Um tiro pela culatra
As palavras de Francisco José Viegas têm, pelo menos, a vantagem de demonstrarem que já está melhorzinho e que os problemas de saúde que o afastaram do governo estão superados. Com excepção, eventualmente, de uma Síndrome de Tourette em estado embrionário. Todavia, para lá disso, digo que não trazem nada de novo. Quando muito, trata-se de acrescentar à evasão fiscal uma sugestão de invasão do fiscal. Mais, se virmos bem, as referidas palavras inserem-se não onde os amigos estão a pensar, mas numa longa tradição portuguesa. A de demonstrar força com os fracos e de baixar as calças perante os fortes. Repare-se que a recumendação de Viegas, comunicada a Paulo Núncio, se dirige afinal aos inspectores da autoridade tributária. Viegas não concorda com mensagem. Mas não mata o Núncio. Muito menos quem está acima dele. Em vez disso, manda foder o mensageiro. Aliás, já se sabe que estas coisas estão sempre na cabeça; para o que aqui importa, na de Passos e na de Gaspar. Se as cabeças destes não têm juízo, que sentido faz que seja o corpo de um inspector a pagar? Na verdade, Viegas confunde a questão de fundo com o fundo das costas dos funcionários. O cu com as calças. No que diz respeito a Passos e a Gaspar, Viegas cala-se. Mete o rabinho entre as pernas. São assim as indignações típicas da portugalidade. Sempre dirigidas ao acessório, à arvore, sempre perdendo de vista a floresta. A indignação pelo tostão da factura enquanto o problema fundamental dos milhares de milhões do esbulho fiscal permanece. No caso, a indignação do cu pró níquel. O problema das declarações de Viegas não é terem sido feitas num registo, digamos, pouco curial. É, sobretudo, o de traduzirem um tipo de indignação desviada do essencial que é representativa, antes de mais, de uma questão cultural. E que acaba sempre por redundar num monumental tiro pela culatra.