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Delito de Opinião

Hasta siempre, Bebo Valdés

Pedro Correia, 25.03.13

 

"La libertad cuesta muy cara, y es necesario, o resignarse a vivir sin ella, o decidirse a comprarla por su precio."

José Martí

"Dentro de la Revolución todo; contra la Revolución, nada."

Fidel Castro

 

Fala-se muito da privação dos direitos políticos em Cuba, submetida desde 1959 à férrea oligarquia dos irmãos Castro. Fala-se muito menos da repressão cultural na ilha-prisão, onde escritores, poetas e artistas tão diversos como Cabrera Infante, Virgilio Piñera, Nestor Almendros, Carlos Franqui, Jesús Díaz, Reinaldo Arenas e Heberto Padilla se viram condenados consecutivamente ao silêncio, à prisão ou ao exílio por ousarem desafiar os dogmas do regime. Houve já quem chamasse "genocídio cultural" ao meio século de tirania comunista que impõe a lei da mordaça a um povo que é, como poucos, vocacionado para a liberdade.

Pensei nisto há dois dias, ao tomar conhecimento de que um dos mais geniais pianistas do nosso tempo nos disse adeus. Era Bebo Valdés, falecido aos 94 anos após mais quatro décadas de exílio voluntário. Foi um dos reis da noite de Havana nos anos 40 e 50, tendo chegado a actuar com Nat King Cole. Quando os barbudos de Castro desceram a Sierra Maestra, substituindo uma ditadura por outra de sinal contrário, ele fez uma declaração que viria a condená-lo ao ostracismo: "Sou neutral em matéria política." Uma frase destas bastava para que lhe pusessem o rótulo de contra-revolucionário.

Quando Fidel mandou expropriar os 955 bares e cabarés existentes na capital cubana, em Março de 1968, Bebo percebeu que era tempo de partir. A mãe fê-lo prometer que não regressaria enquanto vigorasse a ditadura e ele cumpriu a promessa: disse adeus à ilha, tornou-se cidadão do mundo. A Havana que transportava consigo era uma Havana mítica, há muito sepultada na poeira da memória.

 

Bebo imprimiu à sua música a inconfundível nostalgia do exílio, latente em cada acorde que colhia do piano. Como ele, muitos outros acabaram a espalhar o som cubano pelas rotas do desterro.

Castro, implacável, proclamou que a arte teria de ser posta ao serviço da revolução, começando por proibir os cubanos de escutar os Beatles. De proibição em proibição, todo o som dos exilados acabou por ser alvo da censura oficial na rádio e na TV. Três gerações da ilha foram assim impedidas de ouvir o intérprete de La Comparsa. E também Celia Cruz, a rainha da salsa - que a Billboard Magazine chegou a considerar "a mais influente figura feminina da história da música cubana": exilada em 1959, nunca mais regressou à sua Havana natal. E Olga Guillot, a rainha do bolero, que partilhou palcos com Frank Sinatra: partiu em 1961 sem olhar para trás.

 

É enorme a legião de músicos ou futuros músicos cubanos que a revolução castrista expurgou. Inclui o trompetista Arturo Sandoval, exilado em 1990 durante uma digressão em Espanha com Dizzy Gillespie. Cachao López, um dos mestres do mambo, que rumou em 1962 para os Estados Unidos numa viagem sem regresso. Willy Chirino, que partiu em 1960, ainda adolescente, e hoje é um dos mentores do movimento pacifista cubano Eu não coopero com a ditadura. Gloria Estefan, que já vendeu mais de cem milhões de discos, permanece longe do país natal, onde nasceu há 55 anos. Paquito d'Rivera - provavelmente o melhor saxofonista contemporâneo - pediu asilo político aos EUA, em 1981, quando se encontrava em solo espanhol: o jazz, sua especialidade, era considerado "música imperialista" naqueles anos de chumbo do regime.

Votaram com os pés, abandonando um regime que os oprimia. Cada qual a seu modo, todos sabiam que a criação artística é inseparável da liberdade.

 

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