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Delito de Opinião

Cidadão impliquento

José Meireles Graça, 12.03.20

Sou um cidadão impliquento: Estou, desde os tempos do lastimável Cavaco, inscrito no Registo Nacional de Não-dadores, não porque tenha alguma coisa contra a doação de órgãos mas porque ela não carece legalmente de autorização da família, e a do falecido se presume; tenho uma extensa e quase sempre inútil correspondência com variados órgãos de supervisão, um interessante entretém que me permite afirmar que são organismos desdentados, caríssimos e recheados da mesma farinha que imaginariamente fiscalizam; e não nutro ilusões sobre os hábitos controleiros da nossa administração pública, a omnipresença crescente do Estado, e a falácia dos simplexes sucessivos que fazem intervir a internet para aligeirar o cumprimento de obrigações que, pela maior parte, não deveriam sequer existir.

Tropeça-se no Estado mais do que alguma vez no passado; e menos do que no próximo ano. Isto é assim porque quase metade da população dele depende directa ou indirectamente, e dele espera resignadamente a chuva e o bom tempo; e porque nem o Governo nem a AR controlam o esfíncter legislativo.

Agora, até os bancos, em tempos entidades privadas, são repartições do Estado supervisionadas pelo BdP, no qual superintende Frankfurt, em que ninguém superintende, que se distinguem das outras repartições unicamente por os directores serem pagos com ordenados obscenos que o desempenho de nenhuma forma justifica. E o Banco de Portugal abraça com gáudio o seu pendor autoritário, e o seu aplaudido estatuto de independência, que se confunde com inimputabilidade, para infernizar a vida de cidadãos indefesos: O Aviso mencionado na correspondência abaixo ocupa 24 páginas do Diário da República e é um inacreditável documento de minúcia burocrática e pesporrência autoritária.

A isto se soma a preguiça e inépcia dos supervisionados, que tratam o cliente como se fosse (na realidade é) contribuinte, e relapso, salvo prova em contrário.

Ora vejam:

Caro Sr JOSE GRACA

Nº de contrato(s): xxxxxxxxxx

Agradecemos, que, proceda à atualização da informação relativa aos seus dados pessoais, obrigatória de acordo com o Artigo 20º, 21º e 34º do Aviso do Banco de Portugal nº 2/2018, o qual prevê o dever das Instituições de Crédito confirmarem a atualidade dos dados dos seus clientes.

Assim, para que a informação do seu processo se mantenha atualizada, solicitamos que proceda ao envio da seguinte documentação/informação:

  • Comprovativo de morada atualizado, com data igual ou inferior a 2 meses (fatura eletricidade, água, telecomunicações, etc.);
  • Comprovativo de rendimentos (último recibo de vencimento ou IRS);
  • Comprovativo de identificação - cópia do documento de identificação*

Deverá remeter-nos a documentação/informação acima mencionada para um dos seguintes endereços:

  • Email: xxxxx@xxxxx.pt;
  • Correio: Remessa Livre, Apartado xxxx, xxxxx, xxxx-xxx Porto.

* Caso não pretenda disponibilizar cópia do seu documento de identificação (cartão de cidadão, bilhete de identidade, passaporte ou autorização de residência, no caso de ser um cidadão residente em Portugal) poderá em alternativa:

 - Dirigir-se a uma agência xxxx, em Lisboa ou no Porto, onde lhe será solicitado que apresentem o original do seu documento de identificação para que um colaborador faça a transcrição dos dados para uma declaração, que deverá ser assinada por ambos:

Agência Lisboa: Rua xxxxx, n.º xx, xxxx-xxx Lisboa

Agência Porto, R.xxxxx nº xxx, xxxx-xxx

- Entregar uma declaração emitida por um notário, ou entidade habilitada para o efeito, com a transcrição dos dados do documento de identificação, assinada e reconhecida presencialmente utilizando para o efeito o modelo da declaração enviada em anexo e enviar-nos o original da mesma por correio para a seguinte morada: xxxxx, xxxx-xxx Porto.

Boa tarde Sra. Dra. xxxxx xxxxx.

O meu nº de cartão de cidadão permanece o mesmo, assim como a minha morada. Não vejo razão para enviar “IRS” (suponho que querem dizer a declaração de IRS) porque ou VV. Exªs têm direito a aceder a semelhante informação, e podem pedi-la à AT, ou não têm, e exigi-la invocando a alegada autoridade do BdP é um abuso.

