Obama, Churchill e São Paulo
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"Não se deve canonizar o santo antes do milagre", diz Rui Tavares, insuspeito de obamofobia. Fala do Nobel atribuído a Barack Obama pela Academia Nobel, que tem fé nas virtudes pacifistas do inquilino da Casa Branca. O facto é que Obama está há nove meses incompletos à frente do Executivo em Washington e de concreto apenas falou. Gosto da oratória do Presidente norte-americano, inspirada e inspiradora. Mas, de facto, é um disparate canonizá-lo antes do milagre. E é bom lembrar que os tempos não andam nada propícios a milagres.
Vai para Barack Obama. Parece-me óbvio que o Comité Nobel não quer premiar o mérito de Obama na promoção da paz, mas antes fazer política pura e dura, tentando condicionar a actuação do presidente norte-americano no futuro.
A diferença mais visível no dia de hoje entre Barack Obama e Manuela Ferreira Leite é que, enquanto a Provecta Senhora gostaria instalar o totalitarismo para "aperfeiçoar" a democracia e as instituições, o Presidente Americano utiliza a democracia para atrair, dar o exemplo e superar o totalitarismo.
Pequenas diferenças de postura política.
Dizia este fim de semana José Sócrates que a direita havia ficado economicamente sem ideologia. Constatou um facto. É certo que as mentes mais liberais e simultaneamente com preocupação de manutenção de coerência devem estar há meses em reflexão.
Hoje foi a vez de Barack Obama vir a terreiro, não armado de grandes teorias, mas desferindo um ataque sem precedentes a essa coisa da ausência de intervenção dos Estados sobre os mercados. Numa só intervenção Obama pediu a demissão de Rick Wagoner patrão da General Motors (ao seu lado na fotografia) e exigiu a esta e à Chrysler profundas reformas e a elaboração de um plano de recuperação a ser analisado pelo Governo. Só depois haverá a decisão se o fluxo de capitais governamentais em direcção a estas empresas se mantém.
As reacções contam-se pelos dedos. Continua a ser um dado adquirido que a Obama tudo é permitido.
...estou encantado com o fim do unilateralismo de George W. Bush. A nova ordem com Barack Obama tem sido uma maravilha. O novo Presidente dos EUA tem consultado os parceiros europeus que se farta. Primeiro anunciou o envio de mais umas dezenas de milhar de soldados para o Afeganistão sem qualquer coordenação ou consulta. Agora decidiu pressionar o reset button em relação à Rússia sem dar cavaco a ninguém.
Infelizmente, por cá, a malta fartou-se de elogiar Obama. Comprometeu-se em excesso e agora é difícil dizer o óbvio sem se perder o pé. É a vida.
Tenho de admitir que foi para mim uma agradável surpresa a forma como Barack Obama lidou com o revés à volta de Tom Daschle. Não posso deixar de elogiar a forma directa e sem subterfúgios como assumiu a responsabilidade política. Assim, sim.
Barack Obama será mesmo o 44º Presidente dos Estados Unidos da América? Convencionou-se dizer e escrever que sim. Mas nem todos concordam. Porque este histórico elenco de 44 inquilinos da Casa Branca tem um repetente: Grover Cleveland foi presidente no quadriénio 1885-1889 e renovou a experiência entre 1893 e 1897. Em estrito rigor, não devia ter sido contabilizado duas vezes – era esta, por exemplo, a opinião de um dos seus mais prestigiados sucessores, Harry Truman. Quando alguém lhe chamava 33º presidente norte-americano, Truman corrigia sempre: “Sou o 32º” Lembrando-se do Grover Cleveland da sua infância, democrata dos quatro costados como ele.
The Briefing Room: Barack Obama na blogosfera.
Não sei por que motivo ainda me irrita ler disparates destes. Trata-se de simplificações que roçam a estupidez. Irritam-me estas visões de um mundinho a preto e branco, muito arrumadinho, em que as fronteiras entre os bons e os maus são muito claras e sem o mais leve traço de ambiguidade.
É claro que Obama anunciou o fim de algumas políticas de Bush. Quase todos os presidentes anunciam o fim de políticas do seu antecessor. Tal aconteceu com Bush e antes com Clinton. As políticas externas dos Estados, todavia, não são fruto de um homem só. No fim, as linhas de continuidade acabam por ser o traço dominante. Estamos cansados de o saber.
Barack Obama, agora o homem mais poderoso do planeta, começou o dia mais importante da vida dele com uma missa. Já no Capitólio, recebeu a bênção do reverendo Rick Warren, conhecido pelas suas firmes posições contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Prestou juramento com a mão esquerda sobre a Bíblia. Escutou nova prédica religiosa, desta vez do pastor Joseph Lowery, que foi colaborador de Martin Luther King. E no seu discurso de investidura mencionou seis vezes Deus e uma vez as Escrituras. "Esta é a fonte da nossa confiança – o conhecimento de que Deus nos chama para moldar um destino incerto", sublinhou, rematando a alocução com esta frase: "Que seja dito aos filhos dos nossos filhos que quando fomos testados recusámos que esta viagem terminasse, que não recuámos nem vacilámos; e com os olhos fixos no horizonte e a graça de Deus sobre nós, levámos adiante a grande dádiva da liberdade e entregámo-la em segurança às futuras gerações."
