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Delito de Opinião

Arrefeçamos a discussão sobre o aquecimento global, pode ser?

João André, 25.09.13

Saquem das camisolas de lã que afinal os cientistas estão todos errados e não há aquecimento global mas sim um arrefecimento global como prova o aumento do gelo do Ártico.

 

Certo? Bom, nem por isso. Vou tentar ser um pouco metódico e explicar algo que muitas vezes escapa no meio do ruído: as tendências climáticas não são feitas ano a ano. Especialmente por variarem com a estação, as comparações devem ser feitas ao longo de vários anos, preferencialmente décadas e idealmente séculos. É nessas escalas de tempo que os climatologistas se movem. Os meteorologistas (notaram a diferença nos termos?) podem falar em mudanças de climas em termos de horas, dias ou semanas, mas para os climatologistas, se a temperatura for de 35 graus hoje e 12 graus dentro de um ano, eles nem piscam os olhos. É como comparar a vida de um elefante com a de um mosquito.

 

Há no entanto mais questões a considerar. Parece que o aquecimento está a abrandar. Isso em si seria uma boa notícia. Repito para que fique claro: eu, que concordo com a existência de um aumento global das temperaturas no planeta e que concordo que tem origem antropogénica, ficaria muito feliz por estar errado. Eu e a esmagadora maioria dos cientistas que concordam com esta tese (e com muito melhores argumentos). Esses cientistas, na ausência de financiamento para estudar o aquecimento global, teriam financiamento para estudar outros fenómenos. O dinheiro não desaparece e ainda há muito para compreender no clima.

 

Ainda assim, vou abordar os pontos em questão. Primeiro ponto, o "aumento" do gelo no Ártico. Primeiro que nada, como se refere neste artigo, a "recuperação" do gelo é relativa. Há mais área gelada que no ano passado, mas ainda é muito pouco gelo. Por outro lado há a questão da espessura: sabemos que se houver menos área, teremos quase de certeza menos volume de gelo. Se a área aumentar, isso não significa que o gelo seja espesso, pelo que o volume total de gelo pode ser reduzido. Não há ainda evidências numa ou noutra direcção, mas serve para arrefecer ânimos (bad pun alert). Resumindo: há mais gelo que no ano passado mas ainda é muito pouco. Há mais área com gelo, mas não temos dados sobre o volume. Conclusão científica? Nenhuma: teremos que esperar mais uns anos.

 

Temos agora a questão do abrandamento do aquecimento. Os cientistas não sabem por que razão o aquecimento está a abrandar, mas isso não é o mesmo que dizer que não vão estudar as hipóteses que estão a formular. Os cientistas, por natureza, não dão opiniões profissionais sem terem uma boa noção daquilo que vão dizer. Nisto diferem dos opinadores profissionais e amadores, que dão opiniões opostas em dias consecutivos porque são pagos (ou não) para darem opiniões de forma interessante, não pela qualidade ou exactidão das mesmas. É por isso que os cientistas não se excitam quando começam a ver os sinais de aquecimento global (já têm décadas) e não se excitam quando este começa a abrandar. São apenas novos dados para tentar estudar o que se passa.

 

O que se poderá então estar a passar? Não sou climatologista, apenas um engenheiro químico, mas poderei avançar algumas hipóteses:

1. Ciclos solares: são ainda mal entendidos e o actual ciclo solar poderá corresponder a uma diminuição da energia que o Sol envia para a Terra. As temperaturas poderão descer. Isso poderá também significar que o efeito do CO2 antropogénico é menor que o previsto.

2. Oceanos: caso nos estejamos a esquecer, os oceanos cobrem cerca de 70% da superfície da Terra. Aliás o planeta poderia muito bem chamar-se "Água" (como refere Bill Bryson). Estes, especialmente devido às propriedades termodinâmicas da água (não vos vou aborrecer com isso) e à influência da vida, poderão estar a absorver o CO2 ou simplesmente a absorver o excesso de calor (são como um reservatório de frio, se quisermos). A sua influência não tinha sido correctamente descrita em modelos anteriores e por isso as previsões podem falhar.

3. Evaporação e degelo: mais uma vez devido à termodinâmica, quando uma substância derrete ou evapora, precisa de uma determinada quantidade de calor (pensem na acetona a arrefecer a mão enquanto evapora). Esta contribuição pode não ter sido levada em conta. Por outro lado, uma das consequências do aquecimento são as alterações climáticas, as quais podem estar a levar à presença de mais nuvens. Ainda que o vapor de água também tenha um forte efeito de estufa (é uma das teorias que explicam Vénus), o início poderá ser visto mais como um para-sol gigante que aumenta a área de sombra.

4. Partículas na atmosfera: os vulcões que entraram em erupção nos últimos anos enviaram partículas para a atmosfera que reflectem raios solares para o espaço. Por outro lado, as necessidades energéticas de algumas nações têm sido resolvidas com centrais termo-eléctricas, as quais poderão não ter filtros para captação de partículas resultantes da combustão. Apesar de enviarem muito CO2 para a atmosfera, estas centrais iriam no curto-prazo provocar poluição atmosférica que reduziria a temperatura (tal como nos anos 70-90, antes de se tomarem medidas contra essas partículas que, por exemplo, também provocavam chuvas ácidas).

5. Outros: como disse, não sou climatologista e não conheço os cenários todos. Gente muitíssimo mais capaz que eu poderá propor outras hipóteses, provavelmente mais realistas.

6. Os modelos estão errados e teremos vivido apenas um ciclo de aquecimento que nenhuma influência humana teve. Seria mau para a ciência, mas bom para a humanidade. Eu ficaria feliz por isso.

 

Haveria mais coisas sobre as quais eu poderia escrever, como a diferença entre temperaturas médias e temperaturas máximas ou mínimas, aquecimento global vs alterações climáticas, capacitância de um sistema, química da molécula de CO2, etc. Creio, no entanto, que já chateei o suficiente quem quer que tenha lido tudo. Fico-me por aqui. Deixo apenas o esclarecimento: quaisquer erros e barbaridades científicas que estejam aí para cima são da minha autoria. Nao levem as minhas opiniões como as da comunidade científica. Trata-se de gente geralmente respeitável e que dá o seu melhor sem excessivos preconceitos. Não merecerão ser colocados no mesmo cesto que eu.

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