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Delito de Opinião

A armadilha da "cultura geral"

José Gomes André, 01.07.09

Por estes dias tenho lido Dietrich Schwanitz e o seu aclamado "Cultura". É um livro curioso, uma espécie de mini-enciclopédia, onde o autor resume os grandes acontecimentos históricos, os grandes livros, as grandes obras de arte, enfim, os principais elementos da nossa herança cultural. O texto é escorreito, rico e recorre à ironia q.b.

O meu problema com este tipo de obras "genéricas" é que o autor, por mais culto e preparado que seja, nunca consegue ser um especialista em todas as áreas do saber, o que conduz a lamentáveis equívocos - que de certa forma minam o propósito da obra (oferecer-nos um resumo informado de vários temas tratados de forma complexa noutros livros mais "específicos").

 

Dou um exemplo numa área que conheço bem: a Revolução Americana. Escreve Schwanitz: "Após a conclusão da Paz com a Inglaterra, em 1783, reuniu em Filadélfia a Assembleia Constituinte (1787). A figura dominante era o antigo ajudante de Washington, Alexander Hamilton, que encabeçava os chamados federalistas que se propunham fortalecer o governo central da União. O seu adversário era Thomas Jefferson, [...] cuja tónica incidia na independência dos vários Estados federados." (p. 162).

Temos aqui dois problemas graves: Hamilton era de facto uma das figuras principais dos federalistas, mas a sua prestação na Convenção de Filadélfia resumiu-se a um único discurso em quase 4 meses, não tendo elaborado uma só moção ou proposta concreta, pelo que o seu contributo para a criação da Constituição foi quase nulo. Por outro lado, Jefferson é identificado como uma figura preponderante neste evento, mas Jefferson era embaixador em Paris, não tendo estado presente na dita Convenção, nem se envolvido na discussão e aprovação da mesma (Jefferson só regressaria aos EUA no final de 1789).

Dir-me-ão que isto é pouco relevante e que são erros inevitáveis. Talvez. Mas fica sempre a pergunta: se neste tema, que por acaso domino, o autor cometeu estes erros, o que me garante que não o tenha feito noutros assuntos que não domino, e onde tomo a informação por boa? Em suma, parecem-me louváveis estes esforços de "síntese cultural", mas de modo algum substituem o trabalho do especialista e da "análise minuciosa" que as diversas áreas do saber exigem.

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