Como já tive ocasião de anteriormente esclarecer, não tenho de vos enviar cópia de qualquer documentação ao abrigo de um Aviso do BdP que interpretam extensiva e abusivamente, por não ter aquela entidade competência para estabelecer obrigações para cidadãos, nos quais não superintende, mas apenas, como deveria ser óbvio, nas entidades financeiras.

Acresce que a “legislação” invocada (vai entre aspas porque o BdP não é um órgão legislativo) se destina a combater o branqueamento de capitais e o financiamento de actividades terroristas, pelo que considero a sua simples invocação, no âmbito do insignificante financiamento que a xxxxx me concedeu ao abrigo do contrato que referem (e cuja cópia perdi mas suponho que fique integralmente liquidado no próximo mês) insultuosa.

Quando anteriormente me vieram atazanar com o V/ preguiçoso burocratês de copy/paste, houve ume extensa troca de correspondência na qual, aparentemente, ignoravam o meu ponto de vista e insistiam teimosamente em repetir os mesmos disparates.

Sugiro que desta vez se abstenham de perder o Vosso, e me fazer perder o meu, tempo.

 

José xxxxx xxxxxxxx xx Meireles Graça.

Com orgulho muito seu

Pedro Correia, 04.12.19

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É sempre comovedor ver o cativador-mor da finança cá do burgo emparceirar na tribuna da Luz, com orgulho muito seu, com um dos maiores devedores da banca nacional. As boas práticas merecem ser incentivadas para edificação da plebe, qual papoila saltitante.

Vai portanto este postal dedicado a Mário Centeno, que se prepara para entregar à Assembleia da República o Orçamento do Estado para 2020. De tesoura em riste, indiferente às exigências dos colegas de Governo, como o titular da Administração Interna. Tendo na alma a chama imensa da "gestão prudente", a nova alcunha da velha austeridade.

O brasileiro tinha razão

Paulo Sousa, 10.09.19

Num canto esquecido do balcão da loja de ferragens e debaixo do pó acumulado de vários anos, estava um porta-canetas em acrílico. Entre uma miríade de outros objectos, o porta-canetas passava quase despercebido.
Enquanto esperava para ser atendido, um brasileiro desatou à gargalhada. Estava quase agachado a olhar com atenção para o porta-canetas. Os restantes clientes interromperam as suas conversas perante as gargalhadas do brasileiro. Entreolharam-se com gravidade. Alguns ficaram arreliados por não entenderem o motivo de tal espalhafato.
- Isto é reclame de bordel!! - disse o brasileiro.
- Isto é o quê? - perguntou o dono da loja tentando sem sucesso disfarçar a irritação.
Importa lembrar que naquela rua viviam caboverdianos há várias décadas, já por lá tinham passado croatas, que desapareceram após a sua guerra, e depois disso vieram ucranianos, russos, moldavos, brasileiros e até um italiano. Nunca tinha havido qualquer problema. Todos tinham vindo para trabalhar e nunca se tinha registado a menor fricção, antes pelo contrário, os locais até achavam piada a tal variedade.
Tinha havido apenas um episódio de alguma tensão. No ano passado uma caboverdiana tinha dado um valente pontapé num gato de uma brasileira por este ir repetidamente fazer as necessidades no vaso das hortelãs que cultivava para fazer chá. Antes da dimensão legal das recentes leis de defesa da bicharada, o pontapé seria apenas o normal quotidiano e nem teria merecido destaque neste texto.
- Ah! Ah! Ah! Isto é reclame de bordel!! repetiu o brasileiro.
A sabedoria popular diz que não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe, e a ausência de conflitos com estrangeiros esteve por um fio durante aqueles longos instantes.
No meio de um furador ferrugento, uma grossa e escura tesoura com mais de uma geração e uma velha caixa de charutos usada para guardar cartões de visita, lá estava o empoeirado porta-canetas. Já ninguém se lembrava como lá tinha ido parar. O mais provável era ter sido oferecido por um fornecedor. Servia para lá esquecer umas canetas já sem tinta e uns lápis sem bico. Estava para ali.
- Ah! Ah! Ah! Isto é reclame de bordel!!
Só após o choque inicial é que finalmente mais alguém olhou com atenção para esse objecto de estacionário. O logotipo era de um banco que já tinha tido um balcão na terra e que fechara quando este tinha ido estrondosamente à falência. O slogan, que deveria estar virado para o lado de dentro do balcão, estava agora virado para fora.
- Juntos fazemos crescer o seu negócio!! - leu finalmente em voz alta o brasileiro - Isto é reclame de bordel!!
Quando, um a um, todos os restantes clientes leram a mensagem de marketing do porta-canetas, largaram-se a rir em uníssono e um deles disse:
- Eu devia ter percebido isso quando me venderam aqueles fundos estruturados e as obrigações de renda perpétua!!! Isto é mesmo reclame de bordel!!
E ainda não foi desta que houve transtornos com os estrangeiros naquela rua.

