Felizes uma ova
Os portugueses são pobres e desmobilizados, num país socialmente muito frágil; mesmo assim, apesar de pouco capazes de se mobilizar individual e colectivamente, são felizes. É a conclusão (?) do recente estudo Necessidades em Portugal – Tradição e Tendências Emergentes, de sociólogos do Centro de Estudos Territoriais do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.
As notícias que vi sobre aquele estudo deixam um bocado a desejar: dão conta dos baixos rendimentos de muitos agregados sem dizer quantas pessoas compõem esses agregados; referem casais jovens que acabam por se considerar relativamente felizes com alguma relutância, talvez pela idade e por se sentirem saudáveis, mas não concretizam a ideia de felicidade; e por aí fora.
Sou muito desconfiado em relação a estas conclusões abstractas de que os teóricos costumam gostar muito. Interessa-me mais o lado concreto das coisas. Registei alguns dados mais específicos.
A população pobre anda nos 20 por cento e o estudo ainda encontrou privações que se alargam muito para lá dessa percentagem. Por exemplo: um terço dos portugueses em condições precárias e preocupados com a sua sobrevivência e 32,6 por cento sem conseguir aquecer a casa; muito mais do que os 20 por cento de pobres sem conseguir pagar uma semana anual de férias fora e de regresso ao trabalho antes de concluídas as baixas médicas por causa da redução salarial; 57 por cento com um orçamento familiar abaixo dos 900 euros.
Outros dados: a privação média ou alta atinge 35 por cento dos portugueses; os mais vulneráveis são os idosos, as famílias monoparentais e os menos instruídos; os mais jovens também já enfrentam situações de vulnerabilidade; as qualificações superiores não garantem emprego.
Posto isto, o tal estudo diz que as condições deficientes ou más determinam (numa escala de 1 a 10) um grau de satisfação de 6,6 (um dos mais baixos da Europa) e um grau de felicidade de 7,3.
Concluir que estamos satisfeitos e que somos felizes é aceitar com um encolher de ombros que temos notas positivas sem sequer saber o que é satisfação e felicidade. Por isso é que não gosto de abstracções. Basta reler os dados concretos para ficar assustado. E para desmontar o cenário que o actual governo apregoava há um ano sobre o aumento da nossa qualidade de vida e a descida do número de pobres.
Nota — Sobre este assunto, vale a pena reler esta reflexão no DO, do Jorge Assunção, escrita há pouco mais de um mês.