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Delito de Opinião

Ontem, 25 de Abril

jpt, 26.04.13

 

Já é noite, avançada até, oito e tal, subo os corredores da faculdade para a última aula do dia. Vou como vou, a gripe voltou, a telha mantém-se, longa, ríspida, como sempre o é, neste amarfanhar do trapo. Pior, serão pormenores mas tanto moem, reparo agora que tenho uma enorme mancha na camisa, café decerto, mas não tenho tempo para me mudar, vou assim aparecer diante dos alunos, qual ogre abatido. Cruzo uma colega, saúda-me, arranjo alento - esse que falta quando só - para umas palavras sorridentes. Simpática, felicita-me pelo dia, "25 de Abril", lamenta-me, companheira, por não gozar o meu feriado, mas para logo mudar, como se até arrependida, "bem, mas para ti o 25 de Abril não é nada! tu não és disso!", qualquer coisa assim .... Fico gelado, transido, balbucio qualquer coisa como "então ...?", ou nem mesmo isso, e sigo trôpego para a sala, maçar quem me espera com qualquer coisa tão distante, umas quaisquer ideias de XIX, e antes de lá chegar ainda penso "que terei eu dito?, algum dia?, para ouvir isto?".
Depois regresso a casa, o jantar tardio das quintas-feiras d'agora. Enquanto os tachos reaquecem espreito o fb no portátil, muito 25 de Abril nos meus "amigos" dali. Entre o imenso "memeísmo" que dominou tudo aquilo, lá surge uma foto real das comemorações na minha Lisboa, impante lá está o bombista e assaltante, anos preso pelas malevolências e assassinato cometidos, para depois ser "amnistiado" por via de uma "absolvição", esta brotada daquele necessário irenismo reconciliatório dos anos 80s. Todo ele, gordo, encanecido, está ali qual também símbolo do 25 de Abril, e quem o ladeia enche blogs de democráticas aspirações. A este assassino os colegas não lhe questionam a democracia, que o folclore se globalizou, resmungo para mim.

Vou-me ao peixe, trago-o no tabuleiro e vejo um pouco as notícias portuguesas. Mais comemorações. Os jornalistas questionam os "populares" sobre o significado da data, e também algumas criancinhas, aperaltadas, vestidas a rigor, cheias de símbolos (a data é simpática, mas ninguém percebe o tétrico que é adornar as crianças para este tipo de situações, quais "anjinhos da democracia"?). Todos eles respondem da mesma forma, até os bem industriados petizes, o 25 de Abril representou a liberdade.

Sorrio. Nem um desses "donos" (e filhos de "donos") da data, da democracia, se lembra de falar na paz. Que a data significa a paz. A história pátria foi bem limpa ... Apetece-me enviar um sms à minha colega, mas ela não compreenderia. Nem o teor, nem a minha irritação. Que nem é com ela.

Depois surge um "não-popular", o cantor Carlos Mendes. Opina. Que  "o que se está a passar no país é indecente". E como tal é necessário um novo 25 de Abril! Isso mesmo: temos seis colónias, cheias de barreiras raciais (mesmo que os luso-tropicais afiancem que não, e nunca desistam de o lembrar); três guerras e dezenas de milhares de tipos a fazê-las, na esmagadora maioria sem perceberem para quê. Nelas, e também na metrópole (onde Carlos Mendes continua a cantar e vai opinando, sabe Deus com que coragem) temos as prisões cheias por delitos de opinião, mais a merda da censura. Temos o povo analfabetizado, pobre como o caraças, e mais no campo ainda, onde quase metade de nós se vai arrastando entre machambeiros, malteses e ratinhos, e nem falar da liberdade de associação, seja ela qual for, e mesmo a de culto, enfim esta com muito cuidadinho - nem de dessassociação, já agora, que nada de divórcio legal, não vá a gente meter-se com ideias. Eleições está visto, vota quem está nas listas, e depois no fim ainda vai tudo à "contagem". O Presidente, não o do Conselho, falo do da República, é fascista e da pide, dizem-me ainda no fb, e vários o fazem também com grande coragem. Tem razão o Carlos Mendes, e espero que o cante. A tropa tem que se revoltar, e o povo deve segui-la, a acabarem com este estado de coisas.

Passo de canal, para o Fenerbahce-Benfica, o Magdeburgo-Sporting de hoje.

Deve ter razão a minha colega. O meu feriado não é o mesmo deste cantor. Nem o do chefe das Brigate Rosse lusas. Fico mais sossegado e, imagine-se, desirrito-me. Pois a cada um o seu folclore.

É essa a democracia. O meu feriado. Ou, melhor, o meu folclore. 

 

(também colocado no ma-schamba)

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