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Delito de Opinião

Porto, Texas.

Luís Menezes Leitão, 17.07.13

 

Julgava eu que os tribunais tinham julgado Luís Filipe Menezes impedido de se candidatar à Câmara do Porto. Mas, como se escreve nesta crónica, ele não desiste de contrariar as decisões judiciais, podendo até utilizar o slogan: "Ninguém pára o Menezes se ele quiser concorrer 50 vezes!". E de facto parece que vivemos no faroeste, onde os autarcas ignoram olimpicamente os tribunais do país, defendendo o seu direito a ser presidentes de câmara até à eternidade. Deve ser por isso que Menezes faz propostas como de a convidar Wim Wenders, o realizador de Paris, Texas, para embaixador do vinho do Porto ou de fazer a academia de Hollywood dar o óscar de carreira a Manoel de Oliveira em 2015, altura em que o mesmo fará os seus jubilosos 107 anos. Estas propostas têm toda a lógica. Com a eleição de Menezes, o Porto poderá passar a intitular-se Porto, Texas, cidade onde os tribunais não contam, já que é o xerife que tudo decide. E daqui a 100 anos Menezes ainda estará no cargo, já que nem sequer terá atingido os seus trinta mandatos, que é a única limitação que se deve considerar que resulta do espírito da lei de limitação de mandatos.

Uma questão de direitos fundamentais

Pedro Correia, 21.06.13

As eleições autárquicas deste ano estão a ser dominadas não pela política mas pelos tribunais, forçados a substituir-se à Assembleia da República na interpretação da lei que estabelece um limite de três mandatos consecutivos aos presidentes das câmaras municipais.

Na falta de uma definição exacta da lei, o que constitui um sinal de evidente descrédito do Parlamento, cada juiz vem decidindo à sua maneira. Em Lisboa e no Porto entende-se a proibição como irrestrita: quem exerceu funções em Gaia não pode candidatar-se na outra margem do Douro, quem foi autarca em Sintra não poderá sê-lo na capital. Muito diferente é o critério dos tribunais de Évora, Guarda, Loures e Tavira: aqui os juízes fazem uma interpretação restritiva da lei, considerando que só pode abranger o município onde já foi desempenhada a função autárquica. É este, de resto, o entendimento da maioria dos partidos representados na AR: só o Bloco de Esquerda defende a tese oposta.

 

Um dos vícios deste debate é travá-lo em função dos protagonistas concretos, transformando-o em discussão política. Mas importa que não seja desviado do seu terreno, que é o dos direitos. Sabendo-se que nenhum direito é absoluto, a sua restrição deve porém ser entendida sempre como excepção e não como regra.

Havendo dúvidas na interpretação da lei, custa-me entender que em matéria de direitos os juízes decidam fazer interpretações extensivas - ou seja, vendo nelas o que não vem lá expressamente mencionado.

Se a moda pega, à luz destas interpretações, começamos hoje por restringir o direito dos partidos a apresentar candidaturas e amanhã veremos também tribunais comuns a comprimir os direitos de reunião, de expressão e de manifestação, a liberdade de imprensa e o exercício do direito à greve. Nestas coisas sabe-se sempre como se começa mas nunca como se acaba...

 

Por tudo isto, revejo-me naturalmente nas decisões dos tribunais de Évora, Guarda, Loures e Tavira. E considero, pelo contrário, que as decisões dos juízes em Lisboa e no Porto, dando provimento às participações do Movimento Revolução Branca, são uma preocupante compressão de direitos políticos que a lei não prevê e a jurisprudência não pode consagrar. Sob pena de, daqui para a frente, tudo passar a ser revisto, numa óptica restritiva, em matéria de direitos, liberdades e garantias.

Tenho a certeza que será este mesmo o entendimento do Tribunal Constitucional, na linha da argumentação já expressa por Vital Moreira. Sejam quem forem os protagonistas das candidaturas autárquicas. Porque esta é uma questão de direitos fundamentais.

Apanha-se mais depressa um falso moralista do que um coxo

Pedro Correia, 19.04.13

 

Ao demitir-se de produzir leis claras, e de clarificar as próprias leis que produz, a Assembleia da República causa sérios danos ao sistema jurídico-institucional tal como foi arquitectado em Portugal, com a clássica divisão de poderes, e no limite à própria democracia, permitindo que por esse motivo a todo o momento as decisões dos tribunais comuns condicionem escolhas dos decisores políticos na sua específica esfera de actuação.

