Afinal, o que defende o Bloco? (2)
A propósito da pergunta feita pelo José Gomes André, fui dar uma vista de olhos ao programa, ainda em construção, do BE. No primeiro esboço do seu programa eleitoral, o bloco, entre outras coisas, defende o seguinte (naquilo a que se referem como as medidas prioritárias de um futuro governo):
1. Período de contratos temporários reduzidos a 1 ano. Proibição de despedimentos em empresas com lucros.
2. Nacionalização da energia. Nomeadamente a EDP e a Galp.
3. O banco público deve dirigir o crédito.
4. Aumento das pensões e reforma aos 40 anos de trabalho.
5. Levantamento completo do segredo bancário, punição do enriquecimento injustificado e ilicito. Fim do offshore da Madeira.
6. Diminuição das custas nos processos judiciais.
7. Fim das taxas moderadoras na saúde.
8. Escola pública gratuita para uma medida de inclusão.
9. Retirada do Afeganistão.
10. Legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Sobre estas dez medidas, algumas observações:
1. Implica maior desemprego e maior duração desse mesmo desemprego. É também promotora de empresas pouco competitivas e diminui a margem de manobra das empresas na resposta a variações da actividade económica. E convenhamos, afinal o BE não anda muito longe da camarada Carmelinda Pereira quando provocou o riso da plateia num Prós e Contras ao defender a proibição dos despedimentos.
2. Para além dos ganhos duvidosos com uma medida do género, imagino como pagará o BE a nacionalização de tais empresas.
3. Pura demagogia: o BE quer decidir politicamente qual o juro que a banca deve exigir aos indivíduos e empresas. O BE quer, tão simplesmente, desvirtuar o mercado bancário com a utilização da CGD para promoção de políticas sociais, na concessão de crédito com maior risco. Risco esse suportado pelos contribuintes portugueses, está claro.
4. A irresponsabilidade do BE não tem limites. Numa época em que o maior problema da segurança social é o da sua sustentabilidade, o BE não só defende o actual regime como ainda promove o agravar dos seus problemas.
5. Percebe-se que o BE quer acabar com o offshore da Madeira sem antes garantir que todos os offshores acabem. Mesmo antes de discutir se os offshores devem acabar, acho que não é difícil perceber que tal medida aplicada única e exclusivamente em Portugal é-nos prejudicial.
6 e 7. Qual o motivo da existência de custas judiciais ou de taxas moderadoras na saúde? Esses sistemas têm um custo para o contribuinte português. Ambos os mecanismo evitam que quem recorra a tais serviços o faça sem que tenha a certeza da necessidade de recorrer aos mesmos.
8. A minha dúvida aqui era até onde o BE alargava a escola pública, como mais tarde defendem no documento a "gratuidade da frequência do ensino superior", percebe-se que para o BE o dinheiro do Estado é ilimitado. Ou antes, a capacidade do Estado cobrar ao contribuinte deve ser ilimitada. Seja para financiar a educação, a saúde ou a justiça.
9. De encontro à lógica da saída do país da NATO. Aliás, o bloco defende mais tarde no programa a saída das forças militares de todos os países estrangeiros onde estão envolvidas: Afeganistão, Iraque, Kosovo, Bósnia e Líbano. Mas parece que no Afeganistão é mais urgente porque "a NATO está a defender o governo de narcotraficantes". Presumo que o anterior governo que dava cobertura a terroristas era melhor.
10. É uma das bandeiras do bloco. Pessoalmente, entre o que existe e o que o bloco defende, prefiro o que o bloco defende.
Mas o BE vai mais longe. Defende, no quadro das políticas sociais de resposta à crise, o "salário mínimo nacional de 600 euros" e "a redução do horário de trabalho sem perda de direitos nem salário, com o objectivo das 35 horas semanais.". Sendo um dos principais problemas portugueses a falta de competitividade, o BE tudo parece querer fazer para aumentar esse problema (as expressões "produtividade" e "competitividade" só aparecem um total de 4 vezes nas 137 páginas do documento até agora elaborado, já "neoliberal" ou "neoliberalismo" têm direito a 10 aparições).
Perante aquilo que o BE defende, fica sempre a dúvida sobre os mecanismos que o BE irá utilizar para fazer face ao mais que certo aumento da despesa. É por isso importante prestar atenção à reforma do sistema fiscal proposta pelo partido, onde encontramos coisas como a criação de "um novo escalão de IRS de 45% para os rendimentos mais elevados" ou o "imposto de Solidariedade sobre as Grandes Fortunas para financiar a convergência das pensões mínimas". A que se a junta a aniquilação do "regime de excepção para a especulação financeira, tributando com englobamento todas as mais-valias bolsistas". Estando subjacente a ideia nas propostas do bloco de que os ricos pagam as suas medidas, quem conhece minimamente o funcionamento do sistema sabe que, para além dos ricos terem alguma facilidade em escapar a este tipo de medidas, o valor que se pode esperar destas é insuficiente para pagar a maioria das coisas que o bloco propõe. Tanto mais quando, mesmo no campo fiscal, o bloco afirma que "o IVA deve ser reduzido, interrompendo e revertendo o aumento da regressividade fiscal.". Uma coisa parece certa, o actual Estado que já arrecada para si quase 50% do que é produzido no país, não será suficiente para satisfazer o modelo do bloco.
É, portanto, um panorama cor-de-rosa aquele que o bloco nos apresenta. Um pequeno grupo, os ricos (nunca totalmente especificado quem são: gostava por exemplo de saber o que é uma "grande fortuna" para o BE e quanto espera ganhar com a tributação dessas mesmas grandes fortunas), pagará quase tudo. E os restantes, ao que parece quase todos os portugueses, terão acesso a um mundo melhor à custa desse pequeno grupo de pessoas com "grandes fortunas". Na prática, as ideias do bloco garantiriam um Portugal mais pobre, onde seriam cada vez menos os "ricos" a quem sacar rendimento. Onde o assistencialismo seria a norma e o incentivo à iniciativa individual, alicerçada na defesa da meritocracia, seria cada vez menos valorizada.
Para terminar, uma pequena nota irónica, não deixa de ser curioso ver o bloco referir que "o governo do PS foi durante o seu mandato um dos fiéis seguidores da ideologia neoliberal que promove um estado minimalista", ao mesmo tempo que o PS no seu manifesto Vencer 2009 afirma que "o mundo acaba de assistir à clamorosa derrota do pensamento político neoliberal". Aqui a critica não é para o BE, mas antes para o PS que continua, teimosamente, a adoptar para si expressões típicas de uma esquerda mais radical, cuja única função é evitar a discussão de ideias e promover fantasmas inexistentes. Quanto mais tempo demorar o PS a perceber isso, colando por vezes o seu discurso ao do BE, mais contribui para tornar o BE numa alternativa credível ao próprio PS. O que, como é verificável com os resultados das eleições europeias, não lhes é particularmente favorável.