 

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Ontem cumpriram-se cinco anos desde que foi anunciada a resolução do BES e...

Tiago Mota Saraiva, 04.08.19

... continua a saber-se muito pouco sobre as multimilionárias operações que ocorreram nas últimas horas antes do anúncio.

... Marques Mendes, que anunciou 48 horas antes o que seria a decisão do governo e Banco de Portugal, continua a fazer o seu programa de televisão e até se mantém conselheiro de Estado.

... já nos custou mais de 1.000.000.000 € por ano, ou seja, o que se gastou por ano a apoiar este banco privado é equivalente ao que está orçamentado gastar-se em 2019 com a Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.

... ninguém está preso.

O melhor negócio do mundo

Luís Menezes Leitão, 02.03.19

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Dizia-se antigamente que os Bancos tinham o melhor negócio do mundo, expresso na fórmula 3-6-3: remunerar depósitos a juros de 3%, emprestar o dinheiro depositado a juros de 6% e fechar a loja às três da tarde. Agora os Bancos não remuneram os depósitos (ou até cobram comissões pelos mesmos) e investem o dinheiro em negócios muito mais lucrativos, mas onde também o risco é consideravelmente maior. Só que, ao contrário do empresário comum que, se fizer um investimento errado, corre o risco de ir à falência, nos Bancos é sempre o Estado, ou seja, os contribuintes, a pagar os prejuízos. Os lucros são assim privados, mas os prejuízos passam a públicos. Aí está outra forma de se conseguir ter o melhor negócio do mundo.

Adenda: As pessoas não percebem habitualmente o que está em causa quando se pedem mil milhões de euros. Para se perceber a diferença de dimensão relativamente a um milhão de euros, aconselho a conversão em segundos. Um milhão de segundos são 12 dias mas mil milhões de segundos já são 32 anos. É isto o que nos estão a pedir.

Lido

Sérgio de Almeida Correia, 03.02.18

Sem tirar nem pôr. O texto de Miguel Dias publicado no Maré Alta sobre "Paulo Macedo e seu bando" deve ser lido com atenção. O que se está a passar com a CGD é um verdadeiro assalto ao bolso dos contribuintes e depositantes mais pobres e remediados, dando corpo a uma estratégia que ignora por completo o serviço público que o banco deveria prestar. E tudo acontece numa altura em que ainda há bancos, privados, que continuam a não cobrar despesas de manutenção aos seus clientes desde que tenham associado à conta à ordem um valor mínimo de aplicações a prazo. A falta de sensibilidade social não é só dos gestores. É também do Governo que fecha os olhos ao que está a acontecer, e isto não pode passar sem um reparo. 

Os resultados da medida de resolução do BES.

Luís Menezes Leitão, 08.01.18

Quando Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque anunciaram a medida de resolução do BES com um empréstimo de 4.900 milhões de euros ao Fundo de Resolução, eu escrevi logo aqui que a ideia de que o Estado recuperaria o dinheiro emprestado não passava de um sonho de uma noite de Verão. Mas só agora, passados quatro anos, o Estado reconhece ter perdido todo o capital que meteu irresponsavelmente nesta operação. Naturalmente que os responsáveis por essa decisão já não estão em funções e são os contribuintes que irão assumir uma perda, que lhes garantiram que nunca teriam.