A lei nº 46/2005, de 29 de Agosto de 2005, que impõe a delimitação de mandatos autárquicos, é muito curta mas foi muito mal redigida. Porque, pela sua ambiguidade, permite o entendimento de que visa o cumprimento de uma função em abstracto em vez de a confinar à delimitação territorial a que se destina. Ao recusar a clarificação que se impunha, o órgão legislativo remeteu a sua interpretação para os tribunais. Que, como era de pressupor, têm "julgado" cada qual a seu modo.

Escrevo "julgado" entre aspas porque considero absurdo haver decisão judicial sem corpo de delito: neste caso o tribunal decide sobre coisa nenhuma, ou seja sobre candidaturas que ainda não existem por não terem sido formalizadas. Há apenas declarações de intenções, nada mais que isso. Não admira, neste contexto, que ocorram decisões num sentido em Lisboa e Porto, e outras em sentido oposto em Loures e Tavira.

Como já escrevi aqui, não tenho dúvidas: esta matéria subirá ao Tribunal Constitucional, que considerará improcedentes as participações do Movimento Revolução Branca.
Porquê?
Porque não pode haver limitação de direitos políticos recorrendo a interpretações extensivas da letra da lei. Este é um princípio basilar do nosso ordenamento jurídico-político.

A verdade é que a questão dos direitos nunca deve ficar fora deste debate. Por ser anterior e posterior a qualquer outra. O que está aqui em causa, seja qual for o partido (e há dois partidos visados nas providências cautelares em curso, o PSD e o PCP), é uma interpretação da lei no sentido de restringir ou não direitos políticos.

Acompanho, naturalmente, o pensamento do constitucionalista Vital Moreira nesta matéria: «A lei, tal como está, só proíbe a acumulação de mais de três mandatos seguidos na mesma câmara ou na mesma junta de freguesia. E penso que isso faz sentido, se se pensar que o objectivo da lei é evitar a perpetuação de políticos nos mesmo cargos mercê das dependências e interesses criados em virtude do exercício do cargo, o que não sucede, ou sucede em medida marginal, se se tratar de autarquia diferente, ainda que vizinha.»
De resto, seria ridículo que o presidente da Junta de Freguesia da Sé, no Porto, fosse impedido de se candidatar a presidente da Junta de Alvalade, em Lisboa, ou que o presidente da Câmara Municipal do Corvo se visse impedido de concorrer à presidência da Câmara de Figueira de Castelo Rodrigo por já ter sido autarca durante três mandatos consecutivos nos Açores. Mas ambos podendo sempre candidatar-se a deputados na Assembleia da República ou no Parlamento Europeu, ou até à Presidência da República, sem qualquer impedimento legal.

 
Não deixa de ser irónico, entretanto, que o cavaleiro branco do movimento da mesma cor seja o ex-mandatário da re-re-re-re-re-re-re-recandidatura de Narciso Miranda em Matosinhos após 29 anos na presidência deste município.
Ironia das ironias: quem hoje combate os "dinossauros" pelejou ontem pela manutenção em funções de um dos dos maiores tironassaurus rex de que há memória no nosso poder local. E proclama, no palanque de um comício, «não poder recusar um convite de Narciso Miranda».
Por outras palavras: apanha-se mais depressa um moralista de ocasião do que um coxo. Haja paciência para os aturar: eu já a perdi.

 

E vão dois.

Luís Menezes Leitão, 15.04.13

 

Depois de Fernando Seara é agora Luís Filipe Menezes que é impedido pelos tribunais de se candidatar à Câmara do Porto. Não sei sinceramente o que passou pela cabeça dos estrategas autárquicos do PSD, ao insistir nesta estratégia de recandidatar dinossauros autárquicos em câmaras distintas. Isto dá para a opinião pública uma imagem desastrosa de total incapacidade de renovação do partido, quando havia tantos jovens quadros capazes de apresentar candidaturas com hipótese de vitória. Mas ao mesmo tempo dá uma imagem de hipocrisia e de inconsistência. Costuma dizer o povo que quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele. Se o PSD queria candidatar os seus autarcas até à eternidade, nunca poderia ter aprovado uma lei de limitação de mandatos. Se a aprovou, é manifesto que depois não a poderia tornear, procurando deslocar os seus autarcas de concelho para concelho. Tal representa uma autêntica fraude à lei que muito provavelmente os tribunais não sancionariam. E em qualquer caso é uma estratégia politicamente suicida pôr os candidatos a combater os tribunais em lugar de combater os seus adversários. Só de facto quem se está a lixar para as eleições é que pode apresentar uma estratégia semelhante. Insistir nela é provocar o desastre.

