Livros de cabeceira (15)
Laura Ramos, 03.11.13
Ao contrário do que me acontecia em criança (depois do 'recolher obrigatório', eu e a minha irmã líamos às escondidas, com a mão na pera do candeeiro para ser premida ao menor som de passos) hoje em dia leio durante pouco tempo, na cama. Deito-me sempre demasiadamente tarde, e os livros com enredos empolgantes, aptos à devora, não são consentâneos com a disciplina do sono, que nunca fez parte dos meus amigos íntimos. Por isso, os livros que moram na minha mesa são sempre do género que aguenta uma leitura intermitente e que nunca perdem interesse: autobigrafias, poesia, correspondência.
No caso, a obra de Jaime Nogueira Pinto, Jogos Africanos: se não leram, não percam este relato fascinante e autêntico sobre uma África portuguesa que eu nunca conheci e que finalmente, começo a entender.
Depois, Os Dias e os Anos, Diário 1970-1993, de Marcello Duarte Mathias: o período diz tudo sobre a minha curiosidade. Não é propriamente um relato político, mas é a política que o envolve, numa prosa muito bem escrita em episódios, apontamentos ou reflexões que nos arrancam sorrisos, como no caso do retrato de Mário Soares, manso mas certeiro, a páginas 106. É claro que tem de ser-se muito complacente para aturar aquele outro lado deselegante da sua intelectualidade que irrompe, indisfarçável, aqui e ali: a soberania pesporrente, muito à la diplomate, assim como se detivesse a chave da plenitude lógica, ética, estética da vida.
Por fim, a inesgotável Poesia Completa e Prosa, de Vinicius de Moraes, brochura com muitos anos e com lugar cativo. Este está longe de ser O meu poeta, entre os tantos de quem dependo, mas é talvez a música que acompanha os seus versos aquilo que me faz transportar para o calor de trópicos e para uma vida que gira em torno dos sentidos, sem horários nem regras... Quem não queria tê-la?
Ainda um dia hei-de voltar a ler até clarear, lá fora...