em alguns contextos electrónicos) me parece francamente letal. Para quem escreve. Não para quem ouve e lê.

 

d. Depois, e por fim, o óbvio e mais importante. Moçambique como "terra de oportunidades"? Como penúltimo passo deste generalizado "go south" africano? Como espaço de mineração e garimpo? Como país que vive uma continuada pacificação e um anunciado desenvolvimento? Como terra de gás e petróleo? Esta é a realidade das representações que o país tem, de momento, no contexto internacional. O problema são os imigrantes portugueses (com as suas características)? Ou é a capacidade do país conviver com o fluxo tão diversificado de imigrantes e de migrantes? O qual foi, inclusivamente, saudado há pouco por um membro do governo como dimensão do desenvolvimento e globalização sentidos no país.

 

A classe média maputense choca-se com a imigração portuguesa, legal e ilegal. E tem razões sociológicas para tal, deixemo-nos de exagerados prudidos. Expressa-as publicamente (jornais, redes sociais). Mas se cruzarmos a sociedade nas suas várias dimensões encontramos outras preocupações com tantos outros núcleos estrangeiros. No norte com os "tanzanianos", nos pequenos comerciantes com os "nigerianos", generalizadamente com os "indianos", em tanta gente com os chineses (sem aspas, pois são realmente chineses contrariamente aos outros universos), nos quadros também com os "sul-africanos", há alguns anos no centro do país com os "zimbabweanos". Etc.

 

A questão é bem mais vasta. E apaixonante. É a de incrementar a capacidade administrativa para dirimir este desafio que a imagem de progresso do país provoca, o fluxo imigratório. E de fazer coexistir isso com desenvolvimento económico e com justiça social - sim, atentando que nestas mobilidades os défices de capital cultural ou económico dos cidadãos nacionais podem ser (podem ser, sublinho) prejudiciais para a justiça social. Ou seja, os desafios do país são enormes, não são os "200 portugueses por mês" (que Núria Negrão, autora da "carta aberta", afirma) - por piores que estes sejam, que nós sejamos.

 

Por tudo isto, ver os meus amigos intelectuais, académicos, empresários ou funcionários burgueses, a maioria deles auto-situando-se "à esquerda" (no espectro político moçambicano esta polaridade inexiste, mas na linguagem autodefinidora funciona), até ecoadores do "indignismo" globalizado, a aplaudirem textos sociologicamente tão débeis, generalizações a roçarem o mero preconceito, e invocações do "respeitinho", do "bater a bola baixa", que aludem ao mais medonho do autoritarismo, é-me doloroso.

 

Até porque, e ainda que não esquecendo (daí a arenga histórica acima colocada) o particular contexto histórico desta imigração portuguesa, a construção de sociedades democráticas é também a defesa de que os imigrantes, não deixando de ser estrangeiros, "batam a bola alta", sejam cidadãos. Metecos, como [me] reclamo. Desajustados, até mal-criados, se calhar. Mas não rasteirinhos.

 

Oxalá.

Viva o atrevimento

Ana Vidal, 05.12.12

Blind date

Ana Vidal, 22.11.12

 

Eu ainda tentei a via filosófica, Eugénia, juro que tentei. Fiel ao meu Caeiro, temperei-o de uns pózinhos cartesianos, na esperança de um silogismo redentor que explicasse o Amor. Penso, logo existo. Amo, logo não penso. Mas... e a terceira premissa? Ó diacho, a coisa não me correu bem. Enfim, antes que a conclusão me encurralasse na humilhante escolha entre amar e existir, desisti da armadilha da lógica e decidi-me pela poesia. É mais segura. E, já que foi o Vinicius o inspirador desta odisseia, o soneto pareceu-me um bom berço para aconchegar as palavras do Amor. Aqui fica o meu contributo para tão espinhosa tarefa:

 

BLIND DATE

 

Traz na lapela do sorriso um beijo

para que a minha pele te reconheça

E deixa que esvoace algum desejo

sobre o teu ombro, como uma promessa

 

Não faças nada do que combinámos

que eu quero descobrir-te lentamente

num jogo sem passado nem presente

futuro apenas, tal como o sonhámos

 

Liberta-te de amarras e feitiços

Abre, por hoje, as asas de condor

Farei o mesmo. Seremos noviços

 

em claustros de silêncio e de esplendor

Filhos de um deus que acolhe os insubmissos

virgens de medos e de toda a dor

________________________________________________

Nota: Os meus convites ficam em casa e são mais do que dois:

gente delituosa, quem quer pegar neste desafio?

Ó...

Ana Vidal, 21.11.12

 

A querida Eugénia Tão Balalão faz-nos aqui um convite - a mim e à Gui - que é assim mais ou menos a quadratura do círculo. Mas ela, que é sabida e já viveu muitas vidas, sabe bem que não há nada mais irresistível do que uma boa utopia. E esta é de luxo. Definir o amor... O AMOR? Ó valha-nos Deus. Ó valham-nos todos os deuses do Olimpo e arredores, os maiores, os menores e os que só trabalham em anos bissextos. O que eu queria mesmo, mesmo, era que nunca ninguém tivesse lido o Caeiro, para fazer um brilharete com esta tirada como se fosse minha: Quem ama nunca sabe o que ama. Nem sabe por que ama. Nem o que é amar. Amar é a eterna inocência. E a única inocência é não pensar. Mas não pode ser. Cheira-me que alguém já conhece isto e logo eu, que às vezes ando atrás de plagiadores, havia de dar-me mal com a gracinha.

 

Enfim, vai ter de ser sem rede. Noblesse delituosa oblige. Resta-nos arregaçar as mangas da alma até Almeida e atirarmo-nos de cabeça (de cão?) ao desafio. Vamos a isso, Gui?

Mais uma acha para a fogueira

João Carvalho, 25.07.12

No seu velho e popularíssimo blogue, Eduardo Pitta escreveu isto:

«Os bombeiros chegaram a estar parados a cerca de 400 metros do fogo, com as chamas a ameaçar casas, a aguardar por “ordens superiores” [...]» Os incêndios começaram no dia 18, mas Vítor Vaz Pinto, o responsável máximo pelas operações de combate aos incêndios, só chegou ao Algarve no dia 21 à noite. Comentários para quê?

Se a gente confiasse mais nas investigações, sobre fogo posto como quaisquer outras, valia a pena recomendar que dessem mais atenção aos perigosos autores incendiários.