Qual TGV, qual quê!? (II parte)
I
Sou dos que desaprovam os grandes empreendimentos não-produtivos e sem retorno, que requerem grande endividamento externo e importação de tudo o que precisam. Não raro, contrapõem-me que o TGV, pelo menos, se justifica plenamente, por sermos periféricos e nos aproximar da Europa. Pois o TGV, quanto a mim, é exactamente o exemplo do que me parece dispensável. Com crise ou sem crise. Até por sermos um país periférico, porque se estivéssemos numa situação central eu ainda entenderia a utilidade de ligar duas fronteiras opostas, para não interromper a corrente exterior de ambos os lados.
Nem sequer o Porto e Lisboa precisam do TGV para estar mais perto. Basta uma linha adequada ao actual Alfa Pendular (cuja velocidade-cruzeiro de fábrica é de 220km/hora). O mesmo para ir até à fronteira Norte e ligar-nos à Galiza, ou para nos levar até ao Algarve. O próprio Jorge Coelho já um dia reconheceu publicamente que o elevado investimento na renovação da linha férrea Porto-Lisboa foi um autêntico desastre. Reconheceu, sim, mas a culpa voltou a morrer solteira.
Falta acentuar que Portugal não é apenas periférico, mas também um território estreito, na distância transversal entre o mar e Espanha. Ora, se o Alfa tivesse uma (ou mais) linha(s) adequada(s) a cruzar o País entre o litoral e a fronteira Leste, para ligação ao TGV espanhol e a Madrid, ninguém se queixaria da diferença entre o TGV vizinho e o nosso confortável Alfa, com uma distância tão curta para percorrer (à velocidade recomendada).
O problema é que Portugal não tem investido em caminhos-de-ferro coisa que se veja e, quando o fez (Porto-Lisboa), foi um fracasso ao preço do ouro. Sabem que mais? Deixem as autoestradas e apostem na linha férrea nacional – maior economia, menor poluição, menos acidentes e vantagens para as mercadorias – que devia ser um bem essencial e é uma vergonha.
Curiosamente, tenho reparado que, de um modo geral, muita gente concorda com os argumentos que descrevi. E concluem, teimosa e invariavelmente: mas o TGV faz falta! Não há pachorra! Prefiro os que discordam e me saibam explicar porquê.
Ainda por cima, o TGV não serve a indústria e o comércio, nem as exportações e as importações. É só para pessoas, para uma minoria que quer e pode viajar. Lazer, enfim. Parece-me pouco, muito pouco. Não podem gastar mais uns 15 ou 20 minutos entre Lisboa e a Galiza? Entre Faro e o Porto? Entre Lisboa e Madrid? Em suma: alguns não podem gastar mais uns minutinhos, mas todos podemos gastar mais uns milhões? Ah!!! Então desculpem lá. Julguei que estávamos a falar do desenvolvimento do País...
II
Publiquei o texto acima logo nos primeiros dias do DELITO DE OPINIÃO. Pareceu-me que vinha agora mais a propósito, para sublinhar mais alguns pontos que agora entraram na discussão e reforçam a minha opinião.
A um deles fiz já referência: o TGV só serve passageiros em condições de pagar a comodidade de ir a Madrid jantar e pouco mais. Pura e simplesmente, esse luxo ignora por completo a necessidade gritante de caminhos-de-ferro para mercadorias, que é (essa, sim) essencial e tem sido escamoteada.
Acresce que (e isto só agora percebi) a ferrovia planeada para o TGV é a mais onerosa, a que prevê velocidades de 350 quilómetros à hora. Ora, diz quem sabe que só há dois casos no mundo: a China (de Pequim não-sei-para-onde, numa distância superior a mil quilómetros) e Portugal. Se isto não se deve ao tamanho do nosso País, há-de dever-se a alguma coisa – e não me cheira que seja coisa boa.
Por fim, tenho por inteiramente racional que o estado da economia – mundial e nacional (dívida externa portuguesa incluída) – determine a desistência ou adiamento (até ver) do projecto e a revisão de qualquer acordo com Espanha, seja ele qual for. Se vier a verificar-se, em dias melhores, que o TGV é realmente importante, espero que venha a ser um projecto razoável para obviar as necessidades e não os luxos. Parece-me que o desenvolvimento do porto de Sines com ferrovia mercante, por exemplo, é muito mais importante do que transportar passageiros em TGV entre a capital e um aeroporto algures, num trajecto em que o próprio TGV jamais atingirá a sua velocidade-cruzeiro.
Em conclusão: não é o TGV que faz falta; é o bom senso. Até só um pouco mais de senso comum já daria jeito. Menos aos grandes construtores amigalhaços do poder, está claro, e aos políticos que costumam deixar o interruptor ligado para que seja o seguinte a fechar a luz.