Livros que deixei a meio (6)
NENHUM OLHAR
de José Luís Peixoto
No Verão passado houve um grave incêndio nos campos próximos de Galveias. Lembrei-me logo de José Luís Peixoto e da badana de um dos seus livros, que deixei a meio: Nenhum Olhar. A badana mencionava que José Luís Peixoto, um dos mais conceituados jovens escritores portugueses, é natural de Galveias, Ponte de Sor.
Julgo nunca ter ido a Galveias. Mas conheço razoavelmente Ponte de Sor: logo imaginei uma existência árida, um cenário seco e pedregoso, cheio de silêncio e solidão, povoado apenas pelos chamados "elementos naturais". O sol, o canto de um galo, o ladrar de um cão.
Nenhum Olhar chegou-me às mãos cheio de pergaminhos. O jovem romancista ganhara precisamente com esta obra, em 2001, o Prémio José Saramago e era considerado um afilhado literário do Nobel português, que não era pessoa de elogio fácil. Razões de sobra para eu o encarar com expectativa.
As primeiras páginas prometiam. Numa espécie de elegia depurada, com um débil fio de narrativa mas uma escrita muito trabalhada, complexa, a meio caminho entre a sinceridade confessional e o artifício retórico.
Há seguramente uma voz original na pena de Peixoto. O problema situa-se a outro nível: este romance é trespassado por uma tristeza tão funda, tão irremediável, tão contagiosa que começamos por ansiar pelo momento em que termine.
E à medida que se progride a voz do autor vai-se embargando, o romance tinge-se ainda mais de escuro, tropeçamos ali num Portugal rural que parece carregar uma dor inominável nascida antes de todos os séculos.
Há livros incompatíveis com certas estações do ano. Nenhum Olhar é rigorosamente interdito ao calor do Verão.
Será talvez livro para ler num Inverno frio e chuvoso?
Não sei, nunca experimentei. O meu problema, enquanto leitor, foi talvez esse: escolhi a estação errada. Não cheguei sequer a meio.
Arrasto desde então uma espécie de complexo de culpa. Porque José Luís Peixoto é uma pessoa afável, de uma timidez que não recusa os contactos sociais, sem sombra de tiques de vedeta "literata". Sou testemunha directa desse facto pois cheguei a entrevistá-lo para o Diário de Notícias e fiquei com excelente impressão dele. Os elogios que tem recebido, merecidos ou imerecidos, não o corrompem mentalmente. Proeza assinalável nesta terra tão expedita em fazer e desfazer reputações à velocidade de fabrico dos pudins instantâneos.
Esperarei então pelo Inverno. Por uma tarde escura e fria e despojada de afectos para retomar a leitura de Nenhum Olhar.
Detesto deixar livros a meio. E livros de escritores que já entrevistei ainda mais.
Peixoto com Saramago em 2001




