A avenida Álvaro Cunhal
Leio que por especial deferência e iniciativa de António Costa, Lisboa conta agora com uma Avenida Álvaro Cunhal. Não se trata de uma excepção, uma vez que outros municípios já cometeram ou preparam-se para perpetrar iniciativas de idêntico calibre. É bem verdade que o país tem muito mais ruas do que filhos que mereçam distinção, pelo que devem aceitar-se como normais a massificação e a erosão de sentido do destaque toponímico. Todavia, uma coisa é colocar, à falta de melhor, o nome de um qualquer patarata numa placa de uma rua. Outra coisa é atingir o nível de cretinice necessário a que se promova a glorificação por instituições democráticas de quem nunca quis a democracia. Álvaro Cunhal combateu, é certo, o regime salazarento. Mas devemos ser capazes de distinguir ainda que os tempos sejam propícios à confusão. Uma coisa é combater uma ditadura para promover a liberdade. Outra coisa é combatê-la para a substituir por uma outra forma de opressão. A liberdade e a democracia são um valor em si mesmas. E porque é assim, é inaceitável o raciocínio daqueles que por acção ou omissão contribuem para que prolifere uma distinção entre ditaduras boas e más. As ditaduras, de direita ou de esquerda, de cima ou de baixo, são o que são. E são más. Execráveis. É por isso que uma certa aragem de politicamente correcto que desemboca numa atitude de tolerância perante o comunismo não pode ser admitida. É certo que, contrariando o pessimismo de Adorno, depois de Auschwitz podemos ainda voltar à poesia. Mas não podemos permitir que volte o nazismo. Pelo mesmo motivo, é realmente lamentável que depois dos milhões de vítimas provocados pelo comunismo e de o sistema não ter levado a outros resultados que não a colectivização da violência e da fome, aqueles que o defenderam e nunca o renegaram acabem não só por beneficiar de um julgamento histórico injustificadamente benevolente como ainda vejam o seu nome inscrito numa avenida, em claro desafio à dignidade democrática da cidade e do país.