 

P.S. Faço esta apreciação independentemente da avaliação do mérito dos candidatos. Na verdade, se não existisse este problema, Seara seria um bom candidato a Lisboa. Já Menezes, pelo contrário, parece-me ser um péssimo candidato ao Porto. Como já observei aqui, achei desastroso ele ter aparecido, depois de anos de gestão equilibrada de Rui Rio, a propagandear as virtudes do despesismo autárquico, prometendo fazer três novas pontes e um túnel no Porto. Se esta decisão judicial contribuir para que surja uma candidatura com propostas mais adequadas ao momento em que vivemos, estou seguro que os portuenses agradecerão.

A caminho de outro parque jurássico.

Luís Menezes Leitão, 25.02.13

 

A Constituição da República Portuguesa consagra no seu art. 118º o princípio da renovação sucessiva dos titulares de cargos políticos executivos. Precisamente por esse motivo a Lei 46/2005, de 29 de Agosto, limitou a permanência do cargo de Presidente de Câmara a três mandatos consecutivos, obrigando os titulares desse cargo a um período de quatro anos durante o qual "não podem assumir aquelas funções". É por isso manifesto, em termos legais, que a limitação é para a função de Presidente de Câmara, uma vez que, como foi referido na altura, o que a lei visava era precisamente terminar com os dinossauros nas autarquias e não fazê-los transitar para outro parque jurássico. Deve dizer-se, aliás, que a lei até foi muito generosa para os autarcas em funções, já que lhes permitiu ainda um último mandato em 2009, tendo assim inúmeros candidatos ultrapassado já em muito o limite legal.

 

Nada impede legalmente os autarcas, após os quatro anos de interrupção, de voltar a candidatar-se a qualquer município. O que não parece minimanente aceitável é que durante esse período transitem para um município vizinho. No limite, os autarcas até poderiam trocar de município entre si por quatro anos, reeditando em Portugal a solução Putin/Medvedev. Estou por isso convencido que os tribunais não vão permitir este tipo de operação, a meu ver claramente ilegal. E basta uma decisão judicial a declarar a ilegalidade de uma candidatura para que estas candidaturas fiquem feridas de morte aos olhos do eleitorado, mesmo que o Tribunal Constitucional viesse no fim a admiti-las.

 

Não percebo por isso qual o sentido político de o PSD, numa espúria aliança com o PCP, insistir em candidaturas nestas condições, dando uma imagem ao eleitorado de incapacidade de renovação. Fernando Costa está há 28 anos nas Caldas da Rainha, pretendendo agora passar para Loures. Luís Filipe Menezes anda há 16 anos em Gaia, pretendendo agora passar para o Porto. Só Fernando Seara é que tem apenas 12 anos de exercício do cargo. Mas, se a lei fosse respeitada, nenhum deles se deveria candidatar. 

 

Insistir numa solução legalmente inviável só contribui para o descrédito das instituições, a que infelizmente se prestou o Presidente da República, ao vir a público dizer que tinha sido alterado o projecto inicial na Imprensa Nacional, como se uma mera alteração gramatical mudasse o que quer que fosse na lei. Mas a solução, antes de ser jurídica, é política. Não serão com certeza dinossauros autárquicos que conseguirão trazer o sangue novo de que o país precisa nesta fase crítica. E deixar enredar as eleições autárquicas numa polémica jurídica sobre a elegibilidade dos candidatos é uma garantia de derrota antecipada.

A troca

José António Abreu, 13.09.12

Revelando uma intenção que poucas pessoas no país desconfiavam que tivesse, Luís Filipe Menezes anunciou a candidatura à presidência da Câmara Municipal do Porto. Acho bem. Com as contas equilibradas, o Porto necessita do brilhantismo de Menezes no aumento do endividamento. Como, de resto, a Gaia, com as contas de rastos, faria bem o brilhantismo de Rio na diminuição do mesmo. Não será possível convencê-los a irem trocando de câmara um com o outro?

Com a democracia na boca

Ana Margarida Craveiro, 25.07.12

Uns andam com o credo, outros com a democracia. Agora é a propósito da reforma autárquica, uma medida mais que necessária. Dentro do pacote, incluem-se os executivos "monocolores": isto é, quem ganha as eleições, forma o executivo, sozinho ou em coligação. Simples, à primeira vista. Um ataque à democracia, dizem os tais indignados. Que não pode ser, que é um retrocesso na democracia e vontade do povo. O que me espanta é que nunca lhes tenha ocorrido defender o mesmo para o governo nacional: e por que não juntar todos os partidos eleitos, cada um com a sua secretariazinha ou ministeriozito? Isso é que era democracia a sério.

