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Delito de Opinião

Os portugueses pelo mundo

Rui Rocha, 12.06.13

Uma das características mais intrigantes do modo de ser lusitano é a busca incessante de casos de sucesso de compatriotas por esse mundo fora. Não há meio de comunicação social que se preze que não tenha uma referência diára a situações tão extraordinárias como a do padeiro do Marco de Canaveses que saiu de casa aos  cinco anos e tem agora, quarenta e quatro anos e três meses decorridos, uma considerável fortuna pessoal em Aracaju, no estado brasileiro de Sergipe. É claro que tal sucesso se deve exclusivamente aos 60 meses que o dito passou exposto aos ventos continentais vindos da terra quente transmontana, à proximidade do Douro vinhateiro e, é justo dizê-lo, ao copito de jeropiga que a mãe lhe deu a fazer de mata-bicho e ao par de estaladas diário que o pai lhe propinava para lhe enrijecer o espírito e as carnes. É evidente que os outros 531 meses que passou fora do solo pátrio são um pormenor insignificante. Todos sabemos que é de pequenino que se torce o pepino. E quando, por excepção, passa um dia em que não se destaca um português, logo aparecem mais dois ou três. Se não forem cidadãos portugueses de papel passado, serão sobrinhos de um tio que namorou com a neta de uma portuguesa de Macieira de Rates. Se não for no Panamá, há-de ser mais para lá. Se não for um beirão, pode ser um cão. Quem não sente um calafrio quando houve o ino nacional? Quem não se arrepia quando toma consciência que Obama, esse mesmo, nos momentos em que analisa os registos diários de actividade que o Google lhe envia, tem a seus pés Bo, um cão de água português? Quem não se comove ao imaginá-lo, ao cãopatriota, na nobre tarefa de marcar território pelos cantos da Sala Oval? Nestas coisas, o futebol tem sempre uma palavra a dizer. Veja-se o caso do Chelsea. Para os meios de comunicação social, o Chelsea não é dos sócios, nem do Abramovich, nem dos gasodutos. O Chelsea é de Paulo Ferreira e de Hilário que têm, juntos, mais tempo de banco que o Ricardo Salgado. O Mónaco, por exemplo, não é do Alberto nem da Stephanie. Agora, é o Mónaco de Moutinho. E de Ricardo Carvalho. Que já não vê bola desde que a Nívea deixou de fazer publicidade na praia. E o Traktor é de Toni. Sim, que no Irão mandam os portugueses que lá estão. Significa isto que não há insucessos portugueses na frente internacional? Claro que há. Mas os insucessos são colectivos e as histórias de glória são individuais. Camané Alves de Jesus, algarvio da Foia, emigrou para a Suiça, conquistou nos anos cinquenta a loira Jacqueline Desmarets ao som dos Olhos Castanhos do Francisco José e tem hoje uma rede de lavandarias na região de Grenoble. Em contrapartida, são sempre portugueses não identificados que dormem na estação de Genebra. Jesus ganhou de letra ao Fenerbache, mas foi o Benfica que perdeu com o Chelsea. O que é curioso nisto tudo é que estes portugueses  que reluzem nos quatro cantos do mundo e também nos da Sala Oval, eram, antes de emigrarerem, uns sacanas, uns cretinos ou, na melhor das hipóteses, uns borra-botas. Tirando o Ferreira Fernandes, de quem quase toda a gente diz bem, a única hipótese de um português ter sucesso em Portugal é ter feito merda. Veja-se o caso do Futre e da conferência de imprensa dos chineses. Veja-se o caso da Sara Norte. Aliás, a Sara Norte reúne mesmo todas as condições de sucesso. Fez merda e esteve presa no estrangeiro. Veja-se o caso do Jorge Jesus. Repare-se que o Vítor Pereira ganhou o campeonato, mas não serve. Vai para o Al Ahly. O Jesus fica e aumentam-lhe o ordenado. Porque fez merda. O outro vai para o Al Ahly e já vem. Mas quando vier, traz a aura de ter ganho a taça das cidades com praças viradas para Meca, coisa que lhe vai tornar o currículo muito mais valioso. E o mesmo se passa com Cláudio Braga. De acordo com o JN, trata-se de um treinador português que faz carreira nos melhores clubes da Holanda. Nada mais, nada menos. Da Holanda, esse país com um campeonato interno verdadeiramente portentoso em que o jogos costumam acabar com resultados que, por cá, só vemos no hóquei em patins. Pois bem, se lermos a notícia, veremos que o homem treina os sub-17 do Utrecht. Uma espécie de Marítimo lá do sítio. Ora, o treinador dos sub-17 do Marítimo cá do sítio nunca  merecerá tal destaque. Porquê? Porque está cá e não está na Holanda. A única hipótese de ter reconhecimento é sair. Ou ficar a fazer merda. Ir a Marrocos buscar um carregamento de droga ou beber uns copos antes de uma conferência de imprensa. É por isso que a diáspora portuguesa não é bem isso. É muito mais uma síndroma de internodeficiência congénita que só se cura com várias doses de os portugueses pelo mundo. O Benfica, por exemplo, tem sofrido muito com a doença. Sabendo que os portugueses internamente não têm sucesso a menos que façam merda, constitui a sua equipa à base de brasileiros e de sérvios. Todavia, fica com um treinador português com muito sucesso no país (isto é, que fez merda) e por isso não ganha nada. Quando chega lá fora, faltam-lhe portugueses para ter sucesso (e sabemos como os portugueses são bons a ter sucesso lá fora) e por isso continua sem ganhar. É claro que tal situação está muito mais ligada com o modo de ser português, do que com qualquer maldição do pobre do Bela Guttman que, se bem se recordam, era estrangeiro.

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