Autárquicas (8)
UMA MONUMENTAL ESTOPADA
Sintonizei a SIC para ver o debate entre António Costa e Pedro Santana Lopes, anunciado para as 21 horas. Às 20.52, no entanto, o debate já decorria: a SIC, que garantira o "exclusivo", chegou tarde à sua própria iniciativa, optando pela publicidade enquanto Santana começava a falar, em resposta a Clara de Sousa. Saltei para a SIC Notícias, evitando assim novas faltas de consideração do canal generalista pelos espectadores.
Segue um registo do que fui escutando - ou talvez não. Em dez andamentos.
20.52 / 20.57
"Debate capital", proclama a SIC com manifesto exagero. Os dois candidatos à Câmara Municipal de Lisboa (porquê só estes?) trocam uns galhardetes inócuos. Fala-se do passivo da câmara, das dívidas da câmara, de contabilidade.
20.57 / 21.02
Fala-se do passivo da câmara, das dívidas da câmara, de contabilidade. De obra, presente ou futura, nada.
21.02 / 21.07
Ainda o mesmo tema: dívidas, empréstimos, contas antigas, balancetes. Parece mais conversa de mercearia do que um debate político.
21.07 / 21.12
Às 21.10, Clara de Sousa conclui o óbvio: "Não chegam a acordo, temos que avançar." Mesmo assim, prossegue o desfiar de argumentos sobre contabilidade e facturas. Alguém ainda acompanhará o "debate capital"? Eu já tenho alguma dificuldade.
21.12 / 21.17
Só às 21.13 termina a enfastiante disputa sobre quem paga mais e melhor aos fornecedores do município. Costa e Lopes, quase tão sonolentos como eu, resvalam para outros temas. Mas ainda com as contas a reboque. "O seu candidato a vereador Sá Fernandes embargou o túnel. Sabe o prejuízo que isso fez à cidade?", questiona Santana. Por momentos, penso que alguém se enganou de ano - ou eu ou eles. Estaremos ainda em 2007?
21.17 / 21.22
"Sá Fernandes fez muito mal a Lisboa", insiste Santana.
"Passa a vida a queixar-se dos outros", reclama Costa.
Começo a interrogar-me muito a sério por que motivo a SIC decidiu organizar um "debate capital" excluindo candidatos de forças com implantação eleitoral e sociológica em Lisboa como o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda.
21.22 / 21.27
Fala-se em voo rasante de questões que interessam realmente aos munícipes: aeroporto, os contentores de Alcântara, a terceira travessia rodoviária de Lisboa, a reabilitação urbana. Santana está verdadeiramente obcecado com o Zé que "fazia falta" aos socialistas: "Sá Fernandes planta girassóis e quer apanhar berbigão no Cais do Sodré."
Às 21.26, Clara de Sousa arrisca falar do trânsito. Costa proclama: "O grande desafio deste século são as alterações climáticas." Afundo-me no sofá com um largo bocejo.
21.27 / 21.32
Aprendi alguma coisa com António Costa: "Diariamente entram em Lisboa 400 mil carros." Deduzo, portanto, que será contra a nova ponte rodoviária já prometida pelo Governo. Mas ele nada diz sobre a matéria. Clara de Sousa nada lhe pergunta.
21.32 / 21.37
Quarenta minutos após ter começado o debate, a moderadora pede enfim desculpa aos telespectadores pelo facto de a SIC ter falhado o arranque da emissão, apenas disponível aos clientes da televisão por cabo.
21.37 / 21.43
O debate arrastou-se ainda por mais seis minutos, mas deixei de prestar atenção ao que Lopes e Costa diziam.
Conclusão: uma monumental estopada.