 

Este é um bom aviso para aqueles que com tanta ligeireza quiseram pôr o dinheiro da Santa Casa a financiar o Montepio. Como bem se salientou no El País o dinheiro dos pobres não pode servir para salvar bancos. Houvesse respeito pelos dinheiros públicos, com a garantia de que nunca serviriam para socorrer negócios privados, e é seguro e certo que os privados teriam mais cuidado na gestão dos seus próprios negócios.

A Santa Casa e o Montepio.

Luís Menezes Leitão, 21.12.17

Parece que anda por aí uma enorme polémica entre Santana Lopes e António Costa sobre quem teve a iniciativa de fazer a Santa Casa entrar no capital do Montepio. Mas a mim não me interessa nada de quem foi a iniciativa. A entrada da Santa Casa no Montepio é um perfeito disparate e costuma dizer o povo que, se tolo é quem pede, mais tolo é quem lho dá. Se eu fosse provedor da Santa Casa, fugia de propostas destas como o diabo da cruz. Não foi isso, porém, o que fez Santana Lopes, que até assinou um memorando de entendimento sobre o negócio. Não me parece, por isso, correcto que queira descartar as suas responsabilidades neste assunto.

Despesas de manutenção é um eufemismo, os clientes da CGD vão pagar estas trampas

Sérgio de Almeida Correia, 29.07.17

A Caixa Geral de Depósitos é o terceiro maior credor da Instituição

 

Empresa que deve 278 milhões à CGD entra em insolvência

 

Artlant: empresa a que a CGD emprestou mais de 500 milhões declarada insolvente

 

O banco público, terceiro maior acionista da empresa, detém mais de metade da dívida. A CGD corre o risco de perder 137 milhões de euros

 

É o caso da PFR Invest - Sociedade de Gestão Urbana, da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, cuja falência foi decretada, em Fevereiro, pelo Tribunal de Amarante, e tem como principais credores a CGD e o Novo Banco

 

Este é apenas um dos dossiers que ajuda a perceber a degradação do balanço do banco do Estado, que entre 2011 e 2015 contabilizou mais de 6000 milhões de créditos perdidos

 

CMVM manda liquidar fundo “falido” gerido e financiado pela CGD

 

As sociedades veículo - criadas em 2010 para receber os activos tóxicos do BPN - têm atualmente uma dívida com garantia do Estado à Caixa Geral de Depósitos que «ascende a 4,89 mil milhões de euros», disse esta sexta-feira a secretária de Estado do Tesouro e das Finanças, no Parlamento

 

Sempre a somar em perdas. Têm sido assim os últimos anos para os contribuintes portugueses quando é a banca que aparece na parcela da conta. Se somarmos as contas provisórias dos três bancos que faliram, foram vendidos ou resolvidos, os portugueses vão assumir perdas de cerca de 8,5 mil milhões de euros

 

É isto e outras coisas do mesmo jaez que os clientes da CGD vão pagar, até porque fora de Portugal há muitos bancos, incluindo um banco detido pela própria CGD, que não cobram despesas de manutenção. Mas como alguém disse, "nos bancos as asneiras e os maus negócios pagam-se cinco anos depois".

Liberalidades

Rui Rocha, 28.01.17

O Expresso revela hoje, em 1ª página, que o ex-líder do Montepio é suspeito de receber 1,5 milhões de euros do construtor José Guilherme. Não percebo o motivo para tal destaque. Ricardo Salgado recebeu do mesmo José Guilherme 14 milhões de euros e o ilustre causídico Calvão da Silva, que serviu depois a Pátria como Ministro do último governo de Passos Coelho durante uns dias e uma inundação em Albufeira, teve oportunidade de esclarecer em parecer fundamentado que:

"O espírito de entreajuda e solidariedade é um princípio geral de uma sociedade e é natural, pois, que um amigo possa e tenha gosto em dar sugestões, conselho ou informações a outro amigo, sendo que não é a circunstância de ser administrador ou presidente executivo de um banco que o priva dessa liberdade fundamental. E se alguém decide dar dinheiro de presente (liberalidade) em reconhecimento desse conselho, como José Guilherme deu a Ricardo Salgado, isso não põe em causa a idoneidade de quem recebe".

Cá está. Uma situação em tudo semelhante. A única diferença é o montante. Salgado e Guilherme eram mais chegados. Ou Salgado dava melhores conselhos.

