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Delito de Opinião

Bocage

Patrícia Reis, 15.09.15

José Maria Barbosa du Bocage nasceu há 250 anos, em Setúbal, a 15 de Setembro de 1765. Viajou muito, fez tremer corações. O seu pai foi mandado prender por Pomba, mais tarde Bocage foi preso por Pina Manique. a acusação era quase a mesma, a desordem, o atentado aos costumes. Extraordinário, com aventuras dignas de qualquer romance do século XVIII, Bocage é hoje recordado na terra que o viu nascer e pouco mais. Sobre ele, escreveu, no seu jeito, Ary dos Santos:

Fazes falta ao Rossio. Falta ao Nicola.

Lisboa é uma sarjeta. É um vazio.

E é raro o poeta que entre nós faz escola.

Mastigam ruminando o desafio.

São uns merdosos que nos pedem esmola.

Aos vinte anos cheiram a bafio

têm joanetes culturais na tola.

Que diria Camões nosso padrinho

ou o Primo Fernando que acarinho

como Pessoa viva à cabeceira?

O que me vale é que não estou sozinho

ainda se encontram alguns pés de linho

crescendo não sei como na estrume
!

 

Estou certa de que o poeta teria agradecido com uma vénia, teria rido e quem sabe? nasceria uma bela amizade, se o tempo não os tivesse separado. Deixo-vos - roubado indecentemente ao mural do FB de uma grande amiga, Helena Vasconcelos - uma fábula do aniversariante, na esperança de que o recordem, na esperança de que mais se escreva sobre a sua vida e obra.

 


O Leão e o Porco
O rei dos animais, o rugidor leão,
Com o porco engraçou, não sei por que razão.
Quis empregá-lo bem para tirar-lhe a sorna
(A quem torpe nasceu nenhum enfeite adorna):
Deu-lhe alta dignidade, e rendas competentes,
Poder de despachar os brutos pretendentes,
De reprimir os maus, fazer aos bons justiça,
E assim cuidou vencer-lhe a natural preguiça;
Mas em vão, porque o porco é bom só para assar,
E a sua ocupação dormir, comer, fossar.
Notando-lhe a ignorância, o desmazelo, a incúria,
Soltavam contra ele injúria sobre injúria
Os outros animais, dizendo-lhe com ira:
«Ora o que o berço dá, somente a cova o tira!»
E ele, apenas grunhindo a vilipêndios tais,
Ficava muito enxuto. Atenção nisto, ó pais!
Dos filhos para o génio olhai com madureza;
Não há poder algum que mude a natureza:
Um porco há-de ser porco, inda que o rei dos bichos
O faça cortesão pelos seus vãos caprichos.

Bocage, in 'Fábulas'

Um Telefone à Janela

Ana Cláudia Vicente, 18.10.11

Não é difícil figurar a ocasião: apeada em Katowice como correspondente do Daily Telegraph, uma rapariga de quase vinte oito anos cumpria os primeiros dias da tarimba jornalística. O Verão de 1939 não iria durar. Hospedada pelo cônsul britânico, seu patrício, a dita rapariga haveria de ganhar à-vontade suficiente para pedir um dos automóveis do serviço diplomático (dos poucos que ainda tinham direito de  passagem entre a fronteira germano-polaca) para uma caça à notícia e avio de víveres. Do lado de lá traria velas, vinho, muitos rolos para a máquina e aquele que estava destinado a ser o primeiro dos 'furos' da sua vida: o avistamento de um aparato militar massivo no sentido polaco, sinal claro de uma manobra de invasão em curso. De volta a Katowice, conseguiria horas depois linha para a embaixada em Varsóvia de maneira a reportar o que vira. Sabemos hoje que começou por não ser levada a sério: ninguém - nenhuma autoridade militar ou diplomática - tinha ainda relatado tal iminência. Mas o tempo tinha passado, por isso Clare percebeu que restava esticar a corda, ou melhor, o fio do telefone até à janela - a ocupação já estava a acontecer. Em menos de quarenta e oito horas o Reino Unido e a França entrariam no conflito. O resto é História.

Ms. Hollingworth saiu ilesa desse e vários outros palcos de guerra, continuando a trabalhar até muito recentemente; reformou-se lá pelos oitenta, e só porque os olhos lhe começaram a falhar. E qualquer perfil biográfico é pródigo em mostrar o quanto fez após aquele primeiro scoop. Cem vezes parabéns, Clare Hollingworth.