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Delito de Opinião

Exercício de... português?

Ana Vidal, 30.01.13

Acabo de ter acesso, através de uma mãe desesperada, a este exercício de português para o 10º ano:

 

«Funcionamento da língua:


1. A coesão* referencial do texto assenta, sobretudo, na co-referência anafórica pronominal que assegura os segmentos do discurso.

1.1. Considerando o referente «eu» (v.3), apresenta:

a) uma catáfora

b) os co-referentes anafóricos pronominais da segunda volta

c) duas elipses.»

 

(*A "coesão" é definida desta forma, para quem tiver dúvidas: «o termo que designa os mecanismos linguísticos de sequencialização que instituem continuidade semântica entre diferentes elementos da superfície textual». Logo, «"coesão referencial" é a interdependência de fragmentos textuais assinalada por co-referentes, dando origem a uma cadeia referencial». Esta açorda linguística vem acompanhada de outros mimos igualmente perceptíveis, tais como: coesão interfásica, temporo-aspectual, co-referência anafórica, coesão lexical, etc. Tudo muito coeso e facílimo, como se vê.)

 

Ainda vou na primeira volta e já estou em estado catafórico. Dou graças aos céus por já não ter filhos (e ainda não ter netos) em idade de precisarem de ajuda com os trabalhos de casa, porque me sentiria pouco mais do que atrasada mental. O drama é, afinal, muito mais extenso do que a imposição de um estúpido e inútil acordo ortográfico. O problema de fundo é que o funcionamento da língua não funciona.

 


 

Adenda: Não resisto a trazer a esta discussão o contributo da grande Natália Correia. É preciso chamar os bois pelos nomes, e poucos o fizeram como ela. Neste caso, as vacas (sagradas?).

 

Língua Mater Dolorosa

 

Tu que foste do Lácio a flor do pinho

dos trovadores a leda a bem-talhada

de oito séculos a cal o pão e o vinho

de Luís Vaz a chama joalhada

 

tu o casulo o vaso o ventre o ninho

e que sôbolos rios pendurada

foste a harpa lunar do peregrino

tu que depois de ti não há mais nada,

 

eis-te bobo da corja coribântica:

a canalha apedreja-te a semântica

e os teus verbos feridos vão de maca.

 

Já na glote és cascalho és malho és míngua,

de brisa barco e bronze foste a língua;

língua serás ainda... mas de vaca.

 

4 comentários

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    João Campos 30.01.2013

    "O ensino dos Lusíadas é um outro caso de anti-conhecimento. Os alunos não têm a mínima noção da mitologia envolvida, e é pretendido que leiam a obra!
    Como habitual, são enredados nos detalhes da forma, e o pretenso conteúdo é-lhes enfiado em "resumos teleguiados", ao jeito de contos de fadas.
    Com o mesmo infantilidade pode até "ensinar-se" electrodinâmica quântica ou gramática transformacional."

    Gostava de ter escrito isto. O martírio que era estudar os Lusíadas (e eu conhecia a mitologia)... aliás, a coisa no meu tempo começava logo no oitavo ano, com uma versão em prosa para o conteúdo ficar logo digerido e podermos dedicar-nos às questões (chatíssimas) da métrica no nono ano...
  • Sem imagem de perfil

    c. 30.01.2013

    Mas há coisas que são chatas. E dão trabalho para serem aprendidas. Muito.
    Há vários modos, uns melhores de que os outros? Sem dúvida, mas mesmo os melhor deles pode não dispensar trabalho árduo.
    É assim.
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    Ana Vidal 01.02.2013

    Concordo absolutamente, mas a qualidade dos professores faz toda a diferença na aprendizagem. Dependendo da sorte que tivermos com os que nos calham, o esforço de aprender (que existe sempre) pode ser um prazer ou um sacrifício. Eu tive sorte, tive excelentes professores.
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