No Novo Banco a história do costume.

Luís Menezes Leitão, 06.01.17

Penso que fui das poucas pessoas a dizer (veja-se aqui e aqui) que a resolução do BES iria dar um buraco maior do que o próprio BES e que o empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução nunca iria ser pago, sob pena de a banca em geral colapsar. Agora sabe-se que, em lugar dos 4,4 mil milhões gastos, apenas nos oferecem pelo Novo Banco uns módicos 750 milhões e ainda exigem garantias de 2,5 mil milhões. O pedido de garantias é muito avisado, sabendo-se dos riscos de litígios que a medida de resolução decretada pelo Banco de Portugal, com o Governo na praia, iria provocar. Mas, apesar disso, o preço é espantoso. Como bem escreve hoje João Quadros no Jornal de Negócios:

"750 milhões pelo Novo Banco? Aposto que a Remax fazia melhor que o Sérgio Monteiro. Não podemos vender o Novo Banco aos vistos gold? Ou aproveitar os balcões para fazer uns hostels?

Como se não bastasse, a proposta da Lone Star, segundo se diz, é em torno dos 750 milhões, mas a garantia pedida ao Estado é de 2,5 mil milhões de euros. Isto não é vender o Novo Banco, é pagar pelo dote da mais nova".

É por isso que agora surge a proposta mirabolante de nacionalizar o Novo Banco, tão ao agrado da extrema-esquerda. Devem estar milagrosamente esquecidos do que deu a nacionalização do BPN, onde o Estado estoirou 6.000 milhões para depois revender o banco nacionalizado por 40 milhões.

Os Bancos são negócios como quaisquer outros. Se não são viáveis, devem ser liquidados, com perdas para os credores e os grandes depositantes. Fazer os contribuintes suportar negócios inviáveis só serve para provocar a ruína do Estado. E antes de fazerem qualquer disparate, comecem mas é a olhar para os juros da nossa dívida.

Mas afinal o que é que o homem tem?!

Helena Sacadura Cabral, 08.11.16

A.jpegNão sou muito de me interessar pela vida alheia. Acho a minha muito mais interessante e chega-me perfeitamente. Acontece que a telenovela da CGD atingiu tais proporções, que hoje dei comigo a aventar que tipo de segredos esconderá a vida daquele Conselho de Administração, para se terem deixado extremar de tal modo as posições daqueles homens? Sim, porque nesta salgalhada não há elementos do género feminino.

Confesso-vos que comecei a seriar razões plausíveis que pudessem explicar a situação e não descortino nada que nos não tenha já acontecido. Por isso, se o Correio da Manhã ainda não descobriu, é porque se trata de algo que nem passa pela minha cabeça. Na qual, é sabido, se passa muita coisa. O resultado é que agora sou eu eu que, pela primeira vez, gostava de saber aquilo que António Domingues e os seus muchachos tanto tentam esconder!

Por onde é que anda o nosso prestigiado "jornalismo de investigação"? Porque será que estão tão caladinhos?! Mas afinal o que é que queles homens têm de tão especial ou tão grave que justififique esta luta intestina?

Dinheiro em Caixa

Rui Rocha, 21.10.16

Muito curiosa a argumentação sobre os vencimentos na Caixa. Ah e tal que para gerir o banco público é necessário escolher os melhores e, por isso, as remunerações têm de estar em linha com as praticadas nos bancos privados. Certo. Já para chefiar o governo do país serve um borra-botas qualquer, disponível para ganhar 5 ou 6 mil euros mensais, a que nenhuma empresa privada confiaria sequer um par de mangas de alpaca.

Um chairman para o Novo Banco.

Luís Menezes Leitão, 01.08.16

Sempre que oiço falar em administradores não executivos, lembro-me do filme Wall Street, uma verdadeiro ícone da década de 1980, como marco do capitalismo triunfante desses tempos, em que não se pedia ajudas estatais em caso algum. Nesse filme Gordon Gekko, um tubarão da alta finança, tinha acabado de comprar parte de uma empresa e nessa qualidade dirige-se à assembleia geral de accionistas. Na assembleia o presidente do conselho de administração pede aos restantes accionistas que não sigam as posições do novo accionista. A resposta dele é demolidora: "O seu conselho de administração tem 33 vice-presidentes e a empresa deu 110 milhões de prejuízo no ano passado. Tenho a certeza que grande parte dos prejuízos podem ser eliminados, eliminando a troca de papéis entre os 33 vice-presidentes. Os accionistas são os donos da empresa e eles é que vão decidir".