Outro litígio entre autarquias.

Luís Menezes Leitão, 20.07.12

 

Uma situação que também pode revelar-se explosiva é este litígio entre Lisboa e Loures, a propósito da nova freguesia do Parque das Nações, a qual tem actualmente o seu território dividido entre os dois concelhos. Parece que o Governo prometeu entregar a nova freguesia a Lisboa, que ainda não deve ter freguesias que cheguem. Em consequência, segundo se refere, a Ministra terá chamado o Presidente da Câmara de Loures, Carlos Teixeira, a uma reunião, pretendendo que o mesmo assinasse "uma declaração a dizer que não temos objecções a que Lisboa faça a manutenção daquele território". Deve ser inédito nos anais da reorganização administrativa esta forma de transferência de competências entre autarquias. Mas o Presidente da Câmara de Loures recusou naturalmente assinar essa declaração. Seria de esperar que ele tivesse dito à Ministra que não assinava qualquer papel antes de consultar os serviços jurídicos da Câmara sobre o mesmo, que provavelmente dariam um interessante parecer sobre a natureza jurídica das declarações de não oposição assinadas por autarcas a pedido de ministros.

 

O autarca preferiu, porém, invocar outros argumentos ponderosos para não subscrever a declaração pedida, os quais arrasam totalmente a proposta. Os argumentos são o de que "não vamos ser nós a vestir a noiva para outro a despir" e que "não faz sentido engordarmos o porco para outros comerem as febras". Tem toda a razão nos argumentos que invoca para não ceder a esta inaceitável pressão. Deixem-no despir a noiva e comer as febras, e já!

A fusão de freguesias.

Luís Menezes Leitão, 19.07.12

 

 

É evidente que o país tem municípios em excesso, pelo que qualquer reforma autárquica digna desse nome deveria passar necessariamente pela redução de municípios, conforme aliás impõe o memorando da troika. O governo, no entanto, não querendo desagradar aos autarcas, resolveu transformar a reforma autárquica numa simples fusão de freguesias, de preferência à vontade dos fregueses. Vamos ter assim mais uma reforma para troika ver, e lá continuarão os municípios nos seus delírios despesisas do costume, de que o exemplo mais recente são as três pontes e um túnel no Douro, de Luís Filipe Menezes, sobre as quais já falei aqui.

 

Estava, por isso, o governo posto em sossego, julgando que a reforma ia passar sem qualquer problema de contestação, mudando apenas alguma coisa para que tudo continuasse na mesma. O governo esqueceu-se, porém, do potencial explosivo dos inúmeros conflitos locais que podem surgir a nível de freguesias. O passo inicial pode ser precisamente este referendo local, que está a ser proposto na assembleia de freguesia de Crestuma. As pessoas da minha geração recordar-se-ão da freguesia de Crestuma e do conflito que a mesma teve com a vizinha freguesia de Lever em Maio de 1983, por causa de uma placa a assinalar os limites das duas freguesias. Nessa altura havia tumultos e confrontos diários por causa da colocação e da retirada da placa. Parece que a razão principal do conflito era a futura construção de uma barragem na região, que os de Crestuma achavam que ficava na sua freguesia e os de Lever na sua, querendo cada um deles dar à barragem o nome da sua terra. Como não podia deixar de ser, os tumultos terminaram com a retirada da placa pela GNR e a barragem ficou salomonicamente a chamar-se barragem de Crestuma-Lever. O conflito entre as duas freguesias prosseguiria nos tribunais, tendo chegado ao Tribunal Constitucional.

 

Se alguém me dissesse que, depois disto tudo, estas duas freguesias iriam ser fundidas, eu perguntaria se estavam a brincar. Mas como este, deve haver inúmeros casos neste país. Estou para ver se esta reforma inconsequente das freguesias não vai dar afinal muito mais sarilhos do que a efectivamente necessária reforma dos municípios.

