Soares e o bulliyng preventivo
Agora que já passaram uns dias sobre as declarações de Mário Soares na Aula Magna talvez já seja possível discutir isto com alguma serenidade. Vejamos. Ou o intitulado pai da democracia sabe o que diz, ou nem por isso. Confesso que não tendo encontrado grande lucidez nas posições que foi assumindo desde que me interesso pelo debate político (a partir do início dos anos noventa, portanto), sou levado a considerar como pouco provável que tenha adquirido por estes dias uma renovada clarividência. Todavia, devo admitir que num país em que o primeiro-ministro é Passos Coelho e o líder da oposição é TóZé Seguro devemos estar preparados para todo o tipo de fenómenos. O certo é que devemos ser coerentes. Os que consideram que Mário Soares está mais lúcido do que nunca, devem também assumir integralmente o teor das suas afirmações. Com esse pressuposto, estas não podem ter duas interpretações. Desde logo, Mário Soares legitimou a utilização de violência. Aconselhar alguém a demitir-se para evitar uma eventual agressão sem condenar o comportamento agressivo não pode ter outro entendimento. Note-se que o conselho não é dirigido a potenciais agressores no sentido de não adoptarem uma conduta violenta, mas ao eventual agredido recomendando-lhe que adapte o seu comportamento face a uma eventual agressão. Mais do que isso, é óbvio que as palavras de Mário Soares incitam à violência. A antecipação de um evento violento como possível e legítimo por alguém como Mário Soares, nos termos descritos, certifica-o como desejável para um certo tipo de públicos. O ponto é assim o de considerar Mário Soares inimputável ou não. Se é responsável pelo que diz, as suas palavras podem ser objecto de repúdio ou de adesão e o acto fica, nesse caso, com que o pratica. Todavia, e curiosamente, foram sobretudo alvo de branqueamento: que não, que Mário Soares apenas pretendeu avisar os destinatários da mensagem (que amiguinho que está, não é verdade...). Ora isto é que é francamente inaceitável. Os defensores da tese do aviso colocam Mário Soares na posição do pai que pratica bullying preventivo em casa para preparar o filho para as agruras dos comportamentos agressivos dos colegas de escola. Convenhamos que isto, como conceito, é razoavelmente ridículo.

