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Delito de Opinião

Livros que deixei a meio (7)

Pedro Correia, 07.09.13

 

DIPLOMACIA

de Henry Kissinger

 

O tamanho importa pouco. Quero com isto dizer que nunca me deixei afugentar por um livro gordinho -- digamos, com cerca de mil páginas. Mais coisa menos coisa, é esse o tamanho da opus magnum do doutor Henry Kissinger, catedrático emérito da Universidade de Columbia (Nova Iorque, EUA) e um dos maiores especialistas em política internacional dos escalões dirigentes norte-americanos da última metade do século XX. Kissinger, nascido há 90 anos como judeu alemão e radicado desde 1938 -- tinha apenas 15 anos mas já vira e vivera muito -- nos Estados Unidos, levou uma perspectiva europeia ao Departamento de Estado, antecipando o que mais tarde, na viragem do milénio, sucederia com Madeleine Albright durante a administração Clinton.

Como conselheiro especial do presidente Richard Nixon, de quem seria um poderoso secretário de Estado, com prolongamento para a administração Ford, Kissinger subiu tão alto quanto lhe era possível nas esferas políticas em Washington. Faltou-lhe apenas ter sido candidato à presidência, o que lhe estava constitucionalmente vedado por não ter nascido com a nacionalidade norte-americana.

 

Este europeu transposto para o Novo Mundo é um herdeiro directo dos "realistas" que foram retalhando o mapa mundi ao longo de um século -- da Convenção de Viena, em 1815, à cimeira de Versalhes, em 1919. Convicto de que nenhum país tem aliados permanentes mas apenas interesses permanentes e que não haverá vencedores em guerras desencadeadas na era atómica, Kissinger abriu caminho para o degelo nas relações entre Washington e a China comunista primeiro e com a União Soviética logo a seguir. As duas mais espectaculares acções norte-americanas do último meio século no capítulo da política externa.

São assuntos que me interessam, confesso. Foi portanto com todo o entusiasmo que me atirei a esse calhamaço que é Diplomacia -- um original de 1994, com excelente edição portuguesa da Gradiva publicada quase em simultâneo -- indiferente ao facto de não ser nada fácil de transportar na mochila para a praia.

Julgo que o meu exemplar ainda terá bastantes grãos de areia. E digo julgo porque não se encontra em meu poder há vários anos. Quando era adolescente, tinha por regra nunca emprestar livros -- nas raras vezes em que isso aconteceu, nunca mais os vi. Mas a passagem do tempo vai-nos mudando em muita coisa acessória, à medida que confirmamos que a vida são dois dias. Transgredi, pois, e acabei por emprestar o livro de Kissinger a alguém que mo pediu com insistência (e bons modos, algo que valorizo muito). Tive logo a convicção de que não era emprestado, mas emprestadado. Por vezes vou a casa dessa pessoa, vejo o livro na estante e pergunto-lhe: "Já posso levá-lo?" Resposta invariável: "Não, que ainda não o li."

 

Henry Kissinger -- odiado, invejado e idolatrado, símbolo máximo do cinismo de Washington em matéria de relações externas e estratego consumado, como até os próprios inimigos políticos lhe reconhecem -- é um homem cultíssimo mas, como sucede com tantos académicos brilhantes, não tem o dom da escrita. Diplomacia contém partes interessantíssimas -- nomeadamente os capítulos iniciais, em que o ex-secretário de Estado fala longamente de Metternich, o político austríaco do século XIX que modelou os seus conceitos de realpolitik -- e outros profundamente entediantes, que quase nos levam a supor estarmos perante um relatório & contas.

Li a dobrar a primeira metade desta obra e jamais consegui ler a segunda. Tenho uma boa desculpa: deixei de ter o livro na minha posse.

Mas suspeito que o resultado seria o mesmo se não o tivesse emprestadado. Talvez um dia mude de ideias: pelo menos sei onde está. É só passar por lá e recolhê-lo. Com toda a diplomacia de que sou capaz.

 

Imagem do meio: Kissinger, então estrela em ascensão na administração norte-americana, com honras de capa na revista Time em 14 de Fevereiro de 1969

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