Dívidas e democracia

José António Abreu, 14.06.12

A frase de Rui Rio segundo a qual as câmaras endividadas não deviam ter eleições, que, muito justamente, o Pedro Correia já colocou nas frases do ano, parte de um pressuposto correcto e é útil para lançar o debate mas aponta uma má solução. Diz Rio que o excessivo endividamento limita as opções de qualquer executivo saído de eleições, o qual não poderá aplicar o programa em que acredita, pelo que mais valia ser nomeada uma «comissão administrativa para a gestão corrente», encarregue de colocar as contas em ordem, após o que se realizariam então as eleições. À primeira vista (e talvez à segunda e à terceira), esta parece uma solução pouco democrática. Mas convenhamos que, na situação actual, a democracia também não vai muito para além de um acto formal sem grandes resultados práticos, uma vez que, como diz Rio, as dificuldades financeiras acabam por impor determinadas políticas, deixando pouca margem para escolhas. Quem vem a seguir, limita-se a (tentar) arrumar a casa, muitas vezes sob vigilância superior. Ou seja: a democracia, enquanto possibilidade de mudança, já está a ser destruída – por quem gera a dívida. (Obviamente, isto não se aplica apenas ao nível local mas também ao regional e nacional.) Ainda assim, tendo Rui Rio razão no diagnóstico, talvez exista uma solução preferível àquela que propôs: a perda de mandato automática e a proibição de recandidatura nas eleições seguintes para quem permitir que seja ultrapassado um determinado nível de endividamento (ou, para as Câmaras já acima desse limite no momento de início de mandato, que gere ainda mais dívida em vez de a diminuir). Tratar-se-ia de um método simples e claro, conhecido à partida por todos, eleitos e eleitores. A dificuldade seria fazer aprovar a lei (provavelmente exigiria uma revisão constitucional) e o risco, claro, podermos ficar rapidamente com quase todos os políticos actuais impedidos de concorrer a eleições. O que, bem vistas as coisas, talvez não fosse negativo.

 

Adenda

Gostaria ainda de salientar outra posição de Rui Rio, com a qual estou cem por cento de acordo: nenhum líder que tenha aumentado a dívida da sua autarquia devia ser autorizado pelo seu partido (seu, dele, líder autárquico) a candidatar-se de novo, à mesma ou a qualquer outra autarquia. Mas para isso era preciso que os partidos se preocupassem mais com o país do que com os jogos de poder. Não vou, pois, reter o fôlego à espera de que tal aconteça. Como, estou certo, não o fará Rio.

André, não desistas

Teresa Ribeiro, 14.03.12

Há três anos, quando o meu pai adoeceu, procurei saber se a Junta de Freguesia de Campolide, a sua área de residência, tinha algum programa de apoio a idosos. Fazia sentido que tivesse, pois esta zona da cidade tem uma população muito envelhecida, mas a verdade é que o que encontrei foi quase nada. Enfim, as minhas expectativas eram baixas. Em Portugal os eleitores estão tão bem educadinhos para não esperar grande coisa dos seus eleitos, que quando é pouco ou nada o que lhes oferecem não estranham, por isso passei adiante e resolvi a minha vida por outros meios.

Este ano a minha mãe foi-se abaixo e tive de fazer nova pesquisa. Nem me lembrei da junta. Esse era um assunto arrumado. Mas quando fui à net o motor de busca apresentou-ma em diversas entradas. Peguei no telefone e confirmei que o nosso André Couto, eleito há dois anos pelo PS, apesar de ter herdado um enorme buraco financeiro, só para os idosos fez mais obra que todos os seus antecessores juntos.

Agora há apoio domiciliário de combate à solidão com assistentes sociais, psicólogos e voluntários. Para os que podem deslocar-se às instalações da junta há teatro, jogos tradicionais e trabalhos manuais. E quem vive só, ao abrigo de um protocolo estabelecido com a Faculdade de Economia da Universidade Nova, pode partilhar a sua habitação com um estudante.

Tudo isto é à borla, tudo isto é fruto do esforço de gente que entende que a política é serviço público e que mesmo sem dinheiro consegue fazer-se mais e melhor. Bem hajas, André. Este país precisa de políticos como tu. És um exemplo e uma esperança. Não desistas.

Gaia "atravessada" não é Gaia parada

João Carvalho, 14.03.12

Luís Filipe Menezes, o presidente da câmara mais endividada do País, vai apresentar em Abril o projecto de duas novas pontes sobre o Douro entre o Porto e Gaia. Trata-se de um projecto aparentemente modesto, talvez porque o presidente da câmara do Porto, Rui Rio, tem mostrado «falta de receptividade» e demonstrado que não existe «entendimento possível» para partilhar megalomanias em tempos de crise.

O projecto parece modesto desde logo porque Menezes, há algum tempo, já tinha anunciado que encomendara ao engenheiro civil Adão da Fonseca mais «um túnel, três pontes e uma ponte pedonal» a ligar as duas cidades separadas pelo Douro.

