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Delito de Opinião

Diário de dias banais ou usando a indiferença para evitar a histeria

José António Abreu, 30.04.13

Segunda-feira, 22 de Abril

De manhã, aproveitando uma conferência de imprensa de outro modo inútil, o ministro Poiares Maduro fartou-se de mencionar a palavra «consenso». António José Seguro, sempre iludido acerca da sua própria importância no grand scheme of things, resmungou ser tarde para consensos. Assumindo que merece a reputação de inteligência que tanta gente lhe atribuiu no último par de semanas, o ministro Poiares Maduro não terá ficado nem surpreendido nem demasiado incomodado: como se comprovaria três dias mais tarde, a pessoa que devia ouvir e apreciar os apelos ao consenso, ouvira-os e apreciara-os (ver quinta-feira, 25).

À tarde, o ministro Santos Pereira, revelando estar finalmente a conseguir agir como ministro, apresentou um plano inútil repleto de clichés e intenções grandiosas. Foi severamente criticado por ter demorado uma eternidade a apresentá-lo e por as intenções nele expressas não serem suficientemente grandiosas.

 

Terça-Feira, 23 de Abril

É estranho, até um pouco assustador, mas não me lembro de um único pormenor deste dia. Tê-lo-ei passado a dormir? Tê-lo-ei eliminado da memória em resultado de uma experiência traumatizante? Mas, neste caso, que experiência poderia levar-me a uma reacção tão definitiva? Um assassinato? Um sonho húmido com a Ana Gomes? Uma tentativa para ler um livro do José Rodrigues dos Santos?

 

Quarta-Feira, 24 de Abril

Estive presente numa reunião com pessoas simpáticas e faladoras. Foi tão produtiva como os últimos conselhos de ministros.

 

Quinta-feira, 25 de Abril

O presidente Cavaco Silva mostrou que: (1) ouvira os apelos ao consenso que o ministro Poiares Maduro, por ordem/sugestão (riscar a que parecer menos adequada) do presidente Cavaco Silva, lançara na direcção do PS; (2) não gostara da resposta do PS. Fez tudo isto nas comemorações do 25 de Abril, através de um discurso inesperadamente inteligente e sensato. Esqueceu-se, porém, de que o 25 de Abril, não obstante todos os seus pontos positivos, é muito mais acerca de fervor revolucionário e grandes quimeras do que acerca de sensatez. A oposição reagiu com a ferocidade e demagogia que lhe competiam. Ainda assim, António José Seguro não exigiu a realização de eleições antecipadas para a Presidência da República.

 

Sexta-Feira, 26 de Abril

Acordar para o mundo real no dia 26 de Abril é sempre difícil.

A secretária de Estado Maria Luís Albuquerque explicou que o governo conseguira reduzir em 170 milhões de euros (uau) as perdas potenciais de 3000 milhões de euros (17,6 vezes uau) a que as empresas públicas se haviam arriscado, na sequência da contratação de instrumentos financeiros que os seus gestores, mais habituados a calcular prémios de desempenho, estariam longe de compreender. Evidentemente, nada disto significa que as empresas públicas devam ser fechadas, privatizadas ou concessionadas. Não significa sequer que os seus custos operacionais devam ser reduzidos, excepto se puderem ser reduzidos sem custos. Significa antes que coisas assim são uma vergonha e que os envolvidos deviam ser presos e que é preciso garantir que, sem mudar o que quer que seja, no futuro tudo se passará de forma diferente, o que talvez recomende a constituição de um grupo de trabalho incumbido de apresentar um «plano», e que... bla bla bla ad nauseum. Pelo menos – feliz o país em que, por levar o epíteto de evolução, isto merece registo – o caso fez perder o lugar a dois secretários de Estado.

 

Sábado, 27 de Abril

Ouvi algures (seria o televisor da vizinha?) que decorria um congresso do Partido Socialista mas resolvi prestar-lhe atenção apenas depois de esgotadas todas as opções televisivas mais excitantes, como as televendas, os programas do canal BabyTV e as receitas do chef Hélio Loureiro.

 

Domingo, 28 de Abril

Continuei sem ver uma imagem do congresso do Partido Socialista mas, pelo final da tarde, ouvi dizer (tenho mesmo de ter uma conversa com a vizinha) que o plano de António José Seguro para resolver os problemas do país é tão infalível que se encontra apenas dependente da boa vontade de terceiros. Uma das alíneas passará pela redução dos rácios de solvabilidade dos bancos nacionais. Tsk, tsk. Esvaíram-se depressa, os desejos de mais regulamentação.

Para evitar pensar no Seguro ou na vizinha, pus-me a rever A Noite da Iguana, em DVD. Quando o filme terminou passei para a televisão de forma imperdoavelmente displicente (estaria ainda sob os efeitos da Ava Gardner) e José Sócrates encheu-me o ecrã. Atarantado, carreguei no botão mais ao dedo e Richard Burton sobrepôs-se-lhe. Suspirei de alívio. As personagens de Tenessee Williams podem ser problemáticas e até desagradáveis mas pelo menos mantêm uma possibilidade de redenção.

 

Segunda-Feira, 29 de Abril

Vesti um pólo de manga curta mas a manhã esteve fresca. Toda a gente se meteu comigo.

O ministro Vítor Gaspar entrou no jogo dos apelos ao consenso. Fê-lo alertando para a inevitabilidade de o consenso ter de se formar em torno da reestruturação e do redimensionamento do Estado. É nestes pormenores que se detecta que o ministro Vítor Gaspar não é muito bom a acompanhar o sentido dos tempos. O consenso na sociedade portuguesa já é outro.

 

Terça-Feira, 30 de Abril (hoje)

Ocorre mais um (interminável?) conselho de ministros na interminável série de intermináveis conselhos de ministros em que, desde a sapientíssima decisão dos treze vultos mais insignes da nação, o governo anda embrenhado, sem conseguir chegar a decisões sobre onde e como cortar num Estado que ainda representa quase metade do PIB. Cambada de neoliberais.

 

Quarta-Feira, 1 de Maio (amanhã)

Não é altura de lhe mudar o nome para dia do trabalhador e da trabalhadora?

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