A curva do estádio
Esta semana, um militante do PSD -- que já desempenhou funções da maior relevância no partido -- comparava Passos Coelho não ao general preso no seu labirinto, de García Márquez, mas a Hitler encurralado no bunker de Berlim, naqueles que seriam os últimos dias da II Guerra Mundial na Europa e também os últimos dias da vida do mais sanguinário ditador do século XX. Chegou a fazer uma alusão expressa ao filme A Queda: Hitler e o Fim do Terceiro Reich (Der Untergang, no original).
Esta é a pior face do PSD.
Esta é a melhor face do PSD.
Porque o PSD sempre foi assim. Algo muito semelhante à célebre curva do estádio José Alvalade, onde se concentram os adeptos do Sporting que vaiaram Figo e Rui Patrício, e que ao mínimo desaire acenam com lenços brancos em exigência à despedida imediata de treinadores.
O PSD, como o Sporting, sempre teve estes adeptos de bancada, alguns deles instalados em camarotes. Nenhum líder do partido foi imune às vaias e às vagas de lenços brancos -- nem sequer aqueles que hoje são por lá lembrados com maior consideração e carinho.
Sá Carneiro, o fundador, viveu em permanente tensão interna, enfrentou duas rebeliões abertas no grupo parlamentar laranja que conduziram a outras tantas cisões e só ganhou aura de indiscutível quando, após juntar os cacos, conduziu o partido a duas vitórias eleitorais com dez meses de diferença.
Cavaco Silva, por sinal um dos que acenaram com lenço branco a Balsemão quando liderava a claque da oposição interna, enfrentou igualmente duras divergências nos tempos anteriores às duas maiorias absolutas monopartidárias que obteve para o PSD. Nas presidenciais de 1986, foram vários e notórios -- de Helena Roseta a Valentim Loureiro, passando por Alberto João Jardim -- os militantes sociais-democratas que desafiaram a autoridade de Cavaco, recomendando o voto em Mário Soares quando o líder mandara votar em Freitas do Amaral.
Por tudo isto, considero um erro monumental responder com medidas disciplinares à divergência política, por mais séria que seja, sobretudo num partido como o PSD, que tanto se assemelha à curva de Alvalade: a discordância e até a crítica mais hiperbólica estão inscritas na sua senha de identidade.
O PSD será sempre assim: um partido onde nenhum líder ficou imune às críticas e até quando desempenha funções governativas vê alguns dos principais disparos partirem não de fora mas das suas próprias fileiras. Basta lembrar que durante a campanha que conduziu os laranjinhas de regresso ao poder, em 2011, não faltaram militantes com lugar cativo nas tribunas televisivas e da imprensa a vaticinar-lhe um desaire eleitoral.
Se o aquietarem, se o calarem, se o amestrarem, se o amansarem será outro partido qualquer. Mas já não será o PSD. Porque o PSD, para o melhor e o pior, é isto.