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Delito de Opinião

Cultura científica

João André, 19.03.13

Este post do João fez-me voltar a um dos meus temas de estimação: a falta de cultura científica da população portuguesa. Não que o João (ou sequer o Samuel de Paiva Pires) a demonstre, antes que o post original demonstra, perante a colecção de propostas de temas que exclui completamente a ciência, uma alergia a tudo o que não seja cultura "clássica" (história, literatura, filosofia ou arte). Isto não é algo que venha apenas do post do João, é algo extensível à sociedade portuguesa em geral. Note-se este artigo de opinião de Luís Francisco no Público. É essencialmente uma tentativa de humor. Para mim falhada, mas não é aí que lhe aponto o dedo, antes é ao facto de o autor ter decidido escrever sobre ciência apenas do lado do humor, sem qualquer tentativa de a compreender. Várias vezes  nos leva a pensar se está a brincar com alguns títulos ou simplesmente não compreendeu que os mesmos são absolutamente relevantes. Aquilo que o artigo demonstra é que a ciência, em Portugal, é para ser tratada como nicho de gente esquisita ou com humor.

 

Não vale a pena voltar aqui ao tema das "Duas Culturas" de C.P. Snow, quem quiser pode ler sobre o assunto. Trata-se tão só de notar que a sociedade portuguesa continua a contribuir para esta falta de cultura científica e a menorizar quem a possui. Quem numa conversa de café puxar do assunto do uso da luz por Rembrandt pode ser visto secretamente como um "chato", mas raramente lhe pedirão que se cale. Quem quiser antes falar do facto de existirem duas teorias da Relatividade e aquela que estabelece o limite da velocidade da luz ser a mais simples e "trivial" será imediatamente ignorado pela maioria.

 

Este é um sentimento que se perpetua através da falta de educação científica, da pouca relevância da ciência nos media (ver o cartoon que ilustra o post, retirado daqui) e do próprio preconceito popular (quantos não foram para Humanidades para "fugir à matemática"?). Este problema acaba por se notar de forma clara depois também nos tais exames de cultura geral de acesso à carreira diplomática. Fazem-se perguntas que até são simples, mas que nenhuma relevância terão para as funções. Acabam portanto por se valorizar as ciências (ou disciplinas) que tenham reconhecido valor científico (informática, energia) e ignorar aquelas que explorarão o conhecimento fundamental (física, matemática). Isto não só é uma tragédia em si mesmo, mas acaba por ignorar que muitos avanços tecnológicos fundamentais para a humanidade se fizeram a partir da ciência fundamental.

 

Resolver este problema não é fácil e não é tarefa para 4 ou 5 anos, antes para uma geração. Antes de mais, creio ser necessário um programa de "alfabetização científica" em Portugal. Um programa que, sem esconder a dificuldade do estudo da ciência, mostre o quanto é fundamental para a vida de todos os indivíduos. Por outro lado, seria necessário que se eliminassem as oportunidades para fugir à ciência. Matemática e Ciências (genéricas) deveriam fazer parte dos currículos de qualquer curso, mesmo na Filosofia, Línguas ou História. Paralelamente, claro, Literatura, História e Filosofia deveriam fazer parte dos currículos de todos os cursos (fossem eles Biologia, Engenharias ou Matemática).

 

Sei que muitos se insurgirão contra uma possível intromissão do Estado nas liberdades individuais, mas eu não a vejo como mais que uma extensão das funções educativas do Estado (caso contrário deixamos de alfabetizar a população). Todos beneficiariam. Mesmo aqueles que preferissem não o fazer.

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