Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

O Grande Irmão partidário

Ana Vidal, 17.01.14

 

Notável o que se passou hoje na Assembleia da República: a votação para a realização de um referendo (adopção e co-adopção por casais do mesmo sexo) levantou um mar de "declarações de voto" de deputados obrigados ao absurdo da disciplina de voto, sobretudo numa matéria que é nitidamente de consciência individual. Esta é uma das razões, talvez a mais importante de todas, por que eu jamais me filiaria num partido. Não admito que pensem por mim.

Aplaudir é tranquilo

André Couto, 08.11.13

Diz o artigo 16.º 1 q), do Regimento da Assembleia da República, sobre as competências do seu Presidente, que compete ao titular deste cargo "manter a ordem e a disciplina, bem como a segurança da Assembleia, podendo para isso  requisitar  e  usar  os  meios  necessários  e  tomar  as  medidas que  entender convenientes". Quando, nos últimos tempos, alguém apupa uma intervenção de um membro do Governo, as galerias são imediatamente evacuadas, escorraçando-se o Povo da sua Casa, como se de cães se tratassem. Já hoje, quando um conjunto de polícias aplaudiram o Ministro da Administração Interna, nada aconteceu. Aplaudir é tranquilo, é um balão de oxigénio para os carbonizados pulmões do Governo. Já apupar, ou grandolar, é chato, abre telejornais, e desgasta. (E não, não me interessa que não fosse Assunção Cristas a presidir aos trabalhos, naquele momento.) Assim se trabalha na Casa da Democracia.


PS. É giro ver que a reacção dos polícias foi um momento de aplauso do populismo, porque o Orçamento de Estado para 2014 aumenta os cortes e nada muda no estatuto desta classe. Os próprios dirigentes sindicais esclareceram, no fim, que aquele aplauso havia sido uma espécie de equívoco... 

Os foguetes e as canas

Rui Rocha, 14.06.13

Enquanto três milhões de portugueses batem diariamente com os ossos contra o limiar de pobreza, os excelentíssimos senhores deputados não se deixam perturbar e continuam a sua jornada, intransigentes na defesa dos interesses colectivos, sempre atentos aos assuntos prioritários da nação.

 

A 12 de Junho, por exemplo, foi publicada em Diário da República uma resolução em que recomendam ao Governo o estudo e a tomada de medidas específicas de apoio à sustentabilidade e valorização da actividade das empresas itinerantes de diversão.

 

Faz muito sentido. Tristezas não pagam dívidas e, na impossibilidade de os próprios deputados se deslocarem por esse Portugal fora para animarem o povo com gingajogas e números de trapézio e de malabarismo (meu Deus, o que eu não pagava para ver o Galamba a tirar notas de euro da cartola e o Abreu Amorim a engolir fogo em plena Feira do Cavalo de Ponte do Lima), pois que pelo menos não faltem carrosséis e carrinhos de choque sustentáveis, já seja em Linhares da Beira ou em Trancoso.

 

Todavia, e isto também se percebe, deve existir um certo equilíbrio entre coisas sérias e regabofe. Compreende-se, por isso, que os incansáveis tenham aprovado hoje legislação que proíbe a utilização de artigos de pirotecnia em reuniões ou manifestações cívicas ou políticas. É, reconheça-se, uma decisão corajosa. Os deputados sabem melhor do que ninguém que, se retiramos o foguetório e o fogo preso aos comícios, não sobra lá grande coisa.

 

Mas, como diz o outro, em tempos de guerra não se limpam armas. E, se devem ir-se os anéis, que fiquem ao menos os dedos. Nas manifestações políticas (não falo já das cívicas, porque em verdade creio que as não temos), não se podem, a partir de agora, deitar foguetes. Não se proíbe, todavia, que continuem a atirar-se aos sete ventos toda a sorte de promessas eleitorais. E se é verdade que, e passo a transcrever, fica interdita "a distribuição de potes de fumo", nada impede, ao que parece, que continuem a distribuir-se outro tipo de potes.

E depois dizem que não querem ser tratados assim

José Navarro de Andrade, 26.08.12

Um das expressões mais bizarras do léxico português é o substantivo plural “políticos”, quase sempre acompanhado pelo artigo definido, pronunciado com inflexão e acinte – “os políticos”.

É uma estranha palavra porque indiferencia uma ampla e heterogénea colecção de objectos, abrangendo na mesma penada os deputados Ribeiro e Castro e Mariana Aiveca, que nada têm em comum, e é incapaz de distinguir entre o sr. Luís Montenegro, prestimoso líder da bancada do PSD, e o sr. Sérgio Azevedo, por exemplo, importante figura do PSD da freguesia do Sacramento (624 eleitores) e de resumidíssima intervenção parlamentar. Um substantivo que se aplica tanto a um Presidente de Junta de Freguesia como ao Presidente da República, deve faltar-lhe alguma qualidade.

E no entanto a expressão “os políticos” costuma fazer todo o sentido na linguagem comum. Porquê? Será porque as pessoas são grosseiras, incultas e pouco dextras com a língua? Ou será porque há qualquer coisa muito nítida que atravessa todos “os políticos” que permite reduzi-los à indiferenciação?

Por exemplo: no dia 29 de Junho a Assembleia da República (AR) votou por unanimidade a transmissão do Canal Parlamento na TDT. Disto pode-se retirar uma importante conclusão: a AR, na abstracção jurídica representante da nação, na prática representa tão somente os interesses corporativos dos seus ocupantes – precisamente “os políticos”.