Nada laicista, este Presidente que a esquerda radical por cá venera e ovaciona. A mesma esquerda que o fustigaria se aqui escutasse sermão e missa cantada como escutou lá. A mesma esquerda que ainda hoje alude depreciativamente ao "católico Guterres" e é bem capaz de fulminar José Sócrates por se benzer em público. A mesma esquerda tolerantíssima.
A presidência norte-americana nos últimos dez anos ficou marcada por uma linguagem ideológica e, sobretudo, religiosa. Com Barack Obama, os crentes transferiram-se da Casa Branca para a Europa. Veremos se a fé resiste às provas que se avizinham.
A crise económica mundial abalou uma era dominada pelas mesmas famílias e interesses, na qual a ética e a solidariedade foram colocadas em questão e carimbadas como sinal de lirismo naqueles que a combatiam.
Em plena crise dessa era surge na Casa Branca um Homem de origens humildes, fruidor de uma vida normal como nós. Barack Obama não teve berço de ouro e não lhe é conhecida fortuna. É african-american numa terra que apenas há poucas décadas abandonou oficialmente esse preconceito, tendo ficado bem patente que ainda o cultiva. Superou isso, levantou passo a passo a carreira que lhe é conhecida, sempre pela força da competência e do mérito, na política e na sociedade. Quem acharia isto possível? Onde é mal amado, Obama apenas o é por ser novo abalo num status quo que muitos temem ver substituído por outro onde as oportunidades são iguais para todos.
Barack Obama fez daquele africano franzino Senador do Illinois e agora Presidente dos Estados Unidos da América. Será isso mais fácil do que fazer e ser algo diferente, agora que tem o poder nas mãos? Não creio. Ele é aquilo que o mundo há muito não tem: um seu cidadão comum, com as rédeas do poder.
Quantos paradigmas mundiais pereceram sem ter por trás a inspiração e a liderança forte de Homens carismáticos, capazes de inspirar as pedras da calçada, movendo-as apenas com a força das suas palavras?
Sei que para ali chegar Obama cedeu a interesses e assumiu compromissos que nem conseguimos imaginar, não sou ingénuo. Aquilo em que confio é que saberá utilizar isso para fazer o melhor para o seu povo, seus semelhantes.
Sou lírico e sonho, quero acreditar que o mundo não tem de ser famílias, interesses e corrupção. More than that, more than ever, I have the god given right to believe in it.
Barack Obama proferiu hoje um notável discurso de investidura no Capitólio. Invocando os valores permanentes dos Estados Unidos enquanto mobilizava os compatriotas para os desafios do futuro. Ninguém corporiza melhor o sonho americano do que este filho de um imigrante africano que um dia deixou a aldeia natal no Quénia rumo à terra de todas as oportunidades. Por isso mesmo, também ninguém melhor que ele para enfrentar a actual crise norte-americana - uma crise que não é apenas económica ou financeira: é sobretudo uma profunda crise de confiança. Daí a importância do eco que terão estas suas primeiras palavras em Washington, já na qualidade de presidente, perante uma impressionante multidão sedenta de esperança:
"Não se coloca sequer perante nós a questão se o mercado é uma força para o bem ou para o mal. O seu poder de gerar riqueza e de expandir a democracia não tem paralelo, mas esta crise lembrou-nos que sem um olhar vigilante o mercado pode ficar fora de controlo – e que uma nação não pode prosperar quando só favorece os prósperos. O sucesso da nossa economia sempre dependeu não só da dimensão do nosso Produto Interno Bruto, mas do alcance da nossa prosperidade; da nossa capacidade em oferecer oportunidades a todos – não por caridade, mas porque é o caminho mais seguro para o nosso bem comum.
Quanto à nossa defesa comum, rejeitamos como falsa a escolha entre a nossa segurança e os nossos ideais. Os nossos Pais Fundadores, face a perigos que mal conseguimos imaginar, redigiram uma carta para assegurar o estado de direito e os direitos humanos, uma carta que se expandiu com o sangue de gerações. Esses ideais ainda iluminam o mundo, e não vamos abdicar deles por oportunismo.
E por isso, aos outros povos e governos que nos estão a ver hoje, das grandes capitais à pequena aldeia onde o meu pai nasceu: saibam que a América é amiga de todas as nações e de todos os homens, mulheres e crianças que procuram um futuro de paz e dignidade, e que estamos prontos para liderar mais uma vez.
Recordem que as primeiras gerações enfrentaram o fascismo e o comunismo não só com mísseis e tanques mas com alianças sólidas e convicções fortes. Compreenderam que só o nosso poder não nos protege nem nos permite agir como mais nos agradar. Pelo contrário, sabiam que o nosso poder aumenta com o seu uso prudente; a nossa segurança emana da justeza da nossa causa, da força do nosso exemplo, das qualidades moderadas de humildade e contenção."
...para a História!
Obama conta com todos para levar por diante o seu projecto de uma nova América e de um novo mundo. Entre os que lhe são próximos, haverá, certamente, americanos com raízes em todas as partes do globo. Uns, para o aconselhar nos assuntos da economia; outros, para o ajudar a decidir sobre as questões da guerra; outros para escreverem os seus discursos; outros para ajudar a ultrapassar as inevitáveis trapalhadas a que qualquer político está sujeito. Portugal não fugirá à regra. Não sei se entre o pessoal próximo do presidente eleito haverá alguém com origens em Portugal. Mas a portugalidade marcará presença na Casa Branca, através de um cão de água português, que poderá ser o futuro companheiro de brincadeiras das filhas do presidente, conforme revelou hoje o próprio Barack Obama.