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Delito de Opinião

Maputo cidade-fantasma?

jpt, 07.11.13

 

São oito e um quarto (vinte e quinze, como aqui se diz), noite já cerrada, acaba a aula do pós-laboral, saio do "campus" para casa. O meu velho Ssangyong não anda, descontinuada a produção não encontro as peças para os travões, coisa já de há meses, e falta-me taco para comprar outro carro, mas tenho mesmo que comprar um novo, um pequenito, desses japoneses recondicionados que inundaram Maputo (para desespero dos puritanos da esquerda europeia, que compram carros novos a crédito e protestam com a automobilização dos corruptos africanos, a estes dizendo-os traidores às revoluções que vão sonhando lá no sofá e escalfeta do Estado-Providência), a ver se poupo uns 5 mil dólares para isso. Bem, neste lamento estou-me a afastar da "coisa", dizia eu que já são vinte e quinze (oito e um quarto, como se diz aí) e acabei a aula, vou do "campus" para casa. Ou chamo um txopela, que me custa um maço de Peter ou chateio a Inês, exausta a esta hora, para me vir buscar, ou vou a pé, quinze minutos a calcorrear que não me fazem nada mal, coisa que tenho vindo a fazer, necessidade oblige

 

Então lá vou eu, "campus" acima, cruzo a rua de França,  a quase viela a esta hora apinhada de carros e peões universitários, passo o "Macuti" animado como sempre, mas hoje não vou às 2M e moelas, desço a Zimbabwe, estou no Restelo cá do sítio, cruzo as putas de todos os dias, aos já habituais "olá fofo" "vamos dar uma volta" sempre respondo afável (é o meu momento diário de afabilidade) uns "boas noites", "bom serviço", que naquele entre ali me darão um ar de vovô tonto e inofensivo, passo para a Kaunda, carro acima e carro abaixo, sigo pelo Hospital Militar, desço à clínica de Sommerschield, zonas residenciais mais calmas na hora da novela e os cafés já fechados, entro na Kim-Il-Sung, carro à esquerda, carro à direita, e continuo no Restelo cá do sítio, venho falando sozinho, resmungando aulas, compondo argumentos da história empresarial que me ocupa, e que tanto me está a fascinar, mas também hipóteses de postais in-blog e tácticas para o jogo na Luz, amiúde saudando "boa noite, obrigado" aos guardas residentes e a vários transeuntes, alguns tardios do footing outros atrasados ao resting. Acabo em casa, exalando, transpirando ou suando, conforme quem me leia.

 

Depois, já banhado, jantado e dormido, leio que "Maputo é uma cidade-fantasma", pois aqui "o pânico instalou-se", são as teclas de Ana Dias Cordeiro ecoadas no jornal Público (e a esta hora já replicadas por 500 e tal faceboqueiros, nisto do "sharo logo existo" dos dias de hoje). Venho então escrever este postal. Para dizer que é tanga. Não é apenas o habitual desajuste do jornalismo português sobre o país (então o Público tem uma longa tradição, burlesca até, de asneirar sobre Moçambique). Não é apenas isso, repito. Deixemo-nos de coisas, deixemo-nos de merdas, não é só mediocridade, não é só restringir o olhar a uma pequena meia dúzia de compatriotas e botar apressadamente o que julga conveniente botar. É mesmo tanga, mentir para aumentar tráfego no "sítio" do jornal, para vender papel, para mostrar anúncios.

 

Estão os moçambicanos preocupados? Estão, com as escaramuças no centro e norte, com o que se passará nas próximas semanas até às autárquicas, com o preparar do ciclo eleitoral de 2014, com a criminalidade, constante nos bairros urbanos populares, agora re-irrompendo no centro burguês (na "classe média" como balbuciam os "leitores" da sociologia actual, "classe média" de quê?, porram outros). Estão os estrangeiros residentes (os imigrantes e os expatriados) preocupados, até alarmados? Estão, bastante. Está este jpt, bloguista, ainda por cima residente apeado, angustiado, de cenho (des)armado? Está, estou.

 

Mas não há pânico nestes 2 milhões e tal de pessoas. Nem são elas, somos nós, almas penadas numa cidade-fantasma. Nem de dia. Nem de noite, ainda que a esta faltando a miríade de neons que iluminam a crise despesista da "classe média" (classe média de quê?, porra!) que lê o Público.

 

Adenda: há uns dias disse que me blogo-calava, que isto não estava para isto. Mas, pensando melhor, não me apetece.

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