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Delito de Opinião

A douta ignorância

Ana Vidal, 20.02.13

Quem me conhece sabe como sou crítica em relação à igreja católica. Sou cristã por opção, mas isso não significa que aprove aquilo que os católicos fizeram ao longo dos tempos com a mensagem original de Cristo, admirável e verdadeiramente revolucionária. Tudo foi deturpado por razões bem humanas (mas indesculpáveis), trocando a liberdade e a responsabilidade individual que era proposta aos homens pela disciplina do medo, instaurada através da terrível mas eficaz fórmula "pecado-culpa-castigo". E assim tudo regressou de novo a terrenos mais seguros para quem gosta de exercer poder sobre os outros, aqueles outros que, por sua vez, preferem uma cartilha de pecados e virtudes por onde possam guiar os passos sem risco de excomunhão. Enfim, esta é uma pacífica mas insanável divergência que discuto habitualmente com amigos católicos desde que penso pela minha cabeça. Sou lúcida, curiosa e rebelde demais para não questionar dogmas impostos, para não querer saber o que esteve na sua génese, para não rejeitá-los se me parecem absurdos, desactualizados ou injustos.


Mas, se condeno a manipulação, condeno-a em todas as frentes. Tanto quanto as imposições irritam-me as críticas acéfalas, baseadas numa ignorância desonesta ou preguiçosa que tem como única intenção armar escândalo e alimentar ódios fáceis. Já não bastava sermos todos especialistas em macro-economia, agora também somos todos teólogos e doutorados em latim.

Este vídeo - que se refere a um hino Pascal supostamente demoníaco - foi posto a circular na net e tornou-se viral num ápice, exactamente como se pretendia. O título já diz tudo, para quem nem sequer o trabalho de o ouvir quiser ter. Mas, goste-se ou não da igreja católica, goste-se ou não de Bento XVI e da atitude que tomou, é de uma pobreza confrangedora perorar sobre aquilo de que não se percebe patavina só para fazer coro com a maioria. Para o que também a mim pareceu estranho à primeira impressão, procurei e encontrei explicações de quem entende alguma coisa do assunto. E descobri que Lucifer, em latim, significa apenas "portador de luz". A palavra está assim presente em varias orações da Igreja, em latim, e não se aplica evidentemente ao Diabo. Lucifer era o maior de todos os Anjos e não perdeu o nome apesar de abandonar Deus, de tal maneira que esse nome foi dado a muitos cristãos dos primeiros tempos e até existe um S. Lucifer. Em suma, descobri que a tradução apressada (se não propositadamente deturpada) que aparece no video, está longe de ser a mais correcta.


Gosto de argumentos, não de batotas.

 

4 comentários

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    Ana Vidal 20.02.2013

    Monsieur Panurge (quanta auto-estima, hein?), dispenso os seus sarcasmos. Se há coisa que este post não pretende é impressioná-lo ou ensinar-lhe seja o que for, e muito menos demonstrar erudição. Se fosse essa a minha intenção tinha-lhe acrescentado algumas citações de grande efeito, todos temos acesso à wikipedia. Mas talvez queira fazer-me a caridade de dizer-me o que posso eu aprender consigo. Isso é que era. Afinal, não é todos os dias que se tem à mão um especialista em anjos e prostitutas.
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    Panurgo 20.02.2013

    Não deve tomar por sarcasmo a confissão do mais puro deslumbramento. Um deslumbramento mais largo ainda, pois que me revelou uma noção muito mais ampla de erudição - citações da wikipédia que, tal como os remates em arco fora da área, dão um espectáculo de belo efeito. Como é fácil de notar, muito pouco tenho para oferecer à aprendizagem alheia. Até porque, tanto eu como os meus amigos católicos, preferimos a Teologia Negativa à Sistemática. E, convenhamos, ao cristão as prostitutas sempre ofereceram mais encantos do que a discussão. Assim era também com o Cristo, como se depreende pelo Evangelho.
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    Ana Vidal 21.02.2013

    Tem razão, afinal não era sarcasmo. Um perito em sarcasmos nunca faria uma leitura literal da minha frase (a menos que me considere incapaz de tão sofisticada arte, claro). Acha mesmo, então, que a minha noção de erudição é uma citação da wikipédia? Pois bem, nesse caso não tenho muito mais a dizer.
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