Eles
Sempre fizeram parte do meu imaginário. Eles eram os bandidos, os vendidos, uma espécie de agentes patogénicos que infectavam a nação e impediam o progresso do país. Eles também eram os que nos uniam nas rodas de café, nos táxis, nas barbearias, nos jantares de família e até no emprego. Claro que todos tínhamos por certo que a eles ninguém beliscaria e essa era a evidência que temperava a nossa mansa revolta - a revolta de quem se sabe impotente. Essa resignação alastrava, já se sabe, aos assuntos do foro pessoal, que só podiam correr mal. Daí a nossa tristeza colectiva, o fado e o fardo existencial, o medo de ser feliz.
Mas depois eles começaram a aparecer. A partir de certa altura as notícias, os nomes associados a casos de fraude e corrupção passaram a surgir nos jornais com uma regularidade inquietante. Apito Dourado, Operação Furacão, BNP, BPP, BCP e caso Freeport têm rostos. A maioria, já se sabe, safar-se-á, incólume. Todavia é preocupante a nova apetência por este tipo de investigação. Acaso alguém se lembrou que sem eles provavelmente não conseguiríamos funcionar como o colectivo de fortes traços identitários que somos há séculos?
Antes que esta perseguição ganhe dimensões de consequências imprevisíveis, acho que o melhor é fazerem o favor de ficar por aqui. A menos que um dia queiram ver a culpa, essa solteirona empedernida, a dar o nó e a partir daí deixar-nos sem assunto, sem argumentos que nos aliviem de culpas e responsabilidades e, o que é pior, com um destino nas mãos. Além de que em tempo de crise ninguém se preocupa com minudências.