 

No caso do Novo Banco tivemos uma situação única a nível mundial com uma resolução decretada pelo Estado, tendo-se criado um "banco bom" com a ajuda de dinheiro emprestado ao Fundo de Resolução, que o Estado nos tentou convencer de que irá ser recuperado. Pois não só esse "banco bom" não pára de dar prejuízos, tendo até conseguido este ano que os mesmos subissem para mais de 362 milhões de euros, como agora descobriu a urgente necessidade de um "chairman", ou seja de um presidente não executivo. 

 

Falar em administradores não executivos é estabelecer uma contradictio in terminis. O que faz falta aos nossos bancos são accionistas a sério, que elejam administradores a sério. Deixar o Estado entrar neste negócio, ainda mais distribuindo administradores não executivos por todo o lado, só serve para destruir o dinheiro dos contribuintes. E este faz muita falta noutros lugares.

Aldeia da roupa suja

Rui Rocha, 20.06.16

Não percebo. A valerem alguma coisa, as razões que Sócrates invoca no artigo de hoje (JN/TSF) são precisamente as que deveriam fazer que defendesse um Inquérito. Se nada fez de censurável, se nada teme, se não interveio, se não deu orientações, se não tem qualquer ligação com Vale do Lobo, se a iniciativa é desastrosa para os seus autores (PSD), se a gestão pública da Caixa é imaculada, então nada melhor que o Inquérito para deixar tudo em pratos limpos. Passe o truísmo, só é possível lavar roupa suja se esta não estiver muito limpa.

Posto isto, antes que chegue a bola

Sérgio de Almeida Correia, 14.06.16

1. Tenho apenas a dizer que embora não simpatize com o estilo que normalmente exibe, nem com algumas das suas posições, António Ribeiro Ferreira está cheio de razão a propósito daquilo que escreveu no jornal i. Por me parecer pertinente e considerar ser essa forma de actuação, há muitos anos, um dos cancros da democracia portuguesa, que só tem contribuído para o seu descrédito e para cavar ainda mais o fosso entre as pretensas "elites" e os cidadãos, entre os partidos e o eleitorado, abaixo transcrevo  aquilo que de relevante interessa sublinhar sobre a novela da Caixa Geral de Depósitos (CGD):

"Chegados aqui, interessa então perguntar aos muitos e diversificados defensores de uma CGD pública o que andaram a fazer os sucessivos governos e gestores do Estado nos últimos anos. De 2011 a 2015, a CGD acumulou prejuízos de dois mil milhões de euros, tem oito mil milhões de créditos em risco, não pagou ao Estado os empréstimos concedidos em 2012 e precisa de um aumento de capital de quatro mil milhões de euros. Esta realidade sinistra não é muito diferente do que se passou no BPN, BPP, BES, Banif e também no BCP de Jardim Gonçalves. A justiça portuguesa e o Banco de Portugal condenaram os gestores privados do BPN, do BPP, do BES e do BCP e os deputados da nação promoveram comissões de inquérito ao BPN, BES e Banif. Agora que estão em causa um banco público, governos e gestores do Estado, assiste-se a uma verdadeira lei do silêncio, uma omertà que envolve órgãos de soberania, partidos políticos e, claro, muitos empresários portugueses. Agora que os contribuintes e ac[c]ionistas do banco público vão pagar uma fa[c]tura superior à que o Estado pagou pelo BPN e Banif, o silêncio é total da esquerda à direita."

 

2. É evidente que aquilo que o primeiro-ministro fez, embora com uma outra roupagem, foi um novo convite aos professores portugueses para emigrarem. Para se safarem como puderem fora de portas, para se internacionalizarem, para se exportarem, que a Pátria está de rastos e continua sem poder acolhê-los. Porém, se há alguém que não tenha qualquer autoridade para criticar o que por ele foi dito é Passos Coelho. Se achava bem na altura que os portugueses emigrassem, deverá hoje continuar a pensar o mesmo. Já quem então criticou o que o ex-primeiro-ministro e seus acólitos disseram sobre o mesmo assunto, independentemente da forma e do tom, só pode ter agora, perante o que António Costa disse, um único discurso: voltar a repudiar o convite.

