Regresso ao passado (V)
Na manhã da passada sexta-feira desloquei-me ao excelente edifício onde funciona a biblioteca municipal do Fundão, apropriadamente baptizada com o nome de Eugénio de Andrade (natural da Póvoa da Atalaia, uma das freguesias do concelho) para prosseguir a minha pesquisa de notícias relacionadas com familiares meus.
Li o obituário - devidamente destacado - do meu tio-avô António, que foi durante quase meio século funcionário administrativo do Diário de Notícias: ao seu funeral, fiquei a saber, compareceram vários dos nomes mais destacados do corpo redactorial do jornal e até um membro da direcção. Li também o obituário do meu tio-avô José, que emigrou muito jovem para os Estados Unidos, tornando-se proprietário de um resturante em Brooklyn: quando vinha de férias a Portugal, era sempre uma festa para a família e nunca faltavam prendas originais para a garotada. Viajava sempre de barco. Mas, na última viagem, disse à mulher: "Desta vez vamos de avião." Morreu pouco depois de chegar: de algum modo escolheu ficar para sempre no país de onde partira quase meio século antes.
Penso no meu tio Zé, figura de referência da minha infância, ao ler esta notícia num exemplar do Jornal do Fundão de 1956 alusivo à belíssima aldeia de Castelo Novo: "Vindo do Brasil no vapor 'Vera Cruz', que chegou a Lisboa no dia 25 de Junho, encontra-se entre nós o sr. prof. José Esteves Carramenha, que há 45 anos não visitava a sua terra natal." Um emigrante também, como o meu tio da América.
Notícias que nos falavam de outro mundo - um mundo em que as viagens eram difíceis e muito dispendiosas, em que cada partida tinha sempre um carácter definitivo. Partia-se para sempre, até demonstração em contrário.
Era um mundo onde as pessoas se moviam numa escala muito familiar. Um pequeno mundo reflectido em anúncios como este: "Pombos e galinhas - impurezas de cereais. Vende a Moagem dos Ferreiras". Ou este, do oculista Bonina, na Covilhã: "Se o senhor é um homem cauteloso não se dispensa conhecer a pressão atmosférica. Evitará muitos incómodos. É sempre bom ter em casa um dos nossos barómetros."
Um mundo que se media tantas vezes à distância de uns quantos quintais. E que proporcionava deliciosas notícias como esta, intitulada "Pombo Correio", também numa edição de 1956: "No dia 6 de Maio à tarde foi encontrado pelo sr. X, do Freixial, um pombo correio com uma anilha de borracha e outra de alumínio, com os seguintes dizeres respectivamente: F561 e 390077 Portugal".
Num jornal contemporâneo, é impossível lermos uma notícia com alusões a pombos correios sem ser em sentido figurado. Muita inocência foi-se perdendo pelo caminho.
Imagem: centro histórico da aldeia de Castelo Novo