Tal como os rios, a atmosfera, ou a orla marítima, as frequências televisivas e radiofónicas são considerados bens comuns, pelo que se diz que devem estar sob a alçada do Estado. Este só as cede à prática de terceiros, mediante minuciosa e cuidadosa legislação, concurso público e caderno de encargos. Ora, quando a AR toma a TDT como propriedade sua e não do Estado e delibera o usufruto próprio de uma frequência de TDT, fora das condições que impõe ao resto da sociedade, ela está a ser autocrática, conveniente e irresponsável. Havendo unanimidade nesta votação, só demonstra que os deputados, ou por ignorância ou por má-fé, agiram como uma corporação, ou seja, mesquinhamente em busca da satisfação dos seus interesses particulares.

Assim sendo, a expressão “os políticos” é estúpida, mas, talvez por isso mesmo, faz todo o sentido.

O PS e a pescada fresca

João Carvalho, 21.04.10

É muito interessante verificar, no final de cada audiência da comissão parlamentar de inquérito sobre o caso PT/TVI, o modo como o porta-voz ad-hoc de cada partido dá conta aos repórteres do respectivo resultado. Fazem-me lembrar um taxista que costumava dizer-me que só há duas marcas de carros: os Mercedes e os outros.

A verdade é que o PS sai invariavelmente esclarecido e fresco de cada audiência, sem indiciar a necessidade de ir além por um qualquer caminho. Já os restantes partidos, esclarecidos ou não, dão conta das dúvidas suscitadas e manifestam sempre que os dados obtidos apontam para que se prossiga no apuramento dos factos por esta ou por aquela via.

Como um Parlamento, uma comissão parlamentar de inquérito e os parlamentares só podem ser sérios, é evidente que jamais passaria pela cabeça dos deputados socialistas dificultar um inquérito parlamentar desconfortável para o primeiro-ministro. O que acontece é que o próprio primeiro-ministro, diga-se dele o que se disser, é um político cheio de sorte, por ser também secretário-geral do partido mais esclarecido de todos — tão esclarecido que nem precisa de esclarecimentos. O PS é como a pescada, que "antes de o ser já o era".

A não ser que o PS seja como aquele soldado que marchava numa parada e que era o único que ia com o passo certo, quando todos os outros marchavam com o passo trocado. Nesse caso, nós é que ficamos esclarecidos. Que é como quem diz: já pescámos a coisa. E o peixe é do graúdo.

Diz-se cada coisa

João Carvalho, 08.02.10

A vida pública caiu tão fundo que tudo o que se ponha a circular já ninguém estranha: rapidamente se propaga e logo começa a constar como verdade. Vejam bem que várias pessoas, em poucos dias, me fizeram chegar que há uma deputada pelo PS que, por ter residência em Paris, não só recebe passagens aéreas de ida-e-volta uma vez por semana como ainda anda a receber ajudas de custo diárias da Assembleia da República. Diz-se cada coisa por aí.

Uma iniciativa de mestre

João Carvalho, 05.11.09

A partir desta legislatura, acabaram-se os desdobramentos dos bilhetes de avião e a acumulação de créditos de milhas aéreas para os deputados, por proposta do presidente da Assembleia da República apresentada em conferência de líderes e aprovada por unanimidade. Quer isto dizer que é posto cobro ao hábito de trocar uma passagem aérea em classe executiva por duas em classe turística, para que o beneficiário que se deslocava em serviço pudesse viajar acompanhado, e que o crédito por milhas percorridas deixa de ser uma mordomia para quem não suporta o custo da deslocação.

Com esta louvável iniciativa, Jaime Gama contribuiu para que o comportamento dos parlamentares se torne mais escorreito, em matéria de utilização de dinheiros públicos, e legitimou o apelo que fez de seguida, ao exortar os restantes órgãos de soberania, todos os serviços da administração pública e as empresas públicas a adoptarem o mesmo procedimento.

De repente, com uma medida simples, aqueles casos lamentáveis das "viagens-fantasmas", dos "deputados-batmen" e coisas assim, passados ainda há poucos anos, ficaram a anos-luz desta nova prática. E a ocasião foi de mestre: no início da legislatura e perante os líderes parlamentares, alguém iria opor-se?

Deus Pinheiro

Jorge Assunção, 16.10.09

Um não caso transformado em grande caso pelos que querem correr com Ferreira Leite da liderança do PSD. Tem um valor simbólico negativo? Certamente. Mas, objectivamente, qual é a diferença entre ter lá Deus Pinheiro ou Pedro Rodrigues? Nenhuma. Votei em Bacelar Gouveia quando decidi votar PSD aqui no Algarve? Obviamente que não. Ficaria muito incomodado se Bacelar Gouveia renunciasse ao mandato? Não, ficaria até agradado.

 

Estabeleçam círculos uninominais, deixemos de ter (na sua maioria) ovelhas na Assembleia da República, e depois logo falamos sobre questões relativas aos deputados como se fossem um assunto político muito sério neste país.

Um reavivar de memória para acalmar algumas mentes (justamente) mais indignadas...

André Couto, 02.07.09

 

Adenda: Com este post não pretendo de forma alguma minimizar ou enquadrar a atitude de Manuel Pinho. O seu gesto é a todos os níveis condenável e injustificável. Não há pressão, conjuntura ou diálogo que justifiquem aquela atitude rude na Casa da Democracia. Manuel Pinho soube-o logo melhor do que ninguém e teve uma atitude digna demitindo-se.

Aqui quero apenas frisar que quem tenha protegido o deputado do PSD carece de legitimidade para criticar Manuel Pinho. Tão só.