 

A coerência devia ser tratada como uma coisa séria. Na política, a coerência devia contar para mais alguma coisa do que para armar fogachos e alimentar a politiquice caseira.

Até o Deutsche Bank já vê os riscos da política do BCE

José António Abreu, 13.06.16

Mas a resposta do BCE é extremar ainda mais esta política. Isto causa alocações de recursos erradas na economia real que ficam cada mais difíceis de reverter sem dores ainda maiores. Quem tem poupanças perde enquanto proprietários de acções e apartamentos rejubilam.

Pior, ao auto-nomear-se o salvador de último recurso da Eurozona («tudo o que seja necessário fazer»), o BCE permitiu aos políticos sentarem-se sobre as mãos no que respeita a reformas incentivadoras do crescimento e à necessária consolidação fiscal.

Por isto, a política do BCE ameaça o projecto europeu como um todo em nome da estabilidade financeira de curto-prazo. Quanto mais tempo esta política impedir a catarse necessária, mais contribuirá para o crescimento dos populismos e das forças extremistas.

(...)

Quando a redução das taxas de juro para níveis nunca vistos em vinte gerações falhou no estímulo à inflação e ao crescimento, o BCE embarcou num programa massivo de compra de dívida dos membros da Eurozona - o quantitative easing. Mas quem vendeu dívida soberana ao BCE não gastou nem investiu os lucros e o dinheiro acabou apenas de volta ao Banco Central.

Por isso o BCE seguiu até ao extremo lógico: impôs taxas negativas aos depósitos. Actualmente quase metade da dívida pública da Eurozona negoceia com rendimentos negativos. Ao mesmo tempo, o BCE assegura a solvência dos seus membros como comprador de último recurso - o chamado programa OMT.

(...)

Para além disso, os governos já não receiam que o falhanço na reforma das suas economias ou na redução da dívida faça subir o custo de pedir dinheiro emprestado. Na realidade, o nível total de endividamento na Eurozona tem crescido, com o reformado e reinterpretado Pacto de Estabilidade e Crescimento 3 tão desdentado como sempre. Diferenciais de risco praticamente desapareceram dos mercados de títulos do tesouro. Urgentes reformas nos campos do trabalho, da banca, da política, da educação e da governação foram adiadas ou deixadas cair. E as mãos-largas e o risco moral são jogos difíceis de abandonar. 

(...)

Enquanto é difícil provar que os aspectos positivos não são assim tão positivos (embora pareçam não ser), os efeitos negativos das políticas do BCE são mais visíveis. Por exemplo, empréstimos ultra-baratos providenciam suporte de vida para empresas que não seriam viáveis em condições mais normais. Isto levou a sobrecapacidade - para não mencionar deflação - em muitas indústrias europeias, com as receitas caindo em relação aos activos. No ano passado, 40% das empresas não tiveram aumentos de receitas. É irónico que muitos pensem que aumentos de produtividade podem ser despoletados através de taxas ainda mais baixas.

(...)

A mais longo prazo, as consequências negativas de taxas ultra-baixas e compra de títulos públicos surgem de uma falta de reformas económicas. Não era suposto ser desta maneira. Imediatamente após a crise, o contrato implícito era que os políticos reduziriam os níveis de dívida pública e implementariam as reformas estruturais necessárias enquanto o BCE lhes providenciaria tempo e dinheiro. 

(...)

Provavelmente com boas intenções, o BCE colocou-se numa posição em que as suas decisões são cada vez mais influenciadas pelos mercados.

(...)

Mario Draghi, o presidente do BCE, tem dito repetidamente que não pode tornar o cumprimento da sua missão dependente do facto de outros agentes (ou seja, os políticos) cumprirem a deles. Mas o mundo é o que é - ignorar as consequências mais vastas da política monetária conduziu à última crise.

