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Delito de Opinião

France Gall e os lollipops

Adolfo Mesquita Nunes, 29.01.13
A razão pela qual cheguei a France Gall é suficientemente ridícula para que a deixe para outra ocasião. Mas foi nesse momento, em que a vi e ouvi cantar, que começou esta minha - também ela ridícula - queda por cantoras de vozes limitadas, na vertigem da afinação e sempre à beira do abismo. Mas voltemos a France Gall, que é dela que quero falar. Quem a visse cantar as músicas de Serge Gainsbourg, ainda adolescente e com ar inconsciente, não podia deixar de perguntar: mas sabe ela o que está a cantar, percebe ela o significado das coisas que o Gainsbourg lhe escrevia para cantar?

O duplo sentido das canções de Gainsbourg era evidente, sobretudo quando coladas a uma ninfeta como Gall. Mas mesmo que não fosse evidente, seria sempre presente. E bastava saber que vinham de Gainsbourg para que a certeza se instalasse: estas letras dizem muito mais do que a mera literalidade. E France Gall, sabia? Quando, ninfeta, lambia lollipops em Les Sucettes, sabia o que estava a fazer? Sabia a imagem que emprestava a pedaços de letra como este: Lorsque le sucre d'orge, parfumé à l'anis, coule dans la gorge d'Annie, elle est au paradis? E quando, de boca sensual, se dizia uma boneca de cera à mercê de tentações, em Poupée de Cire, Poupée de Son, sabia o que estava a fazer? Sabia o que aquele beicinho ilustrava quando cantava elles se laissent séduire pour un oui, pour un nom?

Na altura em que ouvi pela primeira vez France Gall, algures no princípio dos anos 90 (estas canções são do começo da carreira dela, lá para 1965 e 1966) não havia internet e as perguntas que me fiz, numa altura em que, à conta de uma mãe absolutamente francófona, me iniciei na música francesa, ficaram sem resposta. Há uns tempos lembrei-me de France Gall, não vou dizer a propósito de que outra cantora, e fui procurar a resposta.

Ela está aqui, numa pequena entrevista, que partilho convosco. A ninfeta France Gall não sabia, ou diz que não sabia. Sentiu-se, de certa forma, enganada e traída pelos adultos que a rodeavam, e o momento em que se viu enganada marcou-a para sempre, alterando a forma como via e se relacionava com os rapazes. Curiosamente, esse é o tema de Poupée de Cire..., canção que, ao lado de Les Sucettes, foi banida do seu repertório. Chega a ser comovente a forma como France Gall, em imagens antigas mostradas na entrevista, descreve, alheada, uma letra que contava uma história um pouco mais densa do que aquela de 'rapariga que gosta de lamber lollipops'.

Esta história lança várias discussões (o papel dos adultos que rodeiam jovens cantores, a moralidade de autores como Gainsbourg quando escondem, ou parecem esconder, desses jovens cantores o significado das letras que estes manifestamente não alcançam, etc...), que podem correr nas caixas de comentários. Não quis foi deixar de partilhar esta história, real, que me parece demasiado actual, 40 e tal anos depois. 

2 comentários

  • Pode ser estranho. E é. Mas como dizia acima à Ana, se partirmos desse pressuposto, sem o verificar, podemos cair numa certa complacência. Claro que sendo ela maior de idade, não tenho nada a dizer ao caso. Serve para reflexão!
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