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Delito de Opinião

Dos liberais iludidos

Jorge Assunção, 12.07.09

Leio com atenção a muito interessante e boa polémica interna que opõe o Luís Naves ao Tiago Moreira Ramalho no Corta-Fitas a propósito dos subsidios à cultura (ler, por esta ordem: Ide ao teatro; Uma polémica interna; A minha ilusão liberal; e Ilusões liberais). Não concordo com nenhum, embora esteja mais próximo da posição do Tiago. Mas vou-me concentrar no último texto do Luís Naves. Primeiro numa questão de pormenor, diz este que o Tiago "defendeu auto-estradas sem portagens: se as estradas já foram pagas com os meus impostos, para quê pagar portagens?". O Luís Naves aqui comete um erro, se existem auto-estradas com portagens é exactamente para estas não serem pagas com impostos.

Mas o que me importa mais discutir é a questão da educação. A certa altura o Luís Naves diz que se "o acesso aos serviços é conforme o imposto cobrado aos pais. O estudante pobre cuja família está isenta de impostos deve pagar mais propinas; ao rico com pais que já pagaram em impostos, não se deve cobrar propinas". Não me querendo substituir ao Tiago, este não diz propriamente que o acesso aos serviços é conforme o imposto cobrado. O que diz (ele que me corrija se estiver errado), e eu concordo, é que sendo o ensino actual pago por impostos de todos, se qualquer pessoa para além de pagar impostos tiver de procurar uma alternativa privada é duplamente prejudicada. É por isso que um liberal pode defender, por exemplo, o cheque-ensino. Que, de forma simplificada, é nada mais, nada menos, do que o retorno dos impostos aos pais, com justiça social à mistura porque os pais pobres teriam direito a igual cheque pagando ou não impostos. Claro que o cheque-ensino não resolve todas as questões sobre o assunto e ainda pressupõe que o ensino tem um valor para a sociedade enquanto um todo (de forma associada e ainda de encontro a esta lógica, teríamos de abordar também a escolaridade obrigatória) que justifica que os impostos de todos sejam distribuídos pelos pais com crianças a estudar (coisa que chocará uma determinada classe de liberais), mas garante pelo menos uma maior liberdade aos pais para optarem por escolas públicas ou privadas conforme a qualidade de cada uma, sem que sejam alvo dessa penalização dupla.

Já no caso do financiamento do ensino superior, as propinas deveriam, pura e simplesmente, reflectir o preço do serviço em causa. Ou seja, tal como nas auto-estradas com portagens, aplicaríamos a lógica do utilizador-pagador. Os ricos, portanto, pagariam o serviço em causa caso tivessem filhos a estudar no ensino superior, já os pobres, na lógica de solidariedade social para que devem servir os impostos, seriam subsidiados para obter esse serviço e portanto também não deixariam de ter acesso a ele. O que não vale é apelidar parasita a um liberal por frequentar o ensino superior público subsidiado quando não lhe resta outra alternativa em Portugal para um ensino de qualidade a preço comparável. Para além do mais, importa fazer ver que a demonstração por absurdo que o Luís Naves utiliza vai desembocar ao nosso actual sistema. Para quem ainda não percebeu, o actual sistema de ensino superior público financiado na sua maioria por impostos já garante que os ricos tenham acesso a um ensino de qualidade a baixo preço, basta consultar qualquer estudo sobre o assunto que este logo nos diz que as universidades públicas estão repletas de alunos da classe média/alta, enquanto os pobres, paradoxalmente, vêem-se muitas vezes relegados para as universidades privadas ou, ainda pior, nem sequer chegam a frequentar o ensino superior.

Já na questão essencial, dos subsidios à cultura, vou fugir (para já) ao debate, mesmo porque este post já vai longo. Não sem contudo dizer que se nos Estados Unidos existem subsídios à cultura, também existe uma muito maior propensão à filantropia. O problema português não se resume à discussão sobre se o Estado deve ou não apoiar manifestações culturais, mas deriva e muito da incapacidade do surgimento de entidades exteriores ao Estado no apoio à cultura nacional.

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