 

Excertos de uma análise do Deutsche Bank (tradução minha, um pouco apressada mas espero que sem erros significativos). Três notas:

1. Há anos que Mario Draghi apela a reformas estruturais. Não apenas os políticos o ignoram como aproveitam a acção do BCE para as adiar. Entretanto, não obstante as taxas de juros reduzidas, o castelo de cartas da dívida pública vai aumentando de tamanho  (ver gráfico na página 7 do relatório) e a economia definha. Mergulhados numa convalescença eterna, os cidadãos viram-se para os populismos. Não creio que o plano fosse este.

2. Apesar de ter vindo a reduzir a exposição, o Deutsche Bank está «pendurado» numa montanha de produtos derivados. As medidas do BCE deveriam pois ser-lhe benéficas (e têm sido). Ainda assim, lança o alerta.

(Reconheça-se: há quem diga que terá problemas graves em qualquer dos cenários.)

3. Enquanto o Deutsche Bank se mostra preocupado, o Commerzbank pondera fazer bypass ao BCE.

Vícios privados, públicas virtudes

José António Abreu, 09.06.16

Brada-se há quase uma década (o tempo voa, mesmo quando não nos divertimos) contra o salvamento dos bancos pelos contribuintes. Justificadamente, admita-se. Os erros de gestão foram gigantescos, quando não criminosos. Todavia, a irritação pareceu e parece dirigir-se apenas ao salvamento dos bancos privados. Pouca ou nenhuma comoção se detectou ou detecta na sequência dos aumentos de capital da Caixa Geral de Depósitos, igualmente realizados à custa dos contribuintes (como se sabe, o próximo é de 4 mil milhões de euros). Ora a CGD até constitui o banco-refúgio dos portugueses; imagine-se a situação em que estaria sem todos os depósitos que esse estatuto lhe proporcionou. Ainda assim, e ao contrário do que se passou no BPN, no BES e no BANIF, cenários de venda ou de resolução encontram-se afastados e os actos da gestão não irritam vivalma nem (cruz credo) constituem fundamento para inquérito parlamentar. Sem grande oposição, o governo propõe-se até subir os ordenados dos administradores.

Mas não espanta. Em 2011 como nos anos seguintes, também ninguém pareceu irritar-se com o salvamento da totalidade do sector público, tão mal gerido e tão falido como os bancos, pelos contribuintes. Fica evidente que a má gestão privada desagrada muito mais do que a má gestão pública - certamente porque a primeira é motivada pelo lucro enquanto a segunda (ouvem violinos?) decorre quase sempre de boas intenções. (Na verdade, nem sequer se trata de desagradar mais ou menos; imensa gente defende com entusiasmo a gestão pública ruinosa: basta ver o que se passa em torno da «geringonça».) E, claro, fica também (ainda mais) evidente a diferença no nível de respeito suscitado pelos trabalhadores de um e outro sector. Como já se viu com pessoal do têxtil, da construção civil ou da restauração, bancários de bancos privados atirados para o desemprego (muitos foram-no, outros estão a sê-lo) geram infinitamente menos empatia do que professores, enfermeiros ou maquinistas de comboio forçados a trabalhar com supressão de regalias e cortes moderados em salários globalmente simpáticos.

Regresso à normalidade

José António Abreu, 30.12.15

Lentamente, os contornos do caso Banif vão ficando mais claros. O processo foi fechado antes de 1 de Janeiro de 2016, evitando as novas regras europeias para a resolução bancária, que forçam uma contribuição dos maiores depositantes e dos detentores de dívida sénior. Ao contrário do que sucedeu no Novo Banco, a venda do «banco bom» foi restringida a entidades com licença bancária, o que permitiu um excelente negócio ao Santander - e um péssimo negócio para os contribuintes. Para grande satisfação dos principais bancos, o Fundo de Resolução foi não apenas poupado a contributos desagradáveis (o que forçou o ministro das Finanças a declarações de veracidade questionável) mas capitalizado - ambas as coisas, mais uma vez, à custa dos contribuintes. Com a ajuda de uma comunicação social acéfala ou alinhada (não sei o que será pior), o ónus de toda a situação foi empurrado para o governo PSD-CDS.

Resta admitir mérito a quem o merece. A operação foi excelentemente montada e perfeitamente executada. Até já se percebe o apoio de Fernando Ulrich (quase sempre alinhado com o PSD) à formação de um governo liderado por António Costa: enquanto o PS é de confiança, a versão do PSD liderada por Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque demonstrara não saber respeitar os costumes e as hierarquias da República.