Por seu turno, o actual vice-presidente de Gaia, Firmino Pereira, refere-se às propostas chamando-lhes insistentemente «atravessamentos» e «novos atravessamentos». Ou Firmino não sabe dizer "travessias", ou é mesmo capaz de ter razão: Menezes tem provado especial tendência para deixar o município completamente "atravessado".

Enquanto isso, Menezes continua entretidíssimo a cortar árvores, a construir passeios onde não há imóveis ou qualquer construção, a criar quilómetros e quilómetros de ciclovias para o lá-vem-um e a inventar rotundas atrás de rotundas em cada pedaço de recta rodoviária, mesmo sem desvios, cruzamentos ou entroncamentos.

Gaia paga, Menezes sonha e os empreiteiros nascem. O próximo que apague a luz.

Pontos nos is (11)

João Carvalho, 15.02.12

 

AUTARQUIAS

I

Além de adepto da "associação autárquica de micro, pequenas e médias rotundas", Luís Filipe Menezes já lançou dezenas e dezenas de quilómetros de ciclovias em Vila Nova de Gaia, mediana, modesta e parcialmente usadas por uns ciclistas mais ou menos furtivos e por alguma garotada de patins-em-linha e skates.

Não satisfeito por presidir a uma autarquia que apresenta a maior das dívidas entre os municípios nacionais, está a lançar mais uns tantos quilómetros de ciclovia na freguesia da Madalena, num dos mais pacatos lugares do concelho e onde o movimento automóvel se assemelha à quantidade de habitações: pouco mais que nada. Para quem quiser saber, é na longa Rua do Cerro, entre pinheiros e eucaliptos (v. fotos).

Longe dos dramas que o País está a viver, ele despeja onde lhe apetece verbas que não tem, de olhos fechados à crise que consome milhares de famílias do concelho que ele gere como lhe dá na real gana.

A gente entende: Menezes já tem ameaçado que quer candidatar-se à câmara do Porto. Em Gaia, quem vier a seguir que apague a luz.

 

 

II

Este caso é um exemplo simples do defeito monstruoso em que incorreu quem quis limitar o número de mandatos dos autarcas, mas não quis impedir que eles tentem alcançar as autarquias vizinhas. Menezes não teria legislado melhor para si mesmo. Nem ele, nem o Valentim, nem o Seara, nem o Isaltino, nem nenhum daqueles que todos sabemos.

Aqui fica o registo das rotundas e ciclovias de Menezes (iguais às de tantos outros, mais ou menos falidos), que também aproveita para refazer passeios desnecessários onde não há edifícios, quando toda a gente sabe que a construção de passeios é estabelecida pelos municípios, mas constitui uma obrigação de quem ergue casas e prédios novos.

Nem de propósito, este registo sobre a autarquia mais falida do País fica aqui no dia em que o ministro Miguel Relvas pede aos autarcas que deixem de construir obras de fachada (precisar de fazer este apelo já devia envergonhar os autarcas) e concentrem os recursos possíveis a minorar as dificuldades nacionais.

Fotos © macarvalho

Pontos nos is (5)

João Carvalho, 04.12.11

INSEGURO

Ontem, num jantar socialista de Natal, António José Seguro disse que a reforma do poder local "não pode ser feita a régua e  esquadro a partir de um gabinete em Lisboa". Não. Também disse que "qualquer reforma sobre o poder local tem que ser feita com bom senso, equilíbrio, critério". Sim. Disse ainda que qualquer reforma do poder local exige que se ouçam primeiro as populações e os autarcas e que a extinção de freguesias em zonas rurais deve respeitar "a identidade e a história que ligam as autarquias aos portugueses". Nim.

Anda meio perdido, o líder socialista, no que se refere à reforma administrativa do País: "Onde há possibilidades de fazer reformas no poder local é na malha urbana." É? Não é. Naturalmente, há casos urbanos a repensar, mas é no mundo rural que as discrepâncias mais se acentuam, com muitos municípios e freguesias onde os cidadãos em geral e os eleitores em particular não enchem uma rua citadina.

Não há como fugir aos números. Por muito que custe a Seguro, o princípio numérico não é o ponto único em análise, mas tem de ser ponto essencial num critério sério.

Alimentar a existência de municípios marcadamente rurais (ainda subdivididos em freguesias) onde o tecido populacional não atinge os números de qualquer freguesia urbana média é sobrevalorizar a divisão administrativa que temos, irracional há muito tempo (para não dizer que é irracional desde Mouzinho da Silveira). A menos que se queira defender uma reforma de sinal contrário: rever apenas a malha urbana, como Seguro sugere, seria fazer crescer os órgãos autárquicos.

