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Delito de Opinião

Cartas de Iwo Jima...

José Gomes André, 26.07.09

 

...obra-prima de Clint Eastwood, que a RTP passa hoje (Domingo, 23h30), e que recomendo vivamente. A maioria dos comentadores insiste tratar-se de uma mera "continuação" de As Bandeiras dos Nossos Pais, que se limitaria a mostrar “o lado japonês” durante a terrível batalha de Iwo Jima. Não concordo. A meu ver, tanto As Bandeiras dos Nossos Pais como Cartas de Iwo Jima não são filmes sobre essa sangrenta batalha numa longínqua ilha no Pacífico, embora obviamente a tenham como ponto de partida.
Com efeito, As Bandeiras dos Nossos Pais surge como um tratado sobre um fenómeno específico dos conflitos bélicos – a propaganda e a ilusão por ela gerada – mostrando o contraste entre as falsas concepções criadas pelas expectativas de quem está fora do conflito, e a ferocidade da experiência vivida pelos que participaram efectivamente nesse acontecimento apenas imaginado pelos outros. Neste sentido, As Bandeiras... ilustra um diálogo surdo, e necessariamente impossível, entre aqueles que acedem à experiência da guerra em bruto, na sua áspera verdade, e aqueles que a sentem à distância, de uma forma mediada e mediatizada.
De um modo semelhante, também Cartas de Iwo Jima não é uma obra acerca da batalha de que se fala no título, mas sim um filme sobre uma série de homens condenados à morte num local remoto e inóspito – constituindo por isso um poderoso exercício metafísico acerca do que significa estar na guerra, esse diálogo próximo com a morte, o desespero e a solidão. Ao longo do filme, o que está em questão não são os eventos contingentes da batalha, ou a ambiguidade causada pela incerteza do conflito. Pelo contrário, à presença de Kuribayashi e dos seus homens na ilha está subjacente uma única evidência: Iwo Jima será o seu jazigo. Como lidar com essa verdade inexorável?

Clint Eastwood ilustra os diferentes matizes das respostas possíveis, descortinados com uma precisão clássica, atendendo simultaneamente à inerente complexidade das disposições reveladas. Uma paleta de personagens mostra a diversidade das posturas: o comandante Kuribayashi, que luta pela sobrevivência das suas tropas, até ao último minuto; os oficiais japoneses, que preferirão o suicídio à rendição; o soldado Saigo, preso numa tragédia absurda, que apenas pretende regressar a casa; o Kompitei Shimizu, dividido entre a ética militar e o complexo moral que o horror da guerra suscita; e o Tenente Ito, que procura em vão a glória da morte, e que desafortunadamente a não consegue encontrar. Diversas atitudes e modos de sentir a proximidade do fim num rochedo vulcânico, que os tons cinzas da belíssima fotografia de Tom Stern parecem unir num destino comum.

[repescado daqui].

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