Telefonemas
Ligo a familiares, amigos e colegas por razões particulares (telefonemas profissionais são outra realidade) e passo a duração da chamada em busca de assunto. Hesito. Repito-me. Balbucio trivialidades. Há pessoas capazes de ficar a conversar durante horas – sobre a saúde, o tempo, o almoço, as brincadeiras dos filhos, a idiotice ou a injustiça dos colegas de trabalho, um programa de televisão, os resultados do futebol, a temperatura e o tempo correctos para cozinhar pão-de-ló, os inacreditáveis erros de Gaspar e as inacreditáveis mentiras de Passos. Eu não. Ao vivo, cara a cara, até falo bastante. O telefone, porém, seca-me a verve. Desconfio que as pessoas a quem ligo acham que sou brusco e que só lhes telefono por obrigação. A primeira parte talvez seja verdade, a segunda decididamente não é. Regista-se uma componente de esforço mas advém da antecipação do desconforto, de saber não apenas que serei incapaz de manter a conversa durante muito tempo mas também que depressa isso ficará evidente. Nada mais. Por outro lado, como seria inevitável, não consigo deixar de me interrogar se as pessoas que me telefonam o fazem a contragosto, antecipando o seu próprio desconforto e sentindo executar um acto inútil. Não é inútil. Para ser importante, um telefonema não necessita de durar mais do que dez segundos nem de incluir mais do que algumas frases desconjuntadas. Digo eu, procurando convencer-me de que as aparências não definem a realidade. Como em tudo, regista-se um ponto positivo: estarei entre as pessoas que menos dinheiro gastam neste país em chamadas telefónicas. Mas isso também me impede de usar o argumento económico para terminar as conversas («Olha, vou desligar que isto fica caro»), uma vez que mentir, pela falta de respeito que constituiria, está fora de questão. E, assim, quedo-me totalmente sem assuntos para prosseguir nem desculpas para desligar.