Opta pelo mais fácil, este Seguro claramente distante da postura política desejável: o apelo para que seja atendida a vontade das populações e dos autarcas é tão primário que nem parece de quem anda na política há décadas. Como se percebe, ninguém vai querer, de bom grado, ser atingido por uma reforma que pretende reduzir a estrutura autárquica, mas isso nada resolve.

A extinção de órgãos autárquicos, para o secretário-geral do PS, agrava a situação das populações: "Já lhes levaram o médico, a escola e o centro de saúde. O Estado não  tem o direito de desproteger e abandonar esses portugueses só por viverem numa terra distante do progresso." Seguro critica com isto, afinal, a própria receita de anos do PS. Ainda por cima, exprime-se mal ao ignorar que o Estado é a totalidade dos portugueses e não só aqueles que lhe dão jeito no momento.

Inversamente, Seguro teria dado mostras de visão política se, assumindo a redução de autarquias pela respectiva aglutinação e concentração, tivesse declarado que só assim poderá pensar-se no regresso do médico, da escola, do centro de saúde, etc., justificado pelas populações que servirão. Não quis fazê-lo e perdeu-se.

Seguro está inseguro neste assunto. É lamentável, porque a reforma administrativa tem uma importância que não se compadece com intervenções básicas e redundantes. Diz ele estar "cheio de energia, ideias  e propostas". Só por graça. Com estes brinquedos, fica-lhe mal o papel de Pai Natal.

Assobiam bem, mas não me alegram

Rui Rocha, 04.12.11
O Ministro Miguel Relvas foi ontem vaiado pelos delegados ao Congresso da Associação Nacional de Freguesias. Uma parte significativa deles abandonou a sala. A avaliação destas atitudes depende de percebermos o que as motiva. Está em causa defender um poder autárquico forte e interessado em prover aos interesses legítimos das populações, ou a mera indignação oportunista, interesseira e egoísta na defesa de uma situação disfuncional e ultrapassada? A revisão do mapa autárquico é uma necessidade evidente. Portugal  tem mais de 4.200 freguesias. Não é a redundância, o excesso e a fragmentação para lá do razoável dos poderes e dos recursos que defende o poder local. O que esteve em causa foi, por isso, a defesa do interesse pessoal de cada um dos que vaiaram. Miguel Relvas esteve ontem no papel de árbitro que marca uma grande penalidade contra a equipa da casa. A bancada revoltou-se. Mas, vistas as imagens em câmara lenta, conclui-se que o castigo máximo foi bem assinalado. Resta agora dar cumprimento às leis do jogo. É necessário concretizar as expulsões, trazendo o número de freguesias para aquilo que a dimensão real do país e as necessidades das populações impõem. Em rigor, este processo de racionalização não devia ficar por aqui. Numa próxima fase deveria questionar-se a utilidade das próprias freguesias enquanto instituições do poder local (a sua existência faz sentido?) e desenhar-se um novo mapa dos municípios também ele ditado pela racionalidade, não deixando tal objectivo, como agora se fez, na dependência da iniciativa dos autarcas.

Pela defesa de mais rotundas

João Carvalho, 10.11.11

O Governo vai eliminar da proposta de Orçamento do Estado para 2012 a norma que proíbe as contratações de novos funcionários para as autarquias, conforme divulgou o Jornal de Negócios. A notícia acrescenta que a Associação Nacional de Municípios Portugueses já informou todos os autarcas disso mesmo, através de um documento onde se lê: «Em situações excepcionais, devidamente fundamentadas, e mediante autorização dos órgãos municipais, pode determinar-se a abertura de procedimentos concursais».

Procedimentos concursais? Con-cur-sais?! Se não deixarem os autarcas continuar a fazer rotundas, eles hão-de matar o tempo a fazer cada vez mais exercícios intelectuais que não lembrariam ao professor Malaca Casteleiro. Vale a pena? Face ao risco de vermos a linguagem autárquica conseguir agravar o famigerado acordo ortográfico imposto pela política, sugiro que nos manifestemos já a favor de mais umas dúzias de rotundas. É melhor isso do que dar-lhes ideias. Eles que esqueçam a língua.

 

Barcelos: o poleiro de um homem

João Carvalho, 22.10.11

Chama-se Miguel Costa Gomes, é presidente da câmara de Barcelos e já declarou que vai «manter os subsídios de férias e de Natal para os cerca de 800 funcionários da autarquia em 2012».

