Arrumar a biblioteca (XI)
Chico Buarque, Zola e D. Quixote
Arrumada enfim toda a ficção estrangeira. Ao som de um disco fabuloso, que abre da melhor maneira: Duetos, de Chico Buarque. Com gente tão diversa como Ana Belén, Dionne Worwick e Nana Caymmi. A faixa de abertura -- versão de Let's do it, Let's Fall in Love, de Cole Porter -- é uma belíssima homenagem à plasticidade da língua portuguesa, que atinge sempre níveis superlativos na pena do criador de Construção e Tanto Mar.
Escutem o dueto entre Chico e Elza Soares nesta tema, intitulado Façamos (Vamos Amar).
Excepto nos casos das colecções, como já referi aqui e aqui, espalho os livros de ficção não-portuguesa pelas prateleiras por ordem alfabética dos autores. De Allende (Isabel) a Zola (Émile). Mas o espaço não chega para todos, é escusado pensar nisso. Opto pela solução mais simples: disponho os volumes em duas filas, como é hábito os carros estacionarem nas ruas e avenidas de Lisboa, mesmo neste período de campanha eleitoral. Com uma diferença substancial: os livros "estacionados" em segunda fila ocupam espaço mas não se vêem. Ao contrário dos carros, cada vez mais visíveis. Nenhum autarca consegue acabar com este flagelo.
A "montra" principal dos livros, na estante que ocupa mais espaço, é reservada aos que têm lombadas mais altas. Estão lá, entre vários outros (e da esquerda para a direita, seguindo sempre a ordem alfabética dos apelidos), O Jardim dos Finzi-Contini (Giorgio Bassani), Agosto (Rubem Fonseca), O Bom Soldado (Ford Madox Ford), O Meu Século (Günter Grass), A Porta no Chão (John Irving), Cisnes Selvagens (Jung Chang), Nas Nuvens (Walter Kirn), Mystic River (Dennis Lehane), O Meu Nome é Vermelho (Orhan Pamuk), A Marcha de Raderzky (Joseph Roth) e Na América (Susan Sontag).
Chico e Pablo Milanés cantam Yolanda enquanto eu me interrogo pela enésima vez por que motivo as editoras não imprimirão todas as lombadas com as letras viradas para o mesmo lado.
Provavelmente vocês também já pensaram nisto. Passamos o tempo a virar o pescoço de um lado para o outro para conseguir ler os títulos porque não existe critério uniforme. Por vezes não há sequer critério uniforme nos livros pertencentes à mesma colecção, o que é completamente absurdo. Repare-se só na fotografia que aqui deixo, com vários títulos pertencentes à Colecção Ficção Universal, da editora D. Quixote:
Títulos como Um Espião Perfeito e A Casa da Rússia, de John Le Carré, conseguem ler-se se inclinarmos a cabeça para a esquerda, mas O Nosso Jogo e A Gente de Smiley, do mesmíssimo autor e da mesmíssima chancela editorial, já só se lêem com a cabeça inclinada para a direita.
Acontece isto também, por exemplo, com William Faulkner (Absalão, Absalão -- virar à esquerda; O Som e a Fúria, virar à direita) ou Mario Vargas Llosa (História de Mayta, esquerda; A Guerra do Fim do Mundo, direita).
Ficamos de olhos trocados e com dor no pescoço. Um dia hei-de perguntar a um editor amigo por que motivo não se põe fim a este disparate.
Entretanto mato saudades da voz de Nara Leão, também em dueto com Chico Buarque. Inconfundível.
"Consta nos astros, nos signos, nos búzios / Eu li num anúncio, eu vi no espelho, tá lá no evangelho, garantem os orixás / Serás o meu amor, serás a minha paz. // Consta nos autos, nas bulas, nos dogmas / Eu fiz uma tese, eu li num tratado, está computado nos dados oficiais / Serás o meu amor, serás a minha paz."
Até amanhã.