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Delito de Opinião

Um gesto para a História

Pedro Correia, 10.12.13

 

Em 8 de Abril de 2005, por ocasião do funeral do Papa João Paulo II na Praça de São Pedro, houve um encontro histórico, até aí impensável: o presidente israelita, Moshe Katsav, cumprimentou o seu homólogo iraniano, Muhammad Khatami, com quem trocou breves impressões aproveitando o facto de ser fluente na língua persa por ter nascido no Irão. Este gesto de boa vontade, ocorrido no momento da missa de exéquias em que os fiéis eram convidados a saudar-se "na paz de Cristo", surpreendeu todos os observadores internacionais e suscitou críticas aos dois chefes de estado por parte dos sectores mais extremistas de ambos os países.

Hoje, durante as cerimónias fúnebres de Nelson Mandela em Joanesburgo, aconteceu um gesto ainda ainda mais relevante e mais imprevisto: o aperto de mão trocado entre Barack Obama e Raúl Castro quando o Presidente norte-americano se encaminhava para o púlpito onde fez o seu vibrante discurso de homenagem ao falecido ex-líder sul-africano, a quem justamente chamou "um gigante da História".

Há homens que têm este condão: conseguem congregar os outros mesmo depois da morte. O exemplo de Mandela, Nobel da Paz em 1993, pairava nas tribunas do estádio Soccer City, onde os dirigentes máximos de Cuba e dos EUA começaram a quebrar um gelo acumulado há mais de meio século: os dois países cortaram relações diplomáticas em 3 de Janeiro de 1961.

Mandela –- "personalidade maior do século XX", como o designou a Presidente brasileira Dilma Rousseff, discursando em português pouco antes de Obama, no mesmo local –- teria certamente exibido o melhor dos seus sorrisos perante o aperto de mão entre Obama e Castro. Porque não houve estadista capaz de odiar o ódio como ele.

Falta agora traduzir em acções concretas o belo simbolismo ilustrado nesta fotografia difundida pela cadeia televisiva norte-americana ABC. Obama, para ser verdadeiramente digno do Nobel que lhe foi atribuído em 2009, deve pôr em prática o que nenhum dos seus antecessores –- de Lyndon Johnson a George W. Bush –- teve coragem de fazer: levantar o embargo a Cuba decretado em 1960 pelo presidente Eisenhower e ampliado dois anos depois por John F. Kennedy.

Extinta a guerra fria, Cuba é hoje um tigre de papel que proclama slogans anti-imperialistas enquanto mendiga dólares para a subsistência elementar. Meio século de “revolução” que impôs a monocultura agrícola para abastecer de açúcar os camaradas soviéticos e a nacionalização total da propriedade de cultivo foi a receita certa para o fracasso actual: Havana importa 84% dos alimentos que consome –- e não faltam bolsas de fome na ilha, que dispõe de 6,6 milhões de hectares de solo fértil mas só cultiva pouco mais de três milhões.

É este o momento para a administração norte-americana dar um sinal positivo. Afinal, Washington normalizou as relações com o Vietname –- que se mantém uma ditadura comunista –- apesar da sangrenta guerra que ali travou durante uma década. Desmoronado o império soviético, ultrapassada a guerra fria, Cuba deixou de ser uma ameaça para o poderoso vizinho do norte. Condená-la ao isolamento é dificultar ainda mais uma transição que não será fácil do totalitarismo comunista para uma economia de mercado onde as liberdades sejam respeitadas e defendidas.

Para ser consequente com o histórico gesto de hoje, Obama deve incluir o levantamento do bloqueio a Cuba entre as suas prioridades imediatas.

2 comentários

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    Pedro Correia 11.12.2013

    Há muito que defendo o fim do bloqueio económico norte-americano a Cuba, Patrícia. Algo que só afecta e prejudica verdadeiramente a população cubana, condenando-a a uma pobreza ainda maior.
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