O facto de ser «independente eleito pelo PS» parece que anda a dar-lhe umas ideias. Não só esta, mas também a de que os dinheiros da autarquia são para usar do modo que ele entender, que as suas origens celestiais lhe permitem concluir que as normas a aplicar à escala nacional são para os terráqueos, que a sua voz de comando basta para apresentar uma proposta não-agendada numa reunião ordinária da câmara e sair vencedor, etc., ao bom estilo de quem ocupa o poleiro mais alto do galinheiro.

Se a moda pega vai ser um vê-se-te-avias, pelo que é melhor mantermos debaixo de olho a decisão, o modus faciendi e as razões do homem. Limitou-se ele a fazer o executivo camarário aprovar «por unanimidade», ontem, «uma proposta nesse sentido», pelo que vai agora «pedir ao Governo e ao Parlamento um regime de excepção» e, se a ideia reprovar, ignorará o chumbo e irá «pagar através do orçamento municipal». A quantia «ronda um milhão de euros». Para 800 funcionários, hem?

As razões de Miguel Gomes são estas: os «cortes preparados pelo Governo são medidas "injustas, muito violentas, que configuram um ataque da Administração central" e que vêm "perturbar de imediato a vida das pessoas"; "muitos usam os subsídios para reequilibrar as contas e, com estes cortes, há um reflexo imediato na economia local"». E o dinheiro? O milhão de euros cairá do céu? Simples: é só «fazer um rateio nos outros apoios que a câmara concede», como sejam «os subsídios dados a associações», despesas que, pelos vistos, já deviam estar cortadas por serem desnecessárias.

Enfim: se este inesperado rei de Barcelos pode fazer o que anunciou ontem, o problema é apenas (!) de ética. Pergunto-me então se ele não andará a acumular funções de director da PSP. Não, porque esses ainda lá continuam todos? Em exercício e a receber? A sério? Nesse caso... Socorro! Há alguém que possa acudir a isto tudo?

Fusão, união e aglutinação ou a reforma da administração local

José António Abreu, 04.10.11

A reforma da administração local não pode ficar pelas Juntas de Freguesia mas ninguém no governo (muito menos na oposição, onde os socialistas parecem desejar apenas que não lhes façam perguntas sobre o assunto) tem coragem de mencionar Câmaras Municipais que possam ser extintas – ou aglutinadas, para usar o eufemismo do Ministro Relvas (ou ele terá usado «agrupadas»? Não importa, foi um termo assim bonito). Como eu não preciso de cuidar das sensibilidades dos senhores autarcas, deixem-me avançar já com uma: aquela onde resido, Vila Nova de Gaia. A ideia da fusão (outro termo que o Ministro Relvas poderá usar no futuro) entre Porto e Gaia não é nova. Surge de vez em quando e, na minha opinião, faz todo o sentido. Admito que, tendo nascido a cerca de duzentos quilómetros e encontrando-me instalado na zona apenas há quinze anos, o meu estatuto de «imigrante» pode ter contribuído para que eu sempre tenha visto a separação entre as duas cidades como artificial. Mas creio que poucas pessoas, mesmo entre as nascidas e criadas aqui, pensam em Porto e Gaia como duas cidades distintas. O Douro é demasiado estreito e, muito mais do que uma separação, revela-se um elemento unificador. E talvez convenha lembrar que Vila Nova de Gaia já resultou da aglutinação, ocorrida em 1834, de duas vilas (Gaia e Vila Nova). A História não acabou nesse momento; não nos obriga a manter tudo como está. A junção (olha, mais um termo para o Ministro Relvas) dos dois municípios daria origem a um novo com menos de quinhentos e cinquenta mil habitantes (539631, de acordo com os resultados preliminares do Censos 2011), perfeitamente gerível (continuaria com menos população do que Lisboa), eliminando atritos estéreis e permitindo ganhos de eficiência (pelas economias de escala e também pela melhor coordenação de políticas de interesse mútuo). De facto, eu até me atreveria a propor a junção de Matosinhos (mais 174931 pessoas) à nova entidade. E (ainda bem que pouca gente conhece a minha aparência) que se ponderasse a união (mais um termo à consideração do Ministro) entre Gondomar e Valongo (isto se Gondomar não preferir anexar-se ao Porto). E entre a Póvoa do Varzim e Vila do Conde. As razões históricas, hoje expressas em bairrismos inúteis (quem, ao percorrer a marginal da Póvoa e de Vila do Conde, sente estar a passar de uma cidade para outra?), não devem impedir o estabelecimento de formas mais eficientes de administração local. Em especial numa época de aperto financeiro.

 

Quanto a sugestões para outras áreas do país (Lisboa, por exemplo), deixo-as para alguém que as conheça melhor do que eu.