Da obscenidade
Pelo visto, não se trata já dos efeitos da antropomorfização nascida com os filmes de Walt Disney. Nem da extensão da tese do bom selvagem aos animais. O que está em causa já não é só perguntar se há gatos siameses maus e responder sempre que não, coitadinhos. Ou ter de aturar uma legião de padres américos que se dedicam a pastorear as almas das lagartixas. Ou os que sabem de cor o nome do Zico para o qual pedem uma segunda oportunidade e não perderam um segundo a dar um nome à criança que morreu com o crânio esmagado. Estamos, ao que parece, um passo à frente. No sentido do abismo. Agora, a luta não é apenas a da igualdade de direitos entre animais e humanos. É, mais do que isso, a da admissão da prevalência do direito à sobrevivência de um animal doméstico sobre o de um qualquer ser humano. Isto é, os animais, ou pelo menos certos animais (o que para o caso tanto vale) um passo à frente e os humanos, ou pelo menos certos humanos (para o caso tanto vale) um passo atrás, quando se posicionam numa escolha fundamental de vida ou de morte. Há perguntas de onde não se regressa. Porque mesmo uma resposta negativa transporta sempre um efeito de legitimação da hipótese formulada, mais que não seja enquanto tal. E em caso algum devemos ser cúmplices da obscenidade.