A caminho de outro parque jurássico.
A Constituição da República Portuguesa consagra no seu art. 118º o princípio da renovação sucessiva dos titulares de cargos políticos executivos. Precisamente por esse motivo a Lei 46/2005, de 29 de Agosto, limitou a permanência do cargo de Presidente de Câmara a três mandatos consecutivos, obrigando os titulares desse cargo a um período de quatro anos durante o qual "não podem assumir aquelas funções". É por isso manifesto, em termos legais, que a limitação é para a função de Presidente de Câmara, uma vez que, como foi referido na altura, o que a lei visava era precisamente terminar com os dinossauros nas autarquias e não fazê-los transitar para outro parque jurássico. Deve dizer-se, aliás, que a lei até foi muito generosa para os autarcas em funções, já que lhes permitiu ainda um último mandato em 2009, tendo assim inúmeros candidatos ultrapassado já em muito o limite legal.
Nada impede legalmente os autarcas, após os quatro anos de interrupção, de voltar a candidatar-se a qualquer município. O que não parece minimanente aceitável é que durante esse período transitem para um município vizinho. No limite, os autarcas até poderiam trocar de município entre si por quatro anos, reeditando em Portugal a solução Putin/Medvedev. Estou por isso convencido que os tribunais não vão permitir este tipo de operação, a meu ver claramente ilegal. E basta uma decisão judicial a declarar a ilegalidade de uma candidatura para que estas candidaturas fiquem feridas de morte aos olhos do eleitorado, mesmo que o Tribunal Constitucional viesse no fim a admiti-las.
Não percebo por isso qual o sentido político de o PSD, numa espúria aliança com o PCP, insistir em candidaturas nestas condições, dando uma imagem ao eleitorado de incapacidade de renovação. Fernando Costa está há 28 anos nas Caldas da Rainha, pretendendo agora passar para Loures. Luís Filipe Menezes anda há 16 anos em Gaia, pretendendo agora passar para o Porto. Só Fernando Seara é que tem apenas 12 anos de exercício do cargo. Mas, se a lei fosse respeitada, nenhum deles se deveria candidatar.
Insistir numa solução legalmente inviável só contribui para o descrédito das instituições, a que infelizmente se prestou o Presidente da República, ao vir a público dizer que tinha sido alterado o projecto inicial na Imprensa Nacional, como se uma mera alteração gramatical mudasse o que quer que fosse na lei. Mas a solução, antes de ser jurídica, é política. Não serão com certeza dinossauros autárquicos que conseguirão trazer o sangue novo de que o país precisa nesta fase crítica. E deixar enredar as eleições autárquicas numa polémica jurídica sobre a elegibilidade dos candidatos é uma garantia de derrota antecipada.