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Delito de Opinião

Muito acima e com muito mais nível

Pedro Correia, 24.10.13

 

Acabo de ouvir o discurso de investidura de António Costa para o terceiro mandato como presidente da câmara de Lisboa. Um discurso que achei notável por contrastar tanto com o espírito deste tempo concreto em que vivemos, marcado por um radicalismo febril, pela ausência de consensos mínimos sobre questões basilares para o futuro português e por uma linguagem que vai rompendo todas as normas aceitáveis de cordialidade cívica e tolerância democrática.

Sem se confinar a trincheiras ideológicas, com palavras mobilizadoras, o autarca fez um apelo à multiplicação de esforços para alcançar desígnios de interesse colectivo. Reeleito a 29 de Setembro com 50,9% dos votos expressos dos eleitores da capital, deixou claro que não confunde maioria com poder absoluto. Dirigiu frases de apreço e consideração aos adversários políticos, do passado e do presente. E não hesitou sequer em utilizar a expressão "aliança nacional" para dar ênfase à sua mensagem agregadora. Enquanto garantia: "É preciso estar sempre atento ao sentimento dos cidadãos, saber ouvir todos."

Alocuções deste género deviam ser a regra na política portuguesa. Infelizmente, nos tempos que correm, são a excepção. Um ponto decisivo a favor de António Costa. Hoje em Lisboa, amanhã onde quiser. Muito à frente, muito acima e com muito mais nível do que um possível rival da mesma origem partidária, incapaz de abrir a boca sem distribuir anátemas com a fracturante soberba e o exacerbado narcisismo de quem se imagina sempre no centro de tudo e persiste em fazer de si próprio o tema dominante.

Não imaginamos Costa dizer algo deste género: "Não sinto nenhuma inclinação de voltar a depender do favor popular." 

Desde logo por ser uma frase de uma arrogância quase chocante, sobretudo vinda de alguém que durante um quarto de século dependeu do "favor popular" para exercer sucessivas funções políticas. E também por transmitir a sensação de que se afirma uma coisa enquanto se pensa noutra, bem diferente. Como aliás o tempo demonstrará.

4 comentários

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    Pedro Correia 25.10.2013

    Não gosto de ver políticos no activo serem ao mesmo tempo comentadores políticos nas televisões. Sempre disse isso, sempre escrevi isso.
    O político, se quiser ser comentador, deve renunciar à carreira política. E vice-versa. Porque existe uma manifesta incompatibilidade entre as duas funções. Ou devia existir.
    Infelizmente, as nossas televisões abdicam cada vez mais de ter opinião própria (salvo honrosas excepções) transferindo-a para os políticos, contribuindo assim para perpetuar esta estranha especificidade nacional. Não conheço nenhum outro país europeu onde os políticos sejam igualmente comentadores televisivos em horário nobre.
    António Costa é apenas um entre muitos outros. Um estudo do jornal 'Público' revelava recentemente que Portugal está afogado em comentário político: há 69 horas semanais nas televisões dedicadas a este assunto. "O equivalente a quase três dias completos em frente à televisão."
    Algo verdadeiramente extraordinário.
    Dos 97 comentadores com presença regular nos ecrãs, 60 são ou já foram políticos com funções destacadas nos mais diversos partidos:
    www.publico.pt/politica/noticia/o-imperio-dos-comentadores-onde-quem-manda-sao-os-politicos-1594179

    Para voltar às suas palavras: Costa não disse de Santana algo muito diferente do que Santana possa dizer de Sócrates. Em directo, na televisão. Porque ambos são comentadores na TV, embora em canais diferentes.
    Agora vai estrear-se como comentador Teixeira dos Santos, mais um ex-ministro a montar cátedra num ecrã de televisão.
    Questiono-me até que ponto os jornalistas continuarão a ser impedidos de emitir opiniões sobre política pelas direcções editoriais que preferem conceder essa prerrogativa quase em exclusivo aos protagonistas políticos, que serão sempre juízes em causa própria.
    Péssimos juízes, na maior parte dos casos.
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    Não me convence 25.10.2013

    Agradecendo a resposta, o que me parece um tanto estranho é que o Costa, que fugiu com o rabo à seringa e deu uma resposta saloiamente esperta ("Pode dizer-me se daqui a um ano, ainda trabalha na mesma televisão?") quando lhe perguntaram se iria ficar os 4 anos da praxe como presidente da CML, já sabe que o Lopes (pessoa em quem nunca votei nem penso algum dia votar) deverá ser o candidato da direita a Belém...
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    Pedro Correia 25.10.2013

    Não é difícil fazer vaticínios neste domínio. À direita, nas 'primárias', perfilam-se Marcelo Rebelo de Sousa e Santana Lopes; à esquerda, também nas 'primárias', perfilam-se Sócrates e Costa. A menos que Guterres queira regressar e aí ser-lhe-ão abertas alas.
    O primeiro que der um passo em frente ganha vantagem. Quem se mantiver nas tábuas, salvo seja, só tem a perder.
    A lógica é esta. Não vale a pena inventar. Porque um candidato presidencial com hipóteses sérias de ganhar não se improvisa em dois anos.
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