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Delito de Opinião

Livros de cabeceira (23)

Sérgio de Almeida Correia, 11.11.13
 
Para se poder falar de livros de cabeceira, em primeiro lugar, é necessário que exista uma mesa de cabeceira ou algo parecido, em relação à qual possamos ter um sentimento de posse, onde exista a percepção de que aquele espaço nos pertence. Esta série apanhou-me não em terra de ninguém mas em cama alheia, num interregno entre dois espaços próprios, numa fase de instalação pessoal num mundo que vive oito horas à frente do fuso onde estão aos meus companheiros de blogue e a maior parte dos leitores.
Em segundo lugar, importa que se tenha o gosto de ler na cama, coisa que em regra não faço porque acho sumamente desconfortável. E também porque a concentração que a leitura muitas vezes pede obriga-me a tomar pequenas notas à margem dos textos - sempre a lápis - que podem assumir a forma de uma seta ou de um segmento vertical a marcar duas ou três linhas. Essas marcações são as minhas referências, o que há de interessante, o que merece atenção e registo, num sentido positivo ou negativo.
Não podia por isso, pelo que referi, apresentar-vos uma fotografia bonita, devidamente enquadrada, com obras da dimensão e profundidade daquelas que os meus antecessores produziram. Porém, o que venho de afirmar não quer dizer que não folheie, que não registe e não prepare leituras para quando estou fora da cama. Muitas vezes os livros que tenho ao pé de mim são os que ainda não iniciei a leitura e em relação aos quais pretendo ter uma abordagem preparatória. Para quando iniciar a leitura já possuir uma visão sumária do que me espera.
Neste momento, na mesa de cabeceira da casa onde estou provisoriamente a viver, tenho dois livros que há cerca de um mês me acompanham. O primeiro é de Almeida Garrett e trata-se de uma compilação, já com algumas dezenas de anos, dos Discursos Parlamentares, publicado pela Europa-América na colecção Saber. Garrett continua a ser para mim uma referência e nos tempos conturbados que Portugal atravessa é importante lê-lo muitas vezes. Não sei quantos dos nossos políticos e parlamentares terão lido Garrett e possuirão um conhecimento, mesmo básico, do homem, da obra e do seu pensamento, mas estou certo que se essa referência da nossa vida parlamentar, política e cívica fosse lida com mais atenção o País não teria chegado ao século XXI nas mãos de merceeiros rafeiros e ignorantes.
O outro livro que tenho lido é uma obra editada pela Tinta da China, bem mais recente e numa colecção que apesar da juventude consegue esforçadamente manter os dois "cês", que tem por título Um Gentleman na Ásiae por autor um dos meus preferidos: Somerset Maugham. Bem escrito e melhor traduzido, trata-se de um livro que as minhas colegas de escritório, na Rua de Portugal, acharam por bem ofertar-mo na hora da minha mais recente despedida antes de rumar a Oriente. Maugham apresenta-nos o registo de uma sua viagem por terras da Birmânia, do Sião e da Indochina. São histórias e pensamentos com os quais muitas vezes me identifico e que fazem parte do meu contínuo processo de aprendizagem das leis da vida, porque, também, como fizeram o favor de me escrever na dedicatória citando Theroux, só quem está confiante de que vai descobrir algo de novo é que parte para uma viagem como a que encetei no último dia de Setembro.

 

Tenho também outras leituras, mais adequadas ao momento que vivemos e que permite estabelecer comparações entre regimes, como um pequeno opúsculo de Raul Rego que tem por título Os políticos e o poder económico, edição do autor datada de 1969, dedicado à memória de Pedro Monjardino e aos seus companheiros da Unidade Democrática na candidatura ao Círculo de Lisboa. Por ali se vê que o conúbio entre a política e a dança das cadeiras nas administrações de algumas empresas tem uma funda e detestável tradição de que o actual regime não se conseguiu livrar.
Quanto ao mais, artigos académicos sobre o aparecimento dos partidos e sobre o partido como base para um eleitorado mais responsável, ou a Asian Legal Bussiness, revista de assuntos jurídicos, não me parece que tenham qualquer interesse para os leitores. Pelo menos para